domingo, dezembro 21, 2008

Feliz Natal e feliz 2009 para todos os amigos e colegas!

[Este ano o Pai Natal cá de casa vai ter que mudar um bocadinho o seu trajecto, não vai ser na minha árvore que deixará as prendas devido a problemas de saúde da minha mãe. Mas a situação está a melhorar, está a recompor-se, pelo que bisavó e bisnetos irão ter um Natal feliz (estou certa) e, assim, também nós - eu e família :) ]

(...)
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
(...)


Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.


Carlos Drummond de Andrade






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Então é Natal...



quarta-feira, dezembro 17, 2008

Sinto falta de canções

(...)
Eh! Companheiro resposta
resposta te quero dar
Só tem medo desses muros
quem tem muros no pensar
todos sabemos do pássaro
cá dentro a qu´rer voar
se o pensamento for livre
todos vamos libertar

(...)


sábado, dezembro 13, 2008

A estrada morta (Momentos com os 'meus' escritores)

Assim começa um dos livros de Mia Couto...

A estrada morta
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.
A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir.
Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. (...)
(*)

(Talvez tenha sido só o título que se cruzou com a minha memória de uma estrada que já não percorro mas que olho afigurando-se-me a soterrar. Oxalá seja perturbação da minha visão. Meus pensamentos andam a fugir-me para o lado triste da(s) realidade(s), o melhor é libertá-los para dar espaço ao optimismo, que anda um tanto apertadinho, e a uma visão para além do 'hoje')
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(*) Mia Couto (1992). Terra Sonâmbula. Editorial Caminho

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Canção nostálgica

(Nostalgia?! Talvez porque sinto o tempo parado, um tempo de aguardar a reconstrução da esperança... Ontem foi o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos... a esperança está cansada... Mas o cansaço é só um momento... pronto... já passa)

Adiós, ríos; adiós, fontes;
adiós, regatos pequeños;
adiós, vista d'os meus ollos,
non sei cándo nos veremos.

Miña terra, miña terra,
terra donde m'eu criei,
hortiña que quero tanto,
figueiriñas que prantei.

Prados, ríos, arboredas,
pinares que move o vento,
paxariños piadores,
casiñas d'o meu contento.

Muiño d'os castañares,
noites craras d'o luar,
campaniñas timbradoiras
d'a igrexiña d'o lugar.

Amoriñas d'as silveiras
que eu lle daba ô meu amor,
camiñiños antr'o millo,
¡adiós para sempr'adiós!

¡Adiós, gloria! ¡Adiós, contento!
¡Deixo a casa onde nascín,
deixo a aldea que conoço,
por un mundo que non vin!

Deixo amigos por extraños,
deixo a veiga pol-o mar;
deixo, en fin, canto ben quero...
¡quén puidera non deixar!

Adiós, adiós, que me vou,
herbiñas d'o camposanto,
donde meu pai se enterrou,
herbiñas que biquei tanto,
terriña que nos criou.

Xa s'oyen lonxe, moi lonxe,
as campanas d'o pomar;
para min, ¡ai!, coitadiño,
nunca máis han de tocar.

Xa s'oyen lonxe, máis lonxe...
Cada balad'é un delor;
voume soyo, sin arrimo...
miña terra, ¡adiós!, ¡adiós!

¡Adiós tamén, queridiña...
Adiós por sempre quizáis!...
Dígoche este adiós chorando
desd'a veiriña d'o mar.

Non m'olvides, queridiña,
si morro de soidás...
tantas légoas mar adentro...
¡Miña casiña!, ¡mue lar!

Rosalía de Castro (Cantares Galegos)





quarta-feira, dezembro 10, 2008

Uma Declaração Universal por cumprir

Nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não é possível lembrá-la sem olhar imagens do seu incumprimento e recordar tantas outras que o vídeo não mostra. Resta-nos a canção?

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Sobre convicções

«(...)
Convicções são entidades mais perigosas que os demônios. E o problema é que não há exorcismo capaz de expulsá-las da cabeça onde se alojaram, pela simples razão de que elas se apresentam como dádivas dos deuses. Os recém-convertidos estão sempre convictos de que, finalmente, contemplaram a verdade. Daí a transformação por que passam: seus ouvidos, órgãos de audição, se atrofiam, enquanto as bocas, órgãos da fala, se agigantam. Quem está convicto da verdade não precisa escutar. Por que escutar? Somente prestam atenção nas opiniões dos outros, diferentes da própria, aqueles que não estão convictos de ser possuidores da verdade. Quem não está convicto está pronto a escutar - é um permanente aprendiz.
(...)
Dizia Nietzsche que "as convicções são piores inimigos da verdade que as mentiras". Estranho isso? Não. Absolutamente certo. Porque quem mente sabe que está mentindo, sabe que aquilo que está dizendo é um engano. Mas quem está convicto não se dá conta da própria bobeira. O convicto sempre pensa que sua bobeira é sabedoria.
As inquisições se fazem com pessoas convictas. (...)
Mas os demônios das convicções têm atributos dos deuses: são omnipresentes. Escorregam da religião. Emigram para a política. (...)
Nenhuma instituição está livre dos demônios das convicções. Nem mesmo a ciência.
(...)»
Rubem Alves
(In: O que é científico? Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2007, pp 45-47)