sábado, dezembro 31, 2005

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Adenda

O tema abaixo ocorreu-me ao saber ontem das intenções da Ministra da Educação de obrigar as escolas a elaborarem um plano anual de actividades para as TIC. Deixei um comentário no post do Miguel Pinto sobre o assunto. Mais papelada???!!!

A propósito das TIC

Embora seja difícil disponibilizar salas na minha escola, esta tem duas equipadas com computadores. A segunda deveu-se ao investimento do ME por causa da nova disciplina no 9º ano (e 10º), mas a primeira existe há bastante tempo, desde que obtivemos 8 computadores novinhos, mediante candidatura sob projecto. (Ao falar aqui de computadores na escola, refiro-me a computadores para trabalho com os alunos). Desde então, aliás, o 6º ano tem uma disciplina de iniciação, integrada no currículo obrigatório, graças ao tempo que a escola dispõe para ofertas curriculares, funcionando em desdobramento (metade da turma em cada meio tempo de um bloco).
Era ainda o tempo em que boa parte dos professores não estava sensibilizada para a introdução do computador na sala de aula - ou seja, para deslocar turmas para a sala de informática, que para termos as salas de aula equipadas com computadores ainda devemos ter que esperar pelo menos um decénio (só??). Excepto os mais jovens professores, a grande maioria sentia-se ultrapassada por novas tecnologias que não sabia utilizar. Fazendo eu parte daqueles que não se deixaram ultrapassar, foi-me então fácil, nos pedidos de horário, conseguir que qualquer das minhas turmas tivesse garantido um tempo de Matemática com a sala dos computadores disponível para requisição quando necessitasse.
Além de outros objectivos nas actividades no computador, tornou-se meu hábito incluir de vez em quando apenas a intenção de dar um certo carácter lúdico a exercícios de Matemática que podiam ser realizados em fichas na sala de aula, mas que recursos disponíveis gratuitamente na internet me permitiam construir como mais desafiantes, pela interactividade e indicação automática de pontuações, além de que os alunos diziam que o simples facto de estarem no computador já lhes dava uma sensação lúdica.
Neste ano que decorre, subitamente eliminei das minhas perspectivas de planificação de aulas esse tipo de exercícios no computador, pois sente-se a actual geração de alunos de tal maneira a querer só o divertido ou atraente, sem hábitos de trabalho e esforço, sendo os jogos no computador uma das aliciantes que lhes tira tempos e aptência para estudo, que, embora as actividades que referi (não outras necessárias, inclusive requerendo pesquisa, etc., claro) não fossem propriamente jogos, tinham para os alunos um pouco esse carácter e... pronto, eliminei-as, com este pensamento de que jogo no computador já a maioria tem demais. Deverá parecer uma barbaridade eliminar algo que torne aulas mais alegres/divertidas para os alunos - falo de alunos já de 8º e 9º ano e até gostaria que, se acaso me lerem, comentassem - mas a verdade é que, de repente, deitei fora as referidas actividades no pc. (Aquelas só, não outras que, aliás, não são menos motivadoras ou atractivas pois a ideia de irem trabalhar no computador logo lhes provoca contentamento)

quinta-feira, dezembro 29, 2005

A doença do meu pc

O meu pc esteve em longa crise de loucura. Nem eu, em longas horas de diversos expedientes, incluindo 1000 formatações do disco (tirem-se 2 zeros e já não ficará muito exagerado), nem técnicos conseguiram trazê-lo à razão - ou melhor, trazer, trazíamos, mas era só deixá-lo a dormir que voltava a acordar com birras. Hoje levei-o ao Júlio de Matos, fizeram-lhe uma lavagem à bios (desconfio que com sabão macaco, à boa maneira antiga) e devolveram-mo bem condicionado a, finalmente, bom comportamento.
(Estes pcs andam a ficar demasiado autónomos!)

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Feliz Natal!

Ainda sem pc!!! (e não cheguei a dar-lhe com o martelo, juro). Numa ligação rápida de casa da filha, nem dá para pôr aqui neste cantinho uma árvore de Natal!

Festas Felizes
para os bloguistas e visitantes!

P.S. Ah, ia esquecendo: Procurem um supermercado da nova rede de Supermercados Milu, que tem lá um frigorífico especial com perus congelados, marca Valter, com grande anúncio a dizer Encomende aqui o seu peru Valter, já assado para a ceia de Natal!

;)

quinta-feira, dezembro 15, 2005

...

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade, excerto de A Flor e a Náusea

Há flores...

James Haillar, Going To School

As férias deste blogue

A dona do blogue precisa de esvaziar a mente. Já fez as avaliações com os seus alunos, pelo que vai alhear-se o mais possível da "mais burocracia" das reuniões da próxima semana. Vai também fazer férias de escrever ou pensar Escola, Sistema Educativo, Educação-Ensino para o Século XXI, O que Estão a Fazer aos Alunos, aos Professores, à Escola deste País e outros temas afins.
Não significa isto que o blogue encerre para férias, ele também é um cantinho para me trazer ao pensamento que há flores, que continuam a existir homens que sonham e bolas coloridas nas mãos das crianças, "num perpétuo movimento"...

terça-feira, dezembro 13, 2005

Poesia...

O aluno da frente pergunta-me:
- Poesia tem que ter rima, professor?
Responder o quê, meu Deus?
O Modernismo aboliu a rima.
(Mas será o meu aluno um modernista?)
Eu falei pra ele do Drummond,
do Bandeira, dos concretos, da Cecília.
Mostrei também os românticos e os árcades.
Até dos simbolistas eu dei aula.
Poesia deve ter sentimento, meu filho!
- Sabe o que é, professor,
é que eu andei pensando
numa poesia para a nossa escola.
Estudei versos parnasianos,
tentei a rima e versos decassílabos alexandrinos.
Pobres rimas me vieram:
amor com dor, dor com professor.
Se a rima é fraca, desisto dela.
Vou fazer uma poesia pra lá de moderna,
onde haja escola rimando com cidadania,
professor rimando com respeito,
aluno rimando com feliz.
Que me perdoem os poetas de plantão,
os senhores da métrica e os doutores do verso.
Patryck Araújo Carvalho (professor)

...

Dos tubatões fugi eu
Os tigres matei-os eu
Devorado fui eu
Pelos percevejos.
Bertolt Brecht

Ciências e "Ciências"

Afinal, será importante discutir a legitimidade (científica) da designação Ciências da Educação?
A ciência firma-se pela investigação, e sempre houve investigação científica e pseudo-investigação científica, o que, em si, nem me parece relevante, pois a primeira rapidamente desacredita a segunda. O que importa (ou devia importar sempre e a todos) é que da investigação científica resultam implicações/aplicações, nomeadamente para a educação/ensino.
Entretanto, o que já me parece ser um problema (de dois, o segundo refiro depois) é o da divulgação, pois bem sabemos que muitos investigadores em qualquer área descuram essa divulgação para fora do seu círculo, correndo-se então o risco de serem divulgados para fora do "círculo" mais resultados de pseudo-investigações (ou simplesmente teorias ligeiras ou mal percebidas) do que contributos de trabalhos efectivamente científicos.
Acrescente-se agora, como alguém disse (quem, não me lembro, porque há frases que depois de ditas se tornam, pela evidência do que expressam, frases de muitos), que a ideologia de uma sociedade condiciona o tipo de ciência que nela se desenvolve - e aí temos o segundo problema. (Condiciona, note-se, e pessoalmente nem penso que condicione generalizadamente)
Juntem-se os dois problemas e... (???)
(Ia completar: não será que podem dar muito jeito a alguns governantes? Mas seria uma suspeita fácil, nada científica...)

segunda-feira, dezembro 12, 2005

...

Adenda: Sugestão de leitura - Lá como cá

Where are we going ?

Wojtek Kozak's

Antidesencantos II

"Guardo Antidesencantos II para depois dos testes das minhas outras duas turmas. Essas são turmas mais complicadas..." - escrevi, em tempo de desencanto, desviando o olhar para o refugiar na sala de aula.
Mas, os antídotos que aí vamos buscando são pequenos contentamentos. São algumas reacções ao mesmo tempo ainda incrédulas mas também exuberantes quando testes comprovam o ultrapassar de um mau começo; São os conflitos resolvidos, conflitos (devidos a comportamentos que trazem adolescentes já com mais dois anitos que os colegas) até ao dia certo para dizer, a sós, "vai começar hoje o teu ano em Matemática?" e ouvir um "vai" de polegar levantado (e foi); São as novas intenções que, bem dispostos com as férias e conscientes de que agora já é 9º ano, manifestaram alguns nos primeiros dias e que, se acaso não eram para durar, nós é que não as largámos mais, eu e também os novos colegas de grupo - coloque-se nas mãos da turma, já experiente e entendida no que funciona e no que não funciona, a reorganização de grupos apropriada a segurar boas intenções e, nisso, quase sempre posso ficar descansada - e acontece o primeiro teste positivo em Matemática ao fim de um ano, seguido do agora ainda mais positivo que, por exemplo, o H. vai receber.
São antidesencantos puxados a ferros, mas quando eles decidem que é altura do parto, não há cá ferros nenhuns, que isso já não se usa, e eles saem sozinhos e às vezes até começam logo a andar. O problema é que, nestas turmas a que chamei mais complicadas, há os contentamentos (estes e outros que não contei), mas há também as frequentes atracções gerais (das turmas mais complicadas e das outras) para o excesso de lazer, o não esforço, a resistência a hábitos de trabalho, mais o estranho fenómeno da relação com a língua portuguesa como se uma atenção selectiva ocultasse metade de instruções ou parte dos dados de um problema escritos em mero português corrente, fenómeno que nem em teste se atenua, apesar de o fazerem aparentemente concentradíssimos e até pedindo sempre mais tempo.
E lá se volta o olhar do professor para tudo o que o cerca e os cerca, e lá vem a interrogação Que se passa com a maioria dos putos de agora? São adolescentes, pois são, mas com a adolescência sempre lidámos, ela desde sempre foi adolescência... eu cá acho que imaturidades, depressões e crises de crescimento tomou a sociedade para si, só é pena que não tome também a contestação e a rebeldia dos adolescentes.

E, na verdade, se conseguimos alguns (bastantes) antidesencantos na sala de aula, não quer dizer que sejam sinónimos de encantamentos. Olho o lema deste blogue, aí em cima, que lá está escrito porque toda a vida tantas vezes vi que, com um ambiente propício e a confiança posta neles, os putos ficavam com o dobro do tamanho que pareciam ter (e que lhes atribuíam erradamente) - recordações não só antigas de professora não apenas de Matemática, de professora simplesmente, de directora de turma, de promotora ou participante de experiências e iniciativas, mas memórias também pouco antigas, do decurso dos anos 90. E, de repente, em escassos anos, já não basta encontrarem professores a acreditarem e a apostarem neles - parece que tentar criar o ambiente propício se tornou, muito mais que nunca, um remar contra uma maré, de origem difusa, mas forte, que entra pela escola mas vem de fora.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Breve refúgio

Adenda 2:
A não perder: aqui

Adenda:
Bom feriado, bom fim de semana!

Vincent van Gogh (1887), Fishing in Spring, Pont de Clichy

Eu pecador que junto ao mar me purifico
lançando e recolhendo a linha e olhando alerta
o infinito e o finito e tantas vezes fico
como o último homem na praia deserta.

Eu pescador de cana e de caneta
que busco o peixe o verso o número revelador
e tantas vezes sou o último no planeta
de pé a perguntar. Eu pescador.

Eu pecador que nunca me confesso
senão pescando o que se vê e não se vê
e mais que o peixe quero aquele verso
que me responda ao quando ao quem ao quê.

Manuel Alegre, excerto de Oitavo Poema do Pescador

domingo, dezembro 04, 2005

Que espaços para diálogo com o adolescente?

Pretende-se que cada vez mais os alunos passam mais tempo na escola, porque cada vez menos muitos pais têm tempo para eles.
E na escola? Horários dos alunos sobrecarregados, incompatibilidade (não coincidência) entre os nossos tempos livres e os deles, rodeados de professores que pensam neles, se preocupam com eles, mas a quem pouco mais resta que conversar na aula com toda a turma e conversar individualmente em situações que justificam roubar-lhes recreio ou até mandá-los chamar a uma aula. Mas o espaço para conversar socegadamente em privado, sem o aluno estar com a cabeça no recreio a que tem direito e de que precisa? O espaço para conversar ou ouvir, não porque o aluno se portou mal, mas porque está desistente nesta ou naquela disciplina em que o insucesso lhe instalou a falta de auto-confiança, ou (e sobretudo) porque espera que alguém repare que precisa de conversar, não sobre determinada disciplina, mas do que o anda a afastar do trabalho escolar?
Certo que o director de turma assume o papel de pai ou mãe da turma, mas não me refiro à turma, refiro-me a cada um, que não é igual a nenhum outro.
O projecto a decorrer na minha escola este ano, não original pois muitas escolas têm o gabinete de atendimento ao aluno (com diversas designações), no entanto com objectivos mais largos (acredito eu e, pelo menos para mim, assim é) do que dialogar de imediato com (e apenas com) alunos mandados sair da sala de aula, tem-me feito pensar mais nesta questão dos espaços/tempos para o conversar individual e diferenciado.
Este gabinete não decorreu do alargamento da componente não lectiva na escola, ele foi pensado (na sequência de outras iniciativas já havidas como a tutoria) antes dessa medida, por professores interessados e vocacionados para tal projecto. Não é um gabinete para o sermão, é um gabinete para o diálogo, o que é bem diferente. E nada impede que seja aproveitado como espaço para conversar com um nosso próprio aluno sem que tenha tido qualquer "mau comportamento".
Tive a feliz coincidência de duas das minhas três turmas (e logo aquelas em que mais alunos tenho para quem um diálogo privado e com tempo pode eliminar equívocos e/ou criar alianças) estarem já livres nalgum dos tempos que tenho no gabinete ao fim da tarde. Gosto da tarefa de atender alunos punidos, até porque me dá alguma segurança uma formação que tive oportunidade de ter, não apenas teórica (o que por si só seria inútil), mas prática, em técnicas de entrevista vulgarmente designada por não directiva, centrada no aluno - técnicas que conduzem a uma entrevista mais em profundidade. Mas, o que tenho gostado mais nesta tarefa, é da oportunidade de espaço/tempo para diálogo com alguns dos meus próprios alunos, combinados sem serem motivados por problemas do tal mau comportamento.

E, subitamente, agudizou-se-me a consciência, o reparo, desta incongruência que referi acima: rodeados de professores que pensam neles e se preocupam com eles, que pensam não só numa turma, mas em cada um, e no entanto por vezes sozinhos - como acontece às vezes connosco, adultos, que rodeados de gente, sentimos solidão.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Alguns antidesencantos I

Acabei de corrigir os testes de um dos meus nonos anos.

A D. é minha aluna desde o 7º ano. Com um desempenho positivo, mas, na maior parte das vezes, pelo mediano, aquém das suas capacidades como sempre lhe disse - fases longas de tendência para a conversa e a "preguicite".
Numa aula recente, com a turma ainda com dificuldades para "entrar" na resolução de problemas não rotineiros aplicando os conteúdos trabalhados, a D. disse-me: Eu para a Matemática dou pouco. Sem reproduzir o diálogo que se seguiu, sintetizo-o na sua tónica: Sempre te disse o contrário e escusas de teimar porque disso quem sabe sou eu. (Não manifestou se me deu razão ou não, mas vi-lhe o olhar contente)
A D. resolveu no teste os dois "problemas difíceis" e teve um dos quatro melhores testes da turma, atingindo 83%, resultado de que há bastante tempo nem se aproximava.

A A. também é minha aluna desde o 7º ano, cujo início a fez passar por um choque pois esteve muito longe do nível 5 a que vinha habituada - o que não lhe aconteceu só em Matemática. Muito responsável e briosa e sendo a Matemática a sua disciplina preferida, os pais tiveram que pedir para me falar para me porem a par de que a A. andava extremamente preocupada e nervosa com a Matemática - uma iniciativa muito importante, dado que na aula a atitude reservada não me fazia suspeitar de tal estado da menina em casa. Tive logo longa conversa com ela, elucidando-a e tranquilizando-a de facto (pedira aos pais que me mantivessem informada do evoluir da situação, pelo que a tranquilização foi confirmada).
A A. é a aluna mais novinha da turma - daqueles alunos que, iniciando o 1º ano ainda com 5 anos, por vezes vêm a ter algumas dificuldades e a necessitar de maior esforço na fase temporária do 3º Ciclo, especialmente em Matemática. Sempre com a "matéria" bem estudada, foi progredindo relativamente a dificuldades na sua aplicação na resolução de problemas. Mas o salto que deu tem ficado aquém do que quer dar.
Este ano, numa dessas aulas que referi em que a turma estava ainda com dificuldade em "entrar" em certos problemas, a A. (não pela 1ª vez) chegou um tanto desolada por não ter conseguido resolver o problema do TPC. No final, já a turma levantada para sair, disse-lhe de chofre: _A., tenho uma coisa para te "ensinar" e chegou a altura. Diz-me agora só: naqueles problemas, a tua cabeça está muito preocupada com a ideia de que não consegues resolvê-los, ou não? _ Aceno afirmativo. _ Pois é essa a causa, mas agora vai para o recreio, iremos falar e resolver isso. No dia seguinte, ao entrar no pátio da Escola, a A. viu-me e veio logo ter comigo para me dizer, sem qualquer introdução à conversa: _ A minha mãe disse que acha o mesmo que a stôra.
Pronto, estava dado o primeiro passo, pois ela não teria ido contar à mãe, ou, pelo menos, não me abordaria logo assim se não tivesse já começado a "ver" ela mesma o que queríamos dizer. Referi-lhe o assunto mais uma ou duas vezes, mas na intenção de aguardar pelo teste para, em cima de um problema em que estivesse com dificuldade, lhe pedir para rever e me descrever como estava a pensar e tudo o que estava a pensar durante essa tentativa - o que Flavell designou por experiência metacognitiva, imediatamente a seguir a uma tarefa cognitiva. Mas... não foi preciso! A A. também resolveu os dois "problemas difíceis" e teve o segundo melhor teste da turma, ultrapassando as duas alunas que habitualmente têm melhor desempenho.

Estes são exemplos de alguns dos antidesencantos que vamos tendo. Guardo Antidesencantos II para depois dos testes das minhas outras duas turmas. Essas são turmas mais complicadas, onde, para bastantes alunos, não se trata de ir mais além de um positivo desempenho que já consigam, mas sim de mostrarem (a mim, mas sobretudo a eles mesmos) o que afinal começaram a conseguir quando já não acreditavam conseguir um pouco sequer e o desinteresse vinha instalado. E estou esperançada de que já vou ter nestas turmas mais alguns "antidesencantos".

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Tempo de desencanto II

Sergei Samsonov
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Vivi o tempo em que acontecimentos e mudanças começaram a suceder-se muito depressa. Vivi num só tempo de vida várias grandes mudanças, inclusive pessoais - nos hábitos e ritmos, nos modos de convívio e comunicação, nos meus instrumentos de trabalho e em muito mais. Vivi, num só tempo de vida, vertiginosos avanços tecnológicos. Vivi, num só tempo de vida, diferentes Tempos. Vivi muito, pois nunca fiquei parada em nenhum desses tempos.

O terrível paradoxo é o de tudo ter mudado no mundo e o mundo nada ter mudado. Não é preciso mostrar estas estatísticas aqui, pois todos as conhecem.

Alguém que já viveu também tantos Tempos num só tempo de vida - Amélia Pais - deixou no meu post anterior um comentário lindo, como lindo igualmente o que escreveu no seu blog: "Volte sempre -por aqui navega-se entre flores." Refiro-o porque revela esse olhar positivo semelhante ao que sempre teimei, e teimei, e teimei manter. Mas a realidade no presente é mesmo essa que afirmei acima: o mundo nada mudou, as estatísticas nada mudaram - as estatísticas da pobreza e do sofrimento e também as da riqueza que violentamente afrontam tão enorme parte da humanidade. E há estatísticas por fazer, uma delas, a dos jovens delinquentes por raiva e desespero.
Eu sei que tanto tempo numa vida é um nada, eu sei que o progresso é processo historicamente lento, eu sei que a transformação pode requerer um caminho primeiro, até ao bater no fundo. Por isso, pude teimar e teimar num pensamento positivo, por isso o manterei sempre ao pensar o mundo humano. Mas, porque é um pensamento para além do meu tempo, e eu vivo o dia a dia do meu tempo, nem sempre o dia a dia consegue fugir ao desencanto.

Também porque é um pensamento sobre o mundo, e eu vivo num pequeno país em que não deixam de ser pequenas aquelas diferenças estatísticas, face à enormidade das mundiais.
Eu vivo num pequeno país em que um dia agarrei a mãozinha de cada uma das minhas filhas com a indizível emoção que gritava dentro de mim: elas vão crescer num país livre! Mas o país não se manteve à altura dos homens e mulheres de então - dos que saíram das prisões, dos que já nelas tinham morrido, dos que puderam regressar para fazer um país novo. E, ainda que alguns dos que tinham lutado contra um poder tenham depois afrouxado perante poderes exteriores, ainda que o pequeno país não tivesse condições para não estar hoje na cauda da Europa em desenvolvimento económico, teve as condições para não ser um medíocre país no desenvolvimento cultural. Cultura que significa consciência, inclusive política, cultura que significa visão e humanismo, cultura que significa lucidez e capacidade de dizer não, cultura que significa também património dos valores daqueles homens e mulheres - patrinómio que os filhos não parecem ter tomado dos pais.
Eu vivo num país em que não são diferentes cores partidárias que o tornam medíocre, são sim algumas escolhas individuais medíocres que se propõem para mexerem os cordéis do poder político, escolhas que por sua vez vão fazendo algumas outras escolhas mais medíocres ainda para completar as governações. País em que igualmente escolhas dos que mexem os cordéis do portentoso poder da comunicação social são medíocres ou subjugadas, ou simplesmente demissionárias do papel que poderiam ter na consciência e na cultura de um povo, do papel que poderiam ter também na educação, ao invés de alienação dos nossos jovens. Eu vivo hoje num país que se deixou tornar medíocre, apesar de possuir muitos homens e mulheres lúcidos e sabedores, mas deixados na prateleira ou sem voz pública.

É também tempo de Natal. E, se na intimidade da família e na alegria das minhas crianças ele é bom, não deixa de ser o momento do ano em que o exterior me parece mais alienado, o que deve estar a concorrer um pouquito para esta minha "crise" de desencanto.