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quinta-feira, dezembro 31, 2009

Receita de Ano Novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, dezembro 27, 2009

Minha prenda de Natal para mim própria

A menos de duas semanas do Natal, descobri na WOOK um livro que procurava há algum tempo: uma colectânia de poesia portuguesa que fosse bastante completa. E eis que vejo esta Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, prefaciada por Vasco Graça Moura.
Ao fim de quatro dias tinha-a em casa, mas guardei-a sem abrir para pôr junto da minha árvore de Natal, pois uma pessoa tem o direito de oferecer também uma prenda a si própria!
São 2095 páginas, mais um índice alfabético de autores e um extenso índice geral por ordem cronológica dos mesmos.

Comecei por procurar Eugénio de Andrade (54 poemas).


No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.

(Ofício da Paciência, 1994)


Também já contei os poemas de Fernando Pessoa e Heterónimos (cerca de 130) e os da Sophia (31).

segunda-feira, outubro 26, 2009

Desejando a todos boa semana...

... hoje deixo apenas um pequeno poema.

Dir-se-ia de repente
O horizonte é mais vasto e generoso

O coração repousa
Um pouco

Distende as asas
Mas sem levantar voo


Alberto de Lacerda (1947- 2007)

(Via Amélia Pais)

terça-feira, outubro 20, 2009

Momento poético e musical

Poema:

Vem devagar sobre a corda da minha espera
ninguém saiu à rua mas há rosas
assim a tarde assim a mudança em disfarce

Demora-se a loucura e a camisa
e o teu corpo moreno espalha-se pelas ruas

Vem devagar
o sol teceu a tarde para o nosso encontro
o sol, caindo, insiste para que nos vejamos


Ossanha

Para acompanhar o poema:




Com o agradecimento à Amélia Pais

terça-feira, outubro 06, 2009

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti


Com o agradecimento à Amélia Pais

sábado, junho 06, 2009

Bom fim de semana! ;)

(Para o fim de semana deixo só um poema)

Brinquedos

Nós, que somos espantosamente grandes,
que já não deslizámos pelo gelo desde as duas guerras,
Ou se o fizemos alguma vez, sem querer
Já nos fracturámos um ano,
Um dos nossos importantes e duros anos
De gesso...
Oh, nós, os espantosamente grandes
Sentimos por vezes
Que nos faltam os brinquedos.

Temos tudo o que necessitamos,
Mas faltam-nos os brinquedos.
Temos saudades do optimismo
Do coração de algodão das bonecas
E da nossa nau
Com três fieiras de velas,
Que tanto sulcava as águas
Como a terra firme.

Gostaríamos de montar um cavalo de madeira
E que o cavalo relinchasse ao mesmo tempo que a madeira
E que nós lhe disséssemos: 'Leva-nos a algum sítio
Não importa qual,
Porque em qualquer sítio da vida
Propomo-nos levar a cabo
Formidáveis façanhas'.

Oh, quanta falta, por vezes, nos fazem os brinquedos!
Mas nem sequer podemos estar tristes
Por essa razão,
E chorar com toda a alma,
Agarrando a perna da cadeira
Porque somos tão adultos
Que não há ninguém mais velho que nós
Para nos acariciar.

Marin Sorescu

(Via Amélia Pais)

domingo, maio 24, 2009

Construir no homem

MON PAYS

Vois-tu
nous avons d'abord bâti dans du sable,
le vent a emporté le sable.
Puis nous avons bâti dans du roc,
la foudre a brisé le roc.
Il faut qu'on pense sérieusement à batir
dans l'homme.

Ahmed Bouanani
Poeta marroquino
1939, Casablanca



O meu país

Vê bem
Construímos primeiramente na areia
o vento levou a areia
Depois construímos na pedra
o raio quebrou a pedra
Temos de pensar seriamente em construir
no homem

Tradução de Amélia Pais
Com o agradecimento à Amélia Pais

sexta-feira, maio 22, 2009

Momentos com a música

LUDWIG VAN BEETHOVEN:
ODE AN DIE FREUDE, DA SINFONIA No. 9

Não sei se isto é um hino e os anjos
precisam deste instrumento
para ampliar o silêncio. O que sei
é que chega de longe esta surpresa
de poder segmentar em força o coração
que em mim pulsa e eu não sei
de onde vem quando na música
pressinto um tema que só aos anjos pode pertencer
pela pujante candura dos acordes
e a humilde magnificência da alegria.

Tudo quanto ignoro é que está bem.


Amadeu Baptista

(Poema via Amélia Pais)

segunda-feira, abril 06, 2009

Neste tempo de desconfiança e decadência

Hoje evoco e deixo três poemas(*)

Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam

________

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça
_______

Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos

Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga


____________________
(*) Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, março 13, 2009

Para uma pausa

(Fujo à palavra fim e escrevo pausa. Vou tentar sacudir o desencanto)

Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en el mar.

Antonio Machado

________
Poema recebido da Amélia Pais

quarta-feira, março 04, 2009

Sentindo o poema

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.



Fernando Pessoa

sábado, fevereiro 14, 2009

Metade

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Quando os poetas me falam

Por vezes estou triste e um poeta fala-me e faz-me ficar mais triste. Então, trago o poema para o meu cantinho para me reconciliar com a tristeza.

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos

David Mourão-Ferreira

domingo, fevereiro 08, 2009

E porque hoje é domingo...

... breves instantes de sonho... de utopia...

Todos os pássaros, todos os pássaros
Asas abriam, erguiam cantos,
De Amor cantavam.
Todos os homens, todos os homens,
De almas abertas, de olhos erguidos,
De Amor cantavam.
De Amor cantavam todos os rios,
Todas as serras, todas as flores,
Todos os bichos, todas as árvores,
Todo os pássaros, todos os pássaros,
Todos os homens, todos os homens.
De Amor cantavam...
Sebastião da Gama

sexta-feira, novembro 21, 2008

Pausa (Estou a precisar de um tempo de silêncio)

EL SILENCIO

Me alejo del ruidoso mundo
refugiándome en el bosque del silencio,
huyéndole a molestos decibeles
que perturban mi agobiado pensamiento.

Descansando en la quieta soledad,
en mis reflexiones inmerso,
nuevas ideas estimulan mi intelecto
cual feliz renacimiento.

Me embarga una intensa calma
que invade mi interno fuero,
refresca su sed mi deshidratada mente
bebiendo del manantial del sosiego.

Embriágame el perfume de las flores
que me llega cabalgando sobre el viento,
oigo el conversar de sus olores,
como dulce susurro de barlovento.

Percibo los nostálgicos recuerdos
que vienen de muy lejos,
lejanía que refleja una distancia,
distancia que se alarga con el tiempo.

Inapreciable compañía es el silencio
con su mudo acento,
cuando se retiran nuestros tímpanos
a un merecido asueto.

Silencio que permite disfrutar
de un sordo momento,
en el que podemos soñar,
ya dormidos, ya despiertos.

En esta dimensión sin ruidos
donde rige el silencio,
descanso mi mente,
descanso mi cuerpo.

Cástulo Gregorisch

quinta-feira, novembro 20, 2008

Encontro sempre em Eugénio de Andrade poemas que me falem, poemas de que preciso...

Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

_________________


Onde me levas, rio que eu cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me levas? Que me custa tanto!

Não quero que conduzas ao silêncio
de uma noite maior e mais completa,
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.

Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos,
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos e com espasmos.

Canção vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca
Há outra face na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca.

...

No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, setembro 05, 2008

Momentos... (E uma adenda)

Talvez O Vento Saiba

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.

As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.

Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
Ivan Junqueira

(Mais um poema que devo à Amélia Pais )


ADENDA
Quando 'só vejo sobre a areia vagos traços', prefiro voltar a pôr o cantinho em pausa até que meus olhos fiquem mais sãos.
Talvez o poema não me tocasse tanto se eu tivesse menos anos, mas talvez também eu não fosse precisando apenas de umas pausas e este cantinho já estivesse demolido se eu não tivesse amigos com bem menos anos do que eu (e a blogosfera é um espaço onde também paira a palavra amigo e nos faz chegar palavras de amigos) que me ajudam a não me enredar e quedar nos sussurros do vento.

quinta-feira, agosto 14, 2008

...

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.


Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, novembro 30, 2005

...

(...)

Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde de novo em Portugal.

(...)

Que o poema diga o que é preciso
Que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso
e que o poema diga: o longe é aqui.


Manuel Alegre, Poemarma (Extracto)