sábado, julho 30, 2005

Mais ambientes de férias


P.S. E agora este cantinho fica quieto porque voo mesmo... para férias.
No céu enfeitado,
papagaio de papel:
também vou no vôo.

Anibal Beça (Brasil)


Heinz Kirchner


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Pela Páscoa, não saí da cidade mas pairou-me uma imagem mental de férias, imagem que, por mera coincidência, se reforçou ao ver por acaso um programa de José Hermano Saraiva sobre uma terra de Portugal (não devia ter esquecido o nome). Imagem não de algum ambiente com que a natureza nos repousa e contenta os olhos, que para isso não preciso caminhar muito, basta uma tarde de passeio à serra de Sintra. Mas de ambiente humano NATURAL, as gentes saindo à praça nos fins das tardes ou nas noites serenas para cavaquear no convívio em que todos se conhecem, as crianças brincando na rua sem os sustos dos pais - cuidado com os carros! não te juntes a desconhecidos! não me largues a mão! -, de vez em quando a banda local a tocar sem estridência no coreto, e por vezes os bailaricos a acontecerem espontâneos...
Mas, se com a lupa no mapa encontrar tais lugares, os veraneantes os mudarão durante Agosto, pelo que, não projectando sair fronteiras nestas férias, o mais certo é restar-me ser turista no meu país, o que me soa estranhamente a algum antagonismo.

Mário Eloy Pereira (1936)

Ou não fosse este um blog de memórias, claro que a essa imagem mental de férias não é alheia a memória de quotidianos longínquos, independentes de férias. Dos cafés de Lisboa que não arrumavam as cadeiras às 9 da noite, onde se sabia encontrar-se sempre uma mesa de amigos ou conhecidos; dos bares, poucos mas obrigatórios, onde também sempre nalguma mesa havia conhecidos, e outros não tanto que passavam a sê-lo.
Até aqui no meu bairro os cafés, ao alargarem o serviço para os minipratos que permitem o almoço económico no intervalo do trabalho, têm agora as portas fechadas antes das 8 da noite (não duvido que por dificuldades financeiras e direito dos funcionários), e o convívio a pretexto da bica encerrou.
Claro, memória não é saudosismo - estamos no tempo de conviver em frente ao pc (mesmo que as frases curtas nem cheguem para preâmbulo de conversa), e quanto à bica também não há problema, que os hipermercados oferecem variedade de designs e preços para a podermos fazer com boa pressão, bem cremosa, na cozinha. Não vamos ser múmias - então não sabemos todos que esse café de Van Gogh aí abaixo nem do século passado já é?
-;)

quarta-feira, julho 27, 2005

Ambientes de férias

(...)
Uma fada madrinha e um duende na mesa ao lado no café
(...)
(Constantino Alves)

Vincent van Gogh (1888), Terrasse du café le soir
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Preso na cascata
um instante:
o verão.

Matsuo Bashô


Thomas Moran (1905), Cascade Falls

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Curiosity


Bryce Brown

(...)
Tenho nove anos professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!
(...)
Alice Gomes

segunda-feira, julho 25, 2005

Agenda pós-férias

Iniciado este cantinho em Maio último, logo duas memórias (entre outras) estiveram nas minhas intenções de posts. Relacionam-se com duas questões que, se até se afiguram particularmente oportunas neste momento, também lembrei em muitos outros, uma no círculo vasto de colegas de várias disciplinas que igualmente as colocam, outra no círculo mais restricto daqueles colegas de disciplina que, ao longo de anos, pugnaram (sempre isolados) pela sua aceitação como questão determinante da relação dos jovens alunos com a Matemática.

A "blogosfera docente" está a partir para férias, também eu me limito a deixar agendadas essas duas memórias para o começo do novo ano lectivo. Porque este cantinho ao menos uma utilidade tem: a de me fazer (a mim) pensar como que em voz alta, ao escrever.

1ª questão - Da necessidade de formação rápida de grande número de professores de 2º Ciclo, devido à massificação do ensino, até à instalação e continuação de uma situação quando os formados até passaram a ser em excesso. Situação derivada do alargamento da formação inicial (científica e profissional) para fora das ESES, ao sabor da proliferação de institutos superiores privados, creditados decerto por planos apresentados, mas não pela prática de muitos (demasiados), a qual, como é bem visível nas escolas a quem pedem cooperação e nos vários alertas, nomeadamente da APM, tem contribuído significativamente para insuficiente/deficiente formação inicial, científica e profissional, dos docentes que formam (do que estes não são responsáveis, note-se). E alguém nega a importância dos começos escolares dos alunos? E alguém nega que a dispersão dos formandos entre uma predominante vertente pedagógica teórica (aliás ligada à prática por uma prática efectiva e acompanhada que se limita à leccionação de meia dúzia de aulas disponibilizadas por um professor cooperante meramente voluntário) e uma vertente científica dividida entre, por exemplo, Matemática e Ciências, alguém nega, dizia, que se torna assim difícil, num modelo já de si interrogável e que se aplica ao sabor do que disse acima, que os professores formados tenham eles a educação matemática que tanto urge dar aos jovens alunos portugueses?

2ª questão - Da defesa e até luta de bastantes professores de Matemática pela adopção generalizada de novas metodologias especificamente adequadas ao ensino-aprendizagem dessa disciplina nos anos da escolaridade básica (novas na prática, que nada novas nas teorias e investigações na área da educação matemática), até à resistência que não se situa apenas nos próprios - os professores de Matemática -, mas na cultura e/ou clima ainda prevalecente na escola portuguesa. Questão de particular importância no 2º Ciclo (não tenho dados suficientes nem competência para referir a situação no 1º Ciclo) - ciclo em que são menos importantes os conteúdos (que se retomam no 7º ano), sendo qualquer um propício a ser trabalhado em pesrspectivas importantes: iniciação no processo de aquisição de conceitos (que sabemos ser longo, requerendo posteriores etapas); iniciação na resolução de problemas, ou seja, na aquisição de competências de interpretação, relacionação e procura activa de estratégias de resolução - e os alunos até são hoje exímios em jogos de estratégia, porque não hão-de interessar-se e ter sucesso nesse desafio ao raciocínio que a Matemática deve saber colocar?; iniciação em hábitos de rigor e precisão, tão necessários nos futuros adultos e que até vão influenciar o próprio domínio progressivo de um português correcto. Alguém duvida de que era preciso cautela (era, mas o passado corrige-se) ao colocar-se a Matemática do 2º Ciclo num plano susceptível de diminuir demasiado a respectiva formação especializada a requerer?

domingo, julho 24, 2005

Diálogo com aluno e Quase férias


Azul...

Joan Miró (1961), Bleu II

Diálogo com aluno
Bem quero dar férias aos resultados em Matemática, mas eles perseguem-me ;). Encontrei o H., ainda não tinha encontrado nenhum aluno depois da saída dos resultados, fiquei logo interessada na oportunidade.
Já falei da minha turma de 9º deste ano lectivo findo, a propósito de hábitos de trabalho. O H. era uma das excepções, era bastante trabalhador. Era aluno de quatros e cincos - em Matemática atribuí-lhe 4 e no exame teve 3. Não comecei por lhe falar do seu caso, e reproduzo o diálogo tão fielmente quanto é possível de memória (mas está muito fresco).

Eu: Então, que pensas do desastre em Matemática, assim pelo país todo? H.: Stora, acho que também teve a ver com os 25%, todos sabiam que já não reprovavam... mesmo os que tinham boas notas, era preciso que corresse muito mal para baixarem a que já tinham! Acho bem que para o ano seja 30%. Eu: Achas que não estudaram naquelas duas semanas... tiveste 3, também não estudaste? H.: Estudei um bocadinho, mas pouco. Eu: Bem, mas também não me parece que tenha saído alguma coisa que esquecesses nesses dias, achaste a prova difícil? H.: Não acho que a prova tenha sido difícil e vimos logo isso cá fora quando as storas nos chamaram a atenção para as respostas. Eu: Olha, até fiquei contente por te ter encontrado, não é pelo teu caso, ficaste nos 30% que tiveram positiva, é porque queria perceber o que se passou no geral, por isso era importante se conseguisses explicar como foi contigo. H.: Eu devia ter-me concentrado mais, não me esforcei... assim como esforço nos testes. Eu: Mas tu és muito responsável, como foi isso? Ou a prova não foi como esperavas, isso pode ter dificultado... H.: Não sei... não, acho que não. Stora, eu também estava como muitos, sairam as pautas e sentimo-nos assim... assim em férias. Se fizessemos outra vez... eu pelo menos esforçava-me mais durante a prova para não fazer má figura, falaram tanto de nós, toda a gente a ver os resultados... (...) Eu: E lá em casa, os teus pais que acharam destes resultados? H.: Ah, o meu padrasto disse logo que os professores de Matemática não são competentes. Eu: E tu, também pensas isso no geral? H.: Eu acho que há melhores professores e há... pronto, os professores não são todos iguais. Mas os alunos também não estudam, estudam pouco, também vejo isso.

P.S.: H. é um só caso, obviamente que não se pode fazer nenhuma espécie de generalização. Mas não dei conta de que os jornalistas tenham ido ouvir alguma amostra razoável de alunos. Talvez porque, ocupados com sensacionalismos, não lhes sobre tempo para investigar ao menos um pouquito; ou talvez porque, contactando pouco com adolescentes, não lhes passe mesmo pela cabeça que, fora do contexto disciplinas-avaliação, eles sabem pensar mais do que parece. Quanto aos que estudarão estes resultados e suas causas, não se lembrarão de ouvir também um pouco os alunos, ainda que apenas para detectar causas acessórias, que decerto não foram as causas de fundo de resultados preocupantes, mas podem ter contribuído significativamente para um resultado tão excessivo?

ADENDA: O Ministério da Educação deve ao país uma explicação fundamentada em pareceres de teóricos da educação e psicólogos sobre questões já levantadas por entidades competentes, tais como: O enunciado do exame exigia um grau de abstracção inadequadamente elevado? A resposta a alguns items exigia um grau de formalização que excede o programa do 9º ano? Sim ou não?

sábado, julho 23, 2005

14 de Julho


No momento em que tanto se tem discutido o ensino-aprendizagem da Matemática, tenho-me lembrado bastante de Paulo Abrantes. Em 14 de Julho, completaram-se dois anos desde que nos deixou, deixando também uma enorme perda no seio do pensamento sobre a educação matemática - expressão que ele usava bem mais do que ensino-aprendizagem da Matemática. Dando-me hoje conta de que a data passou há dias, não quis deixar de a lembrar aqui. Paulo Abrantes marcou larga e profundamente os que reflectem na educação matemática, e muitos decerto se perguntam: Porque têm alguns que partir tão cedo?

Não é por causa da questão "exames no básico, sim ou não?" que me lembro de Paulo Abrantes. Mas encontrei também um documento de arquivo, e achei oportuno deixar a imagem do cabeçalho, incluindo a citação de Hans Freudenthal.


in www.apm.pt/apm/revista/pabrantes/EM16-1990.pdf

sexta-feira, julho 22, 2005

Pausa??

Nicole Parigo

(...)
Um pouco mais de brasa. Ou se preferem
(como diria Mário Sá-Carneiro)
um pouco mais de golpe de asa. Pois falta ó Breton
um amor louco (laico e louco).
Neste país do pouco. Neste país do pouco.

(...)

Pois falta aqui o verbo ser. E sobra o ter.
Falta a sobra e sobra a falta. Ó proletários da tristeza
falta a ciência mais exacta: a poesia.
E há muito já que um poeta disse: É a Hora.
Neste país de aqui. Neste país de agora.

Manuel Alegre, 1981

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E o essencial não muda com o mudar dos tempos... Torna-se um lugar comum...
Como em qualquer outro país, entre nós o problema essencial do sistema de ensino é o político. (Rui Grácio, 1973)


blogosphere



Pus a discussão em férias, mas os passeios pela blogosfera docente atraem-me para interrupções nas minhas pausas ;)


quinta-feira, julho 21, 2005

Exames na escolaridade básica (ou Um dilema)

"A escola tem urgentemente que se reorganizar para dar a cada aluno a possibilidade de desenvolver as suas áreas fortes. Só desta forma a escola poderá ser verdadeiramente inclusiva"
Adriana Campos,in Educare.

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Esta memória tão longínqua veio-me quando foi decidida a realização de exames de Português e Matemática no 9º ano. Não a escrevi na altura – nem existia ainda este cantinho. E não a escrevo agora por causa dos resultados em Matemática, cuja discussão já encerrei, aqui e noutros blogs. Escrevo-a para ficar por cá guardada, talvez para vir a fazer um link para ela depois de recomeçarem as lides em Setembro... talvez, ainda não sei.

Foi ainda no tempo em que o então Ciclo Preparatório (actual 2º Ciclo) terminava com exames nacionais. Numa turma em final de ciclo, que já leccionara no ano anterior, tinha algumas alunas para quem a Matemática era bastante difícil (prefiro não usar a expressão dificuldades de aprendizagem porque isso já é um assunto complexo para um post). Meti-me então numa experiência um tanto louca (daquelas a que o sangue novo nos impele), a que chamei pomposamente conciliação do trabalho em grupo com o ensino individualizado.
Resumidamente: O trabalho de base decorria, como habitualmente, em grupos organizados sob propostas da turma, heterogéneos. Em cima da minha mesa havia sempre fichas (de trabalho orientado, de autocorrecção, minifichas) dispostas por nível de aprendizagem - as que contemplavam os objectivos minimamente essenciais (deixemos a terminologia das competências, ainda não usada na época) e as de desenvolvimento face às primeiras. As alunas (ainda eram também os restos dos tempos em que evitavam misturar meninos e meninas) que não se sentiam em condições de avançar iam buscar outra ficha do mesmo nível enquanto o restante grupo prosseguia. Às vezes permaneciam nos lugares, outras reagrupavam-se espontânea e temporariamente, apesar da ginástica que o trabalho em grupo exigia com o mobiliário da altura. E cheguei mesmo a ter a turma a trabalhar em subunidades do programa diferentes consoante os ritmos de aprendizagem. (Por vezes, uma colega, interessada na experiência, ia ajudar-me, mas os nossos horários não permitiam frequência nisso).
(Agora, que me vem tanta aflição só de pensar que algum virus ou problema pior me pode deixar uns dias sem computador, a minha memória já nem atinge como é que eu fazia aquelas fichas todas à máquina, com o stencyl - só sei que fazia)
Resultado: as alunas que referi acima estavam felizes, realizavam o teste comum e, por vezes, um segundo adequadamente cotado, em que eram excluídas questões “mais difíceis”, e estavam com aproveitamento positivo.
Mas... a realidade impôs-se. Quando comecei a ter alunas em diferentes subunidades, o espectro do exame pôs-me em dilema. Eu tinha que proporcionar a todas não só todo o programa essencial (isso nem estava muito em causa), mas também as propostas de trabalho, problemas, níveis de dificuldade, etc. correspondentes ao que o exame, naturalmente, ia abranger – e nele nem teriam ninguém a evitar que se confundissem e perdessem, a gerir-lhes o tempo e as possibilidades, indicando-lhes: faz primeiro estas, não te preocupes com esta, etc. Que direito tinha eu, mesmo sabendo bem até onde podiam ir (e ao "minimamente essencial" estavam a ir) e até onde não iriam, de prosseguir com a minha opção?
Dirigi-me então à Direcção Geral Qualquer Coisa (dispenso-me de ir procurar o nome da altura), munida de exemplificativos do meu material. Fui recebida simpaticamente, fui até ouvida com atenção, foi-me até dito que a experiência era muito interessante, e até que podia contar com apoio mediante outros contactos ou documentação que me pudessem disponibilizar. Mas, claro, que o exame era inevitável e que era um risco. O que eu sabia, obviamente que não fui a contar que abrissem alguma excepção à jovem e anónima professora – fui porque, apesar de ter concluído que deveria interromper a experiência, eu já nessa altura não desistia de nada em silêncio.
As alunas ficaram tristes com a mudança de metodologia, expliquei-a e tranquilizei-as o melhor que pude, mas... na verdade jamais me voltei a meter em tal experiência.

P.S. Individualizar, pela atenção e apoio, por estratégias diferenciadas, por umas aulas de vez em quando divididas, etc., isso continua a ser o meu (o nosso) dia a dia. Com o “jamais”, refiro-me a uma determinada metodologia formalmente estabelecida e assumida.

sábado, julho 16, 2005

E pronto...

... encerro exames... resultados... réus e mais réus... passando pela poesia oriental do hai-kai sem precisar de sair dos nossos poetas.

Pensar incomoda
como andar à chuva
quando o vento cresce...
(Alberto Caeiro)

(Andô Hiroshige, 1797-1858)

Hábitos de trabalho - II

A minha turma de 9º deste ano não era uma turma típica da minha escola, mas também não era, de modo algum, um caso isolado. E, por uma qualquer coincidência, verificava-se homogeneidade nalguns aspectos (e não só em Matemática) :
Iam realizando as tarefas das aulas, estavam razoavelmente atentos, mas (ao contrário do que me acontece habitualmente devido à dinâmica própria do trabalho em grupo), abanavam a cabeça diante de qualquer problema de resolução menos imediata, não se empenhavam nele - pedindo logo que eu o explicasse - e, das tarefas de casa, vinham quase sempre vários "stora, não soube fazer" (tentaste? - tentei; quanto tempo? quantos minutos? - aquela expressão comprometida, que eles até costumam ser sinceros) e com frequência "stora, desculpe, não fiz o TPC... esqueci-me".
Numa reunião do conselho de turma, propus (e fui de imediato apoiada por todos os colegas) que o director de turma convocasse os encarregados de educação para uma reunião extraordinária e urgente, a fim de os avisar de que, sem hábitos de trabalho e sem esforço mental, a turma não estaria à altura do 9º ano (o director de turma usaria expressões mais convenientes, mas o que queríamos significar era mesmo isso: a turma não estava à altura... - com apenas três excepções. Vários desses alunos acabaram por aderir à "campanha" em que me envolvi com eles, entendendo as razões porque estavam a ter insucesso e passando nitidamente a um maior esforço. Mas, se acredito que a mudança não foi inútil para o seu futuro (inclusive escolar, para os que prosseguirem), era tardia por agora. Os níveis 3 atribuídos no final foram daqueles a que chamamos mínimos, ou "à continha". Porque eles adquiriam noções e aprendiam aqueles procedimentos que são condição necessária para a resolução de problemas, mas não são condição suficiente para resolverem os mesmos. E as competências de interpretação, relacionação, dedução, etc. têm que ser desenvolvidas ao longo da escolaridade, também com esforço e perssistência dos próprios - e a isso chama-se hábitos de trabalho/estudo.
Tive descidas desses níveis? Tive, sim. Mas previa-o, pois era fácil de prever que a prova se dirigiria às referidas competências - nem faria sentido que não se dirigisse.
Contudo, se até dissera previamente a colegas que tivera azar, face a turmas que tenho tido, nem o disse preocupada com a minha imagem (essa não foi construída agora, quase em final de percurso profissional), nem deixaria de voltar a ter a turma e de atribuir aqueles níveis 3 mínimos e inseguros quanto ao exame nacional.
Uma referência ainda aos alunos que faltaram (creio que com o conhecimento dos respectivos pais) às aulas que mantivemos no período pós fim oficial das aulas do 9º ano (determinado para poderem ficar em casa a "estudar"). Essas faltas não foram dos que tiveram os tais mínimos obtidos finalmente mediante efectivo esforço, ainda que tardio. Não sei é se estas atitudes que revelam o "ora, já estou aprovado!" são das mais prometedoras para o seu futuro escolar, nem se o consentimento delas por parte de alguns pais significa apenas uma atitude pontual.

sexta-feira, julho 15, 2005

Hábitos de trabalho - I

Hoje a "memória" não é profissional, é familiar. Mas, não tenho só alunos, também tenho netos que são alunos.
O Nuno terminou agora o 6º ano do básico. Iniciou o 2º Ciclo com uma excelente preparação - que não comecem agora todos os dedos a apontar os professores do 1º Ciclo e que o reconhecimento das condições em que muitos trabalham passe à actuação sobre as mesmas. Mas, começou um percurso de 5º ano com um desempenho demasiado "mediano" para a preparação que lhe fora dada e para a capacidade que tem - os alunos têm o potencial necessário de capacidade, podem é não ter o trabalho/esforço para o desenvolver. Iniciou-se então, em casa, um processo de responsabilização. Os pais, como o geral, trabalham todo o dia e chegam a casa cansados, mas não evocam a necessidade de descanso diário televisivo ou congénere - decidiram ter filhos, não é? Primeiro, foi estabelecido um horário de trabalho/estudo, mediante um consenso tão democrático quanto possível, incluindo as consequências de incumprimento, as quais eram: não haverá playstation, pc ou tv. Depois, foi a 2ª fase do processo: Agora, acabam as preparações de testes com os pais (e avó), por vezes à última hora pois o Nuno também, por vezes, "esquecia" a marcação atempada feita pelo professor; Agora, a responsabilidade passava a ser inequivocamente dele, os testes seriam preparados por ele, até tinha a sorte de poder contar com os conhecimentos dos pais e avó para dificuldades/dúvidas de última hora que soubesse colocar, mas só com isso, quer porque quando estudam sabem colocar dúvidas e quando não estudam têm os outros que as adivinhar, quer porque não se tinha nenhuma razão para duvidar de que, para outras não de última hora, os seus professores estavam sempre disponíveis. E, se não assumisse esta responsabilidade (ninguém defenderá, decerto, que não têm idade para a assumir) imediatamente acabaria a playstation, etc., no fim de semana e (numa hipótese remota de tal se justificar, também nas férias).
Fim da história: O Nuno terminou o 6º ano com um desempenho positivamente bem distante do início de 2º Ciclo, em que até um ou outro teste negativo tinha havido.
Será assim tão difícil, apesar do trabalho diário dos pais e consequente cansaço no fim do dia?
(Um post "Hábitos de trabalho - II" também virá a este blog - uma memória da minha turma de 9º ano deste ano lectivo que terminou).

quinta-feira, julho 14, 2005

;)

Este pedacinho do poema é para os 70%. (Não sei como se sentiram, de tão falados - talvez até nem tenham reparado -, nem temos pensado nisso...)

Ai o ponteiro da tortura
naquela sala
que a matemática tornava mais escura
em vez de iluminá-la.


Felizmente só o nada-de-mim ficava lá dentro.


José Gomes Ferreira

(Ainda os resultados em Mat) Só outro pormenor

A Senhora Ministra da Educação veio deitar água na fervura dos resultados dos exames de Matemática do 9º ano. Pelo menos, não caiu na manifestação de falta de reflexão (não digo falta de inteligência, seria cair eu também no tipo de juízos que tão facilmente espalham afirmações injustas ou redutoras) de alguns comentadores da praça pública, ou menos pública. Porque só a falta de reflexão pode inferir de imediato que resultados tão excessivamente negativos e gerais significam que, por este país todo, os professores de Matemática são uns incompetentes (ou os professores de Matemática do 3º Ciclo – nem sei por que não os especificaram, essas mentes falantes!). Sim, porque em Português não houve catástrofe... então, estando inseridos no mesmo sistema de ensino, no mesmo modelo de formação e nas mesmas escolas, estar-se-ia a descobrir uma tipicidade – incompetência -, ou uma espécie àparte, os professores de Matemática.

Eu abstenho-me de escrever aqui, sobre o assunto, mais do que “pormenores”, pela simples razão de que me recuso reduzir a poucas linhas problemas no sistema educativo que têm causas profundas, muitas e diversas responsabilidades – e talvez não confinadas ao sistema educativo (a sociedade quase toda está acusando, mas exclui-se de qualquer lugarzito no banco dos réus, e em especial os pais, as famílias, parecem sentir-se legítimos acusadores isentos de qualquer pecado).
Mas, pela “blogosfera docente” (e não só docente) há entradas sobre o assunto e respectivos comentários que, juntos daqui e dali, dão um conjunto de válido material de reflexão e debate. Vale a pena procurar.

Uma proposta à Senhora Ministra...

;)

quarta-feira, julho 13, 2005

(Re)pouso

De seguir o viajante
pousou no telhado,
exausta, a lua.

Yeda Prates Bernis
Final de ano lectivo agitado... precisa também de repouso o viajante...

Cheryl Robertson

ADENDA: Roubo a sugestão ao Miguel Pinto, discussão sobre propostas para o sistema de ensino aqui.

terça-feira, julho 12, 2005

Resultados em Matemática (só um pormenor)

Sobre o tema, já participei numa breve discussão em outroolhar. E, não sendo a questão inerente a um comentário aí deixado pelo Miguel (entre outros sobre o tema, e até despoletado por um meu) a que vou abordar aqui, sobre essa deixo apenas a transcrição do mesmo: “ Mas, não considera… estranho que os resultados de Matemática e Língua Portuguesa, realizados aos mesmos alunos, sejam tão discrepantes?(...)”
Tenho pensado, desde que ontem foram conhecidos os resultados, noutra discrepância que me parece que seria mais importante vir a merecer análise, não simplista ou racionalmente redutora (como estamos habituados a ver na comunicação social), também não intelectualmente desonesta, como será se não vier a ser feita, por quem queira lançar no país ilações sérias, sob equacionamento de múltiplos factores que podem intervir.
A discrepância que saliento é a que se verificou, em todo o país, entre os resultados obtidos pelos alunos na situação de exame nacional e os resultados que tinham obtido na avaliação de final de período (e ano).

"No entanto, como a maior parte das respostas não são imediatas e exigem um trabalho elaborado de interpretação e análise das situações propostas, algumas exigências que consideramos de pormenor, nomeadamente nos critérios de correcção, podem penalizar os resultados dos alunos, mesmo dos que desenvolveram um bom trabalho ao longo do ano." (APM)

Nesse âmbito (já que o meu blog é de "memórias") deixo uma pequena memória muito recente, a que não atribuo relevância só por si, mas que também não é completamente alheia aos diversos factores possivelmente concorrentes. Porque o próprio clima psicológico criado em torno de exames nacionais que os alunos de 9º ano realizaram pela 1ª vez não é decerto indiferente, é uma situação nova face às de teste a que estão habituados.
Um breve diálogo com uma aluna fez-me pensar que gostaria de ter previsto um encontro com a turma em ambiente que não fosse apenas propício àquelas perguntas: como te correu?, resolveste aquela questão...?, etc., mas destinado a perceber funcionamentos em situação de exame. A aluna é, em Matemática, de nível médio-alto (só médio porque trabalha e esforça-se pouco, que “cabecinha” para mais, tem). Resolveste a 5.2., a dos bilhetes... (disse eu, mais afirmativa do que interrogativa) - Aceno negativo com a cabeça, naquela expressão que eles às vezes têm ao mesmo tempo comprometida, mas pouco preocupada; E a 11, a última? - O mesmo aceno. Deixaste em branco?! – Resposta afirmativa.
Posteriormente, reparei na frequência com que foram deixadas em branco essas mesmas questões nas provas, de escolas diferentes, que corrigi. Escolas que não sei quais eram, mas que eram da Grande Lisboa; alunos que não sei quem são, mas entre os quais também houve bastantes “uns” , de facto preocupantes em quem tem, no mínimo, 14 anos (sem deixar de considerar precipitadas eventuais atribuições lineares a incapacidades de alunos ou de professores). Quanto à frequência das respostas em branco, seria obviamente complicado considerar os rascunhos (tão importantes em situação de aula) onde decerto foram esboçadas tentativas de resolução e abandonados cálculos feitos - quem sabe se as mesmas tentativas e cálculos previstos nos critérios de classificação com atribuição de alguma cotação?
Este post não é, nem pretende ser, mais do que um pormenor. Pretende somente exemplificar que as causas podem ser feitas de muitos “pormenores”.

domingo, julho 10, 2005

Fim de estágios

O blog está de fim de semana prolongado, mas eu vim acrescentar uma "coisita" - não que o assunto seja coisita pouca, mas porque um comentário deixado ontem por um colega numa entrada relativa à formação dos professores mo reavivou. É que me tenho referido à formação inicial dos professores do 2º Ciclo, da qual já foram há anos abolidos os estágios - ao que actualmente se chama estágio nesse ciclo (ver IC said), tenho designado por "estágio", isto é, entre aspas . Entretanto, não era preciso mencionar especificamente o 2º Ciclo!
Por isso, relembro mas nem comento a questão "fim dos estágios". Indigno-me apenas, ou melhor, vou-me indignando sempre mais.

De acordo com a proposta ministerial, os candidatos à docência deixariam de dar aulas para passarem a assistir às aulas dadas pelos orientadores de estágio, deixando por isso de receber a remuneração que até agora lhes era concedida pelas aulas que ministravam. Com esta medida, a tutela irá poupar cerca de 50 milhões de euros.O Ministério decidiu também que o ano de estágio deixará de contar como tempo de serviço para efeitos de carreira.Em comunicado, os estudantes afectados por estas medidas afirmam que as alterações ao modelo de estágio "representam uma verdadeira regressão na formação inicial da carreira docente e são inaceitáveis, para além de terem consequências imprevisíveis na qualidade do ensino e na qualidade da formação dos alunos".

sábado, julho 09, 2005

Fim de semana

Pois, eu estou em fim de semana normal, mas provavelmente terei que conceder a este meu bloguezito um fim de semana prolongado.

Claude Monet (1874) , the studio boat

sexta-feira, julho 08, 2005

Outras escolas

Esta não é do G8...

E como nem sei qual a que George W. Bush frequentou, deixo mais esta foto...

quarta-feira, julho 06, 2005

Formação de professores (um preâmbulo só)

Estou precisando de algum tempo para trazer aqui a memória (devidamente comprovada, que memória só por si, tenho-a bem presente) da evolução (ou involução) do sistema de formação de professores para leccionação do 2º Ciclo do Ensino Básico desde que, em 1986, tivemos a 1ª Lei de Bases do Sistema Educativo. 2º ciclo, porque o conheço bem; 2º ciclo, também porque ninguém negará decerto a importância determinante da aquisição de "bases" no futuro escolar dos alunos e nas possibilidades (que há o possível, mas também há o impossível) que terão os professores dos ciclos seguintes (e até também conheço bem o imediato, o 3º Ciclo).
Entretanto, encontrei quase por acaso um documento do Conselho Nacional da FENPROF, de 25 de Novembro de 2004, de que deixo abaixo dois breves extractos (do 1º parágrafo e do ponto 6, relativo à formação de professores, inicial e contínua). Inicial - já neste blog toquei nela, se a Srª Ministra vai tocar é que não sei; Contínua - a tal que se tem dito, com razão, que dá créditos que tornam as mudanças de escalão equivalentes a automáticas, sem se acrescentar que do modelo disponível conhecido por FOCO e da degradação subsequente do mesmo não são responsáveis os docentes, que sempre defenderam o direito a uma formação contínua de qualidade e pertinente.
"A chamada Lei de Bases da Educação, que a maioria de direita aprovou sozinha na Assembleia da República, foi posteriormente sujeita a veto presidencial..."
"Uma nova Lei de Bases para a educação deve inscrever também a profissão docente como eixo central da qualidade de todo o sistema educativo, valorizando o papel que cabe aos professores nos processos de ensino e aprendizagem e na actividade global das escolas, exigindo que na sua formação, para além dos métodos e das técnicas científicas e pedagógicas ajustadas, se contemple também uma formação pessoal, cultural, social e ética, adequada ao exercício da profissão. A formação de professores, numa perspectiva de educação permanente, deve associar a formação inicial à formação contínua (...) A consagração de uma formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação, para todos os níveis de ensino, com incidência particular no ensino superior, projectada a partir da própria actividade educativa, visando práticas reflexivas e atitudes críticas e actuantes no domínio social, deve ser posta em consonância com a relevância social da profissão docente e com a dignificação do seu estatuto de carreira."
(...www.fenprof.pt/?xpto=27&cat=53&doc=566&mid=115 - Princípios de uma nova Lei de Bases do Sistema Educativo)

terça-feira, julho 05, 2005

Metáforas poéticas


A nuvem atenua
O cansaço das pessoas
Olharem a lua.
(Matsuo Bashô)
Posted by IC 11:10 PM

Com o deficit e outras coisas bem pouco poéticas que nos rodeiam, opto por me lembrar também de um nadinha de poesia - em formato mini, são só uns haikus...
Imóvel,
o barco.
No entanto, viaja.
(Yeda Prates Bernis)

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É muito silêncio
enquanto as flores não crescem
e os poetas dormem.
(Eolo Yberê Libera)
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Para onde
nos atrai
o azul?
(Guimarães Rosa)

segunda-feira, julho 04, 2005

Outras potências

O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó---óóóóóó óóó---óóóóóóó óóóóóóóó

(O vento lá fora).
(Álvaro de Campos)
Pois, querido poeta, mas o binómio de Newton é o binómio de Newton, e a matemática dos senhores economistas é apenas a matemática dos senhores que governam a economia – variáveis, só uma, euro, euro, euro, e quanto a potências, não são as da matemática, são OUTRAS.

Só coisitas soltas (vassourada)

Ao iniciar este blog não previa que o final do ano lectivo, já relativamente próximo, viesse varrer, para um canto adiado, memórias de professora de Matemática com a vassourada decorrente do caso geral e de fundo que é o sistema educativo português, de súbito a saltar de boca em boca, para muitos perfeitinho se não fossem os professores, para alguns (que haja alguns, ao menos!) com as suas profundas mazelas.
Vassourada, porque o caso traz outras memórias, não de professora de Matemática, mas de professora (ponto final); vassourada, também porque não deixei de ser atingida pela vassoura que procurou varrer para o banco dos réus os professores – ao molho, sejam os maus exemplos que sei que há (e há em todas as profissões), sejam os tantos e tantos que se dedicam ao ensino com profissionalismo, competência e muitas vezes persistência e sempre persistência, sem qualquer apoio, em iniciativas que tentam colmatar problemas escolares (melhor dizendo, de desmotivação e desinserção escolar) de cada vez maior número de alunos, que, como toda a gente sabe, mais não são que o reflexo de problemas sociais que a sociedade não resolve (mas esta não se senta no banco dos réus).
E esta segunda vassourada stressou a minha memória. Stressou sobretudo porque o eterno stressa e eternamente são precisos réus e eternamente é preciso que encham bem o banco para que não fique espaço para lá sentar (também) os primeiríssimos responsáveis – os de hoje, os de ontem, os de há bastantes anos, neste caso da esfera da educação no nosso país.
Por isso aqui vão ficando, até uns dias de férias para relaxar, nem memórias soltas de professora de Matemática nem outras memórias soltas de professora – só coisitas soltas. Apetecia-me até ter à mão coisas poéticas, que a poesia faz-nos falta e o deficit não é nada poético
.