Na semana passada tive reunião de Departamento (que abrange o 2º e o 3º Ciclos). Saí dela a olhar mais uma vez para a evolução da nossa população escolar do 2º Ciclo nos muito poucos últimos anos.
A Srª Ministra ocupa os seus informadores sobre a realidade das escolas na procura de escolas modelo, de experiências modelo, de aplicações modelo de algumas das suas medidas, para mostrar que os não modelos gerais se devem tão somente a que os respectivos professores e gestores são maus. Não que haja algum mal em mostrar modelos, o mal existirá se a Srª Ministra (como parece) não se preocupar em indagar se esses modelos têm os mesmos obstáculos que os mais gerais não modelos. E, pior que não pedir informações sobre a realidade que decorre dos problemas sociais que invadem as escolas e turmas do Básico, é não fazer mesmo ideia nenhuma dessa realidade. Será que tem alguma ideia dela?
A minha escola já beneficiou daquela heterogeneidade, relativa à população escolar, propícia ao "puxar para cima" os alunos de estratos sociais desfavorecidos, mas a construção de escolas numa zona em acelerado crescimento, que abrangia, habitada por classe média e mesmo média-alta, alterou significativamente as características da nossa população escolar. No entanto...
No entanto, sempre tivemos grande número de alunos habitando quer em bairros degradados (daqueles que uma pessoa não deve atrever-se a visitar sozinha), quer em zonas cujas famílias residentes tinham condições económicas difíceis e muito pouca instrução. Dos primeiros sempre nos vieram aqueles casos chamados problemáticos, em que lemos facilmente o que está por trás dos problemas e que sempre nos fizeram juntar ao papel de professor os papeis de mãe ou pai, de psicólogo e de assistente social - o que não somos, mas eles não têm e então fazemos o melhor que sabemos. Mas, dos segundos, vinham-nos os filhos dos tantos pais ou mães que, apesar de não instruídos, apesar das suas condições difíceis, quando vinham à escola a primeira preocupação que tinham era perguntar ao director de turma O meu filho (a minha filha) porta-se bem? E, eram bastantes aqueles cuja vinda à escola não era inútil se convocados por algum motivo de comportamento.
De há poucos anos para cá, os quintos anos que a minha escola recebe (principalmente os quintos, mas não só) estão a tornar o trabalho dos professores muitíssimo desgastante nas aulas, e nem tempo têm decerto para avaliar as consequências desse desgaste pois, em casa, cada vez é mais o trabalho para produzir materiais diversificados e inventar estratégias. Ou é uma turma inteira que calhou assim se formar por falta de informação atempada, ou são, às vezes, apenas dois ou três alunos espalhados por todas as turmas que inviabilizam um normal funcionamento das aulas. Mas...
Mas, a isto junta-se um fenómeno que eu chamo da actualidade: a propagação da (apenas, mas enorme) indisciplina (no estar na aula e no trabalho/estudo) como que por imitação ou contágio - note-se que grande parte desse tipo de indisciplina não se pode atribuir a condições familiares/sociais degradadas que deixam os meninos a crescer sós aprendendo as regras de rua dos seus bairros. E, mais uma vez, ao ouvir os relatos da situação na reunião de Departamento, eu penso: Ou bem que políticos e sociedade acordam, ou há que perguntar quanto tempo terão de resistência muitos (e bons, e dedicados) professores dos primeiros dois ciclos de ensino?
A Srª Ministra faz ideia disto?
P.S.: O assunto é "mais do mesmo" e eu até estou em tempo de semipausa neste cantinho e na blogosfera "docente" em geral. Mas, a leccionar só 3º Ciclo, senti que ao menos devo este post aos meus colegas do 2º Ciclo da minha escola - a todos também que, no 2º e no 1º ciclos, vivem quotidianamente excessivos desgastes em esforços por vezes impossíveis de resultarem, o que a Srª Ministra da Educação despreza, acrescentando mais tarefas, em vez de cuidar.
7 comentários:
Receio que a urgência de resultados ao nível da educação para o trabalho [cf. http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1250514 ] venha a agravar ainda mais os problemas da intensificação do trabalho docente.
Um abraço solidário aos colegas da tua escola, Isabel.
Os putos reflectem na escola tudo o que tem sido dito sobre nós pelos “nossos patrões” e pelos OCS. Acrescentam a isso os comentários que ouvem em casa. E a vox populi diz: o professor é um calão que não merece o respeito de ninguém. Quanto mais novos menos controlam esse “saber” recentemente “legalizado”. Dos 8 processos disciplinares, instaurados no 1 º período, no meu agrupamento, 5 foram no 1º ciclo, e desses, 3 alunos tiveram 10 dias de suspensão.
Há dias um puto do 5º ano dizia a uma colega, que estava a chamar a atenção para o mau comportamento da turma: “ não percebo, a srª não está cá para nos aturar? … não está cá para trabalhar?”…
E os pais? O que dirão???
O engraçado é que a CONFAP é dirigida por professores...
É uma questão de prioridades... eu confesso que não consigo perceber quais são as do ME (para além das mais óbvias)... Havia tanto para fazer em algumas áreas... Curiosamente tem-se primado por investir em causas que levam ao agravamento do que precisava realmente de ser cuidado...
Não sei onde acabará... (No fundo? E isso fica onde?)
Já te respondi lá no meu cantinho. Tudo o que dizes é, tristemente, uma realidade incontornável (já vamos sentindo aqui os efeitos em algumas turmas de 5º que nos chegaram este ano. Para o ano contarei o que me coube estatisticamente em sorte, pois retomarei 5ºs...). O ME não tem a noção do que está a arriscar com esta cegueira, estas imposições sem nexo... não tem. Acho que provavelmente devem acreditar que só alguns é que terão de viver neste triste futuro que se prepara agora (mas, infelizmente, o bomerangue vai regressar e atingir-nos a todos - País). Ainda ontem voltei a ouvir a ideia de que a Finlândia oh a Finlândia... oh o modelo a implementar aqui. Oh tudo tão lindo e tão fácil! Esquecem-se que nós temos uma estrutura social completamente distinta, que lá o prof é respeitado e valorizado, as crianças têm mais de um prof nas aulas, que culturalmente (geograficamente) a propensão para o trabalho é outra. Os povos são diferentes. Não são melhores nem piores. Quero ver que modelos encontram os Senhores lá de cima para decalcar sem qualquer análise das diferenças... o resultado adivinha-se facilmente: quando não resultar a culpa terá sido... dos professores...
Isabel,
Concordo com o que escreveste.
O ideologia dominante no nosso sistema educativo é a da "burocracia centrada no aluno". Os professores pouco contam. Há muito pouca gente preocupada em estudar os professores. Parece que não querem ver que a forma como são tratados, as condições de trabalho que têm, a maneira como as escolas lidam com a indisciplina, têm influencia no desempenho dos docentes e nas aprendizagens dos alunos. Tudo é centrado nos alunos, aos quais quase tudo se desculpa. Para o professor normamente sobram as culpas, os enxovalhos, as faltas de respeito, a violência verbal e psicológica, o "as estratégias não foram adequadas", o "não motiva os alunos", etc etc etc.
Saio todos os dias da escola com um amargo na boca.
é... tudo isto é tão triste... e todos tão cegos...
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