sexta-feira, abril 16, 2010

Que tristeza... Mas de quem é a culpa?

Os alunos universitários não sabem escrever. Não quiseram aprender? Ou trata-se do modelo de formação de professores do Ensino Básico pós 1ª LBSE, modelo economicista que acabou com os anteriores, nos quais a formação inicial dos professores era uma licenciatura exclusivamente científica, seguida de um verdadeiro/exigente estágio pedagógico (que até chegou a ser de dois anos)?
É um problema das mais recentes gerações de professores, ou trata-se desse maldito modelo de formação que referi, do qual os formandos não têm culpa?
[Quantas vezes, em tempos neste cantinho, alertei para esse "maldito", de que fui testemunha como professora cooperante - não como orientadora - em (pseudo)estágios? Tal como depois me insurgi face à aprovação (sem vozes que gritassem) do Regime de Formação de Professores do Ensino Básico, na sequência do dito Processo de Bolonha.]

Erros de palmatória cada vez mais frequentes entre universitários

Ana, Inês e Mariana estão na Escola Superior de Educação, em Lisboa, e reconhecem que dominar a escrita é uma das suas maiores dificuldades
Pedro Azevedo

Escrever sem erros ortográficos, encadear um raciocínio com princípio, meio e fim, interpretar um texto ou perceber o que é dito na aula. São os próprios professores a reconhecer que o domínio da língua portuguesa é uma aprendizagem que a maioria dos seus alunos não fez no ensino secundário e ainda não consegue fazer no ensino superior. As dificuldades atravessam os cursos que vão das ciências sociais e humanas às ciências exactas e estendem-se a disciplinas como História, Matemática, Física, Gestão, Jornalismo ou Ciência Política.Escrita A incapacidade de usar a língua portuguesa de forma correcta é um "mal generalizado" entre os alunos de todos os anos, avisa Manuel Henrique Santana Castilho, docente da Escola Superior de Educação de Santarém. "São raros os que conseguem organizar um pensamento e escrevê-lo sem incorrecções", diz o professor que ensina Gestão Educacional aos futuros candidatos a professores do 3º ano. Os erros vão muito além da ortografia e da gramática, conta Isabel Ferreira, que dá aulas de Física aos caloiros do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa: "Na generalidade, escreve-se como se fala. Os alunos distorcem as palavras para permitir uma colagem entre a grafia e a fonética."Oralidade Pior do que a escrita é a oralidade, esclarece Miguel Morgado do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Quando o desafio passa por verbalizar uma ideia ou expor um raciocínio, as fragilidades triplicam: "Há uma enorme dificuldade de os alunos conseguirem responder a uma pergunta com princípio, meio e fim." Ou uma incapacidade de começar e terminar uma frase, mantendo uma "lógica coerente", desabafa Santana Castilho. O discurso é com frequência atropelado por "frases incompletas sem um fio condutor", explica Isabel Ferreira. Nuno Crato, professor de Matemática do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), acrescenta que, regra geral, o vocabulário dos seus alunos "é pobre" e o raciocínio "vago e disperso".Se o discurso é incoerente é porque não há um esforço de reflexão: "Logo, as intervenções orais são baseadas no improviso", defende João Cantiga Esteves, professor de Finanças no ISEG, em Lisboa. Expressar uma ideia simples é um desafio que poucos conseguem ultrapassar. "Até nos casos em que peço aos alunos para lerem textos em voz alta, a leitura é apressada sem pausas e com total desrespeito pelas vírgulas e parágrafos", diz João Gouveia Monteiro, professor de História da Idade Média e de História Militar da Universidade de Coimbra.InterpretarLer um texto e saber transmitir o que se retirou dessa leitura é uma habilidade de uma minoria, conta Joaquim Fidalgo, que dá aulas de Jornalismo na Universidade do Minho: "Em regra, o discurso é confuso e há uma tendência para complicar conceitos simples." Prestar atenção ao que o professor diz durante a aula e tomar notas em simultâneo é outra tarefa que poucos conseguem desempenhar, alerta a professora de Física do Instituto Superior de Agronomia. Combater essa limitação passa muitas vezes por interromper a aula e pedir à professora para repetir a frase que acabou de dizer: "Um desafio constante tem sido fazê-los primeiro ouvir, para depois escreverem pelas suas palavras, evitando que se caia num regime de ditado."Dez minutos é, por outro lado, o tempo máximo que dura a concentração de uma turma, conta João Gouveia Monteiro: "Mais do que isso, os alunos começam a dispersar-se e não tenho outra alternativa senão fazer uma pausa." A estratégia do professor passa por contar uma piada ou pedir a um aluno para fazer um comentário sobre a matéria. Após o intervalo, a aula prossegue sem interrupções durante os próximos 10 minutos. A velocidade com que o programa é cumprido é portanto mais lento, explica o director da Imprensa da Universidade de Coimbra: "Há 15 anos demorava duas aulas para ensinar um módulo, hoje levo o dobro do tempo." AprendizagemAs deficiências na escrita e na oralidade têm consequências na aprendizagem e na avaliação dos estudantes. "Os alunos perdem a capacidade para compreender conceitos complexos", diz Isabel Ferreira, esclarecendo que os que têm mais dificuldades na expressão escrita e oral são "tendencialmente" os que também têm maiores resistências em dominar os conceitos científicos da disciplina. E, ao não conseguirem expressar o raciocínio, correm o risco de serem penalizados na avaliação: "A partir do momento em que não percebo o que querem transmitir, não posso avaliar os seus conhecimentos", diz Miguel Morgado.Quanto maiores são as deficiências dos estudantes, menor é o grau de exigência dos professores. Miguel Morgado reconhece que se foi tornando mais tolerante com as falhas dos alunos e hoje há erros que já não considera "assim tão graves". João Gouveia Monteiro admite que entre a classe docente há uma tendência para nivelar por baixo: "Eu, por exemplo, no primeiro semestre do ano passado, chumbei 75% dos meus alunos e, mesmo assim, considero que não fui rigoroso." Isabel Ferreira confessa que teve necessidade de tornar a sua linguagem mais básica para poder ser entendida pelos alunos. O nível de exigência foi descendo sobretudo porque os alunos têm deficiências de base não só a português como a matemática e a física: "Seria impensável fazer testes com enunciados de há 15 anos. Os resultados seriam desanimadores." João Gouveia Monteiro usa outro exemplo para defender a mesma ideia. "A classificação de 18 valores numa prova de hoje equivale aos 12 valores de há 15 anos", conclui.

Fonte:Jornal I de 15 de Abril de 2010
(Agradeço à Amélia Pais)

2 comentários:

Isabel Preto disse...

Querida Isabel:
como te compreendo! Eu olho para os meus Percursos Alternativos e uma grande parte dos outros e pergunto-me qual vai ser o futuro deles! E ano após ano, assistimos e colaboramos com uma escola que vai passando alunos incapazes e incompetentes, que não adquiriram o mínimo para poderem avançar! Já não se exige que saibam, apenas que sejam esforçados e bem comportados..Às vezes, nem isso...basta-lhes ir às aulas!
Ainda ontem numa dessas reuniões quinzenais, que fazemos sobre os Percursos, onde apenas se ouvem queixas, mas tudo permanece igual e eles vão passar todos, afinal coitadinhos são Percursos...e não têm família que os oriente e...desculpas para tudo...Falava-se em transferir uma tal Márcia para um PCA no próximo ano...e uma colega que a conhece dos pátios, do mau comportamento, por ser ela a responsável pelos processos desses alunos, gritou de dor! Afinal, dizia ela, que estamos a fazer? O que somos? Vamos dar pérolas a porcos? Esses miúdos têm estrutura para enfrentar um CEF?
Pois...nem sei que te diga...fazê-los escrever, ler e gostar de o fazer...é a minha luta diária...felizmente vou conseguindo com alguns, mas com outros...já não sei se vale a pena. Eles até nos atiram à cara que os Percursos passa,m de graça!

Iara De Dupont disse...

Muito interessante seu texto! Se puder me visite, http://sindromemm.blogspot.com