domingo, janeiro 22, 2012

Considerações sobre dois pensamentos sábios

O maior bem que podemos fazer aos outros não é oferecer-lhes a nossa riqueza, mas levá-los a descobrir a deles. Louis Lavelle

Nós não temos todos o mesmo talento, mas todos nós deveríamos ter a mesma oportunidade de desenvolver os nossos talentos. John F. Kennedy

Estes pensamentos até poderiam ser interpretados erradamente em tempos passados, quando a escolaridade não era obrigatória, estudar era para as "elites". A frase que ouvi algumas vezes de um pai ou uma mãe - "o meu filho não tem jeito para os estudos" - poderia significar que o "talento" do aluno não dava para mais do que vir a ser qualquer coisa como ajudante de pedreiro (sem desprimor da minha parte para os ajudantes de pedreiro).

Não! O que me leva a considerar aqueles pensamentos situa-se no âmbito das estratégias para o sucesso escolar de todos através da motivação e da elevação da autoconfiança dos alunos que revelam (aparentes) dificuldades de aprendizagem ou até dificuldade de integração na Escola. Eu explico:

1º - Todas as crianças revelam algum talento ou aptidão, mesmo que não seja no âmbito curricular. A descoberta por um professor dessa aptidão pode ser muito importante, não numa perspetiva que não faz sentido para mim de um ensino diferenciado assente em aptidões precoces, mas sim como indicador de uma primeira estratégia de motivação e ganho de autoconfiança. A proposta à criança de uma tarefa baseada na aptidão descoberta, por parte de um professor, ou de um diretor de turma numa atividade extra-curricular, permitirá valorizar o sucesso dessa criança na tarefa, o que a fará feliz e logo elevará as suas auto-imagem e auto-estima no seio da turma. Tenho escrito várias vezes que até os comportamentos agressivos e desestabilizadores de alguns alunos não são mais do que modos pouco conscientes de afirmação de quem, no fundo, não vê em si mesmo outro modo de afirmação - outra capacidade que seja positiva.

2º - Também evoquei várias vezes resultados de investigações, por exemplo no âmbito da psicologia da aprendizagem, que fundamentam a minha crença de que toda a criança (não portadora de deficiência profunda) tem capacidade para aprender, significando as dificuldades que muitas revelam que simplesmente ainda não descobriram (ou consciencializaram) como direcionar a sua mente nas situações de aprendizagem/estudo - como "meterem a cabeça" no problema a resolver ou no texto a interpretar, em vez de estarem preocupados a encontrar na memória algo que estudaram e encaixe na tarefa, sem de facto usarem o raciocínio. E isto agora já tem a ver com a "riqueza" ou o "talento" pessoal mais geral, que é a capacidade de raciocinar, a capacidade de monitorar a mente em contexto escolar, ainda escondida - ainda não descoberta ou aprendida. 
Isto levar-me-ia à minha defesa de que os professores aprendam "técnicas", digamos antes 'estratégias' de colocação dos alunos em situação de experiência metacognitiva  durante ou imediatamente a seguir a uma tarefa cognitiva. Mas não vou dissertar sobre esse tema, tenho neste bloguezito vários escritos sobre ele com a etiqueta "metacognição".

domingo, janeiro 15, 2012

E porque hoje é domingo...

... um belo poema (com o agradecimento à Amélia Pais)

Nesta terra as mulheres crescem à sombra,
como os cogumelos, o musgo ou a razão,
em ponto de cruz a saudade vai sendo domesticada,
o mais honesto e obediente animal puxado por uma trela dourada
feita de medo e outras coisas que ligam
o seu viso tem a expressão de todos
e é nestas caras quentinhas que descem ainda as lágrimas de Eros
mudando por dentro o nome do continente, outra cara, possível Começo
sem nome, sem coisa nenhuma, é às vezes o sal
que cai destas caras que tempera o prato, porque todo o sal não chega
para compensar o amargo que veio morar para a boca
cansada de saber que a linguagem não chega
porque eles fugiram, cada um em seu barco:
os filhos
Nesta terra as mulheres crescem à sombra
E têm sombra nos olhos, que o eco veio pintar
a lápis de cor por cima da paisagem humana
que se aloja debaixo de tudo o que a alma espelha,
veias, artérias, vasos, curvas fininhas que o tempo vai moldando
A anatomia rasgando o cosmos à escala humana, soprando-o para longe
Transbordo que a sede cria,
E enquanto as filhas vão ao poço, sol, risos, perfeita anatomia
As sombras crescem. Pequeninas rendinhas em baús
Terços, santinhos, livros de areia, um dente de leite
o fio de ouro a que está ligado,
e são de sombra os seus gestos porque quando se movem
são os braços de outros que ganham vida e retiram à paisagem
a natureza para pôr nela a arte, a civilização, a linguagem e a vitória
a mais alemã invenção,
e o seu sorriso é uma espécie de Deus
e quanto mais se enrola na paisagem mais deus é
Até parece que a razão dorme dentro delas,
e a razão dorme dentro delas – o capitão do navio dá-lhes duas opções
Ou embarcam no barco do amor ou embarcam no barco do amor
Mas vão ter ainda de o Criar para o atravessar, e partir as árvores, da madeira fazer o barco
e calafetá-lo e dar-lhe um nome, e baptizá-lo, porque tudo aquilo em que se toca também se é
A sede vai-lhes toda para os olhos,
Urgente era que as sombras saíssem, como o fumo adocicado dos pulmões
Para dentro doutros pulmões.
Estas mulheres seriam modelos se as estátuas de sono não dormissem dentro delas
Se não fossem só alma,
O planeta chama-as do centro, as rugas vão rasgando a sua pele
Mas elas riem pouco,
E há poucos jovens
Estão todos no meio da Europa, Lisboa, Porto
Em Lisboa está a arte e no Porto está a arte
E no Couço está a arte e em todo o lado está a arte
Se não fossem só alma teriam visto mais vezes o mar
Não são filhas da revolução nem são filhas de ninguém
os seus filhos estão todos na taberna e são mais velhos que elas
À noite estas sombras limpam com um guardanapo o beiço dos velhos
Porque desce-lhes azeite pelos queixos, e esses guardanapos podiam ser a página 100
de uma História Contemporânea, edição de luxo, a meio da investigação os eruditos
folheavam o guardanapo em Lisboa onde está a arte ou no Porto onde está a arte.
Exportámos marmelada para a Austrália ou para os armazéns de retalho da capital
que importa se toda a geografia é interior? – Enquanto dormem até de deus são mães
E entre as suas pernas as almofadas (penas de pato, segredos ou outros novelos).
As suas casas são feitas de queda, de verticais os muros ganham contornos,
a mais cara renda que são os dias a vir
formas breves, novas formas, dias que incham
parecem areia soprada pelo fogo
com que se faz o vidro e se embacia o espelho
um dia também ele será inventado pelas mãos quentes de um artesão etrusco
antes mesmo de haver as moedas para o comprar
e que levarão os nossos filhos para longe,
Para o Canadá, Luxemburgo, Cantões,
nos navios, nas bagagens, nos aviões, todos com o seu preço
calafetado por dentro e por fora, impregnado na paisagem,
claves de sol pontilham a paisagem, por cima do trigo, a picotado
As sombras destas mulheres são às vezes música, entra nos búzios
Não só por nos lembrarem que elas provêm do sol,
como tudo o que parte, mas por nos erguerem como o caule de um girassol
a sua voz é a sua seiva, está dentro da nossa espinha, é o nosso equilíbrio
uma balança onde se pesam as palavras que ficaram por dizer
Futura-te
Também a rede quer dormir mas não é da natureza das redes dormirem
e a rede pede que lhe cortem as pontas, que tragam uma tesoura
E alguém corta as pontas, mas as pontas crescem com mais força, como uma estrela
-do-mar, a tesoura é também informação e acrescenta-se à rede, tudo é soma nesta nova anatomia
Coisas que entram
Abre as portas, vem muita gente atrás e todos querem entrar em ti,
Entrar é ser gente, crescer é ser rede,
homens e redes nunca dormem verdadeiramente,
Em Manchester as fábricas enchem-se de música e no Couço
cresce o trigo dos latifúndios e todos estes homens precisam
de equadores ao mesmo tempo que precisam de pólos
E todas estas mulheres precisam um pouco mais de calor
Não só para deixarem de ser sombras
mas para saberem que de se descarrilarem se fazem novos caminhos
Nas carruagens vai este gado
Já não de ferro nem de vento são os caminhos em que é feita a viagem
Sem pontes de aço, betão ou de cimento, só ultrapassagem
No Portugal dos pequeninos os filhos que se vão perder em todos os continentes
das suas perdas novos filhos nascerão: Filhos da revolução. Qual?
Na natureza nada se apaga
Na natureza não existe amanhã
Mas o homem põe a manta da civilização por cima da natureza
e por baixo da manta fica o escuro e alguns animais sem expressão
às vezes fica também o riso,
a razão fica a sobrevoar a manta
e ficam mulheres debaixo da manta
danças primitivas, ecos, sonhos,
capitães de mar nenhum ficam também
debaixo da manta a razão de ser da literatura,
definir poesia é dar as mãos
Só a gente e paisagem não desce para baixo da manta da razão
E as mãos aquecem agora mais

Nuno Brito
(Nuno Brito nasceu no Porto em 1981)

sábado, janeiro 07, 2012

Uma tarde com a pintura de Mestres

Foi ontem, na exposição de Natureza Morta da Gulbenkian.
É  uma grande emoção estar em frente de originais  de tantos dos meus mais queridos pintores.

Uma amostra...

Critérios...

Estado poupou 2.3 milhões em refeições escolares...
Gostaríamos de saber quanto poupou nos lautos banquetes que ofereceu...

domingo, janeiro 01, 2012

"Tão bom..."

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mario Quintana

Com o agradecimento à Amélia Pais