sábado, fevereiro 25, 2006

Se, ao crescer, guardássemos a criança dentro de nós...

Para as crianças as quadras festivas não são carnavais, farsas, hipocrisias ou outras coisas que tais. Nesta que decorre, para a minha Inês foram personagens dos contos a brincarem "ao vivo" na escola, na festinha de carnaval.
No Natal, a Inês encantava-se com as novas luzinhas e bolas coloridas que iam dia a dia enfeitando mais o pequeno centro comercial ao lado de sua casa. Pediu que eu não desmontasse a grande árvore de Natal enquanto, já em Janeiro, com a perna engessada, esteve sem vir cá; e a pequenina, que se ilumina com todas as cores do arco iris aqui na minha sala de trabalho, onde gosta de brincar (e usa o meu pc) quando está cá, vai ficar o ano todo a seu pedido.

A minha princesa queria ir ontem vestida de princesa para a festa no seu Casulo (a sua escolinha do pré-escolar e, agora, do 1º Ciclo). No monte de máscaras eu não descobrira nenhuma princesa, mas no dia seguinte foi a mãe procurá-la com ela, e achou-a. (Eu ainda pensei que não era de muito bom gosto o vestido da princesa, mas esta achou-o lindo - que mania dos adultos de terem gostos diferentes das crianças!!)
E a Inês estava tão feliz quando foi para a escola!...
(Até dei à foto um toque difuso, em jeito de transição do real para esse imaginário das crianças - algo importante que o real nos tira quando temos que ficar adultos).

(Foto privada)

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Adenda: "Quando eu for grande..."





























Quando eu for grande quero ser
Um bichinho pequenino
P'ra me poder aquecer
Na mão de qualquer menino

Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz
P'ra tudo o que eu sou caber
Na mão de qualquer de vós

Quando eu for grande quero ser
Uma laje de granito
Tudo em mim se pode erguer
Quando me pisam não grito

Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto
O que lá estou a fazer
Só se nota quando falto

Quando eu for grande quero ser
Ponte de uma a outra margem
Para unir sem escolher
E servir só de passagem

Quando eu for grande quero ser
Como o rio dessa ponte
Nunca parar de correr
Sem nunca esquecer a fonte

Quando eu for grande quero ser
Um bichinho pequenino
Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz

Quando eu for grande quero ser
Uma laje de granito
Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto

Quando eu for grande...
Quando eu for grande...

Quando eu for grande quero ter
O tamanho que não tenho
P'ra nunca deixar de ser
Do meu exacto tamanho

(José Mário Branco, letra de Manuela de Freitas)

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Adenda 2: Descobri mais um cantinho, graças à Teresa - A(zul)Mar

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

5 x 24...

Não vou dizer-me Cinco dias senão ainda chego às noites e arranjo o pretexto de já não ser de dia! Vão ser mesmo cinco vezes vinte e quatro horas... sem falar de (nem pensar em) escola, milus, valters, sócratess & cª ("cª" inclui qualquer político e também os jornalistas). Pronto, está decidido, espreito os títulos dos posts para ver se posso entrar [riso].
(4ª feira já não conta, tenho testes para ver - e, pelo que constatei enquanto decorreram, já pensei que vou ter tema para pensar e escrever, aliás complicado pois a questão não vai ser sobre hábitos de trabalho/estudo)

Road to Relaxation

Barbara Aliaga

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A estratégia do medo

(Em dois capítulos)

II
No dia seguinte, voltando a lembrar-me do livro que ando a ler e da estratégia do medo, o meu pensamento deslocou-se de novo, agora do globo para a nossa "terrinha" habitual - as escolas...

Conselhos de turma de Fevereiro: Objectivo nº 1 - Acautelar... (E mais planos de recuperação); Objectivo nº 2: Acautelar... (E mais disciplinas nos planos de recuperação anteriores); Objectivo nº 3: Acautelar: (E nomes, para a acta, de alunos que não estão a cumprir).

Depois de na semana passada ter exigido em tom "excessivo" que me mostrassem onde estava escrito no Despacho Normativo nº 50/2005 que Fevereiro era a última oportunidade de se poder vir a reprovar algum aluno, h
oje voltei a fazer a mesma pergunta sobre o despacho. (E que mania das percentagens, pena não haver a mesma mania das recuperações trabalhando os erros dos testes, alguns miúdos até andam estafados com tanta aula de apoio e salas de estudo nos horários).

No
despacho lê-se:
" (...) 4- No final do ano lectivo, e após a avaliação sumativa final, a direcção executiva envia à direcção regional de educação respectiva um relatório de avaliação, no qual devem constar: (...) d) Resultados alcançados, incluindo: (...) iii) Alunos que não foram sujeitos a um plano de recuperação e ficaram retidos; (...)"
(Estratégia do medo, ou medo simplesmente, ou ambas as coisas?)
(Agora só falta os alunos resolverem, alguns dos que não tiveram plano de recuperação até Fevereiro, que podem entrar em férias, conjecturando: _ Disseram-me que há um decreto que diz que já não posso reprovar!)

No despacho lê-se também:
"(...) 2 - O plano de recuperação é aplicável aos alunos que revelem dificuldades de aprendizagem em qualquer disciplina, área curricular disciplinar ou não disciplinar. (...)"
(Estarem desatentos, precisarem que os professores interrompam constantemente as aulas para que não as levem a brincar e deixem os colegas ouvir, trabalhar e aprender, não fazerem nem os pequenos trabalhos de casa, é isso que são dificuldades de aprendizagem? São também para esses aulas de apoio?)

(Estratégia do medo, ou medo simplesmente, ou ambas as coisas?)

A estratégia do medo

(Em dois capítulos)
I
Há umas duas noites atrás, depois de ter visitado o Educar para a Saúde, do Miguel Sousa, desliguei o computador e fui para a cama ler. O tema do livro não tem a ver com educação para a saúde, no entanto, a páginas tantas de um capítulo, eu lia: "As probabilidades de uma determinada pessoa ser morta num ataque terrorista são infinitamente menores que as probabilidades de essa mesma pessoa vir a entupir as suas artérias com comida de elevado teor de gordura e morrer de doença cardíaca. Mas um ataque terrorista acontece agora; a morte por doença cardíaca é uma catástrofe distante e tranquila". (Lembrei-me logo dos hamburgers e batata frita que o Miguel referira no post) O autor do livro* (que fala do "estranho mundo da economia"), exemplificando também o caso das vacas loucas (e eu lembrei-me das tantas pessoas que deixaram de comprar carne de vaca enquanto o alarme esteve presente na comunicação social, e estou a lembrar-me agora do noticiário de hoje, falando da gripe das aves e de possível baixa na venda destas), apontara estes exemplos neste contexto: "Mas o medo prospera no tempo presente. É por isso que os peritos confiam nele; num mundo cada vez mais impaciente com os processos de longo prazo, o medo é um jogo poderoso de curto prazo".
O meu pensamento saltou então dos cuidados com a saúde e dos riscos cujo alarme a publicidade afasta das mentes e os orgãos de comunicação não fazem ressoar (saúde não é assunto sensacionalista para que dela se ocupem) para a protecção do ambiente. Mas não se deteve nas pessoas comuns, voou para senhores do poder económico no mundo, que pouco ouvem os alertas dos cientistas pois o futuro do planeta já não será na cabeça deles que poderá desabar - isso também faz parte de perigos distantes, não perturba a tranquilidade dos ditos senhores.

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*S. D. Levitt e S. J. Dubner (2006), Freakonomics - O Estranho mundo da economia. Ed. Presença

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Hoje o tema é "Vamos dançar?"(com adenda)

Adenda:

(...)
Ela desatinou
Viu morrer alegrias
Rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando
E ela inda está sambando

(...)
Chico Buarque
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segunda-feira, fevereiro 20, 2006

...

Feodor Vasilyev, Cloud
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As nuvens do céu –
o céu do infinito
eu de nenhum lugar

Stefan Theodoru

Pegando noutra ponta dos novelos

Hoje decidi começar pela observação mais directa de todas - a auto-observação. E com uma pergunta a mim mesma: Que efeitos teve a actual política educativa na minha pessoa?...

... Porquê, em dois ou três meses, mudei o meu projecto de vida no tempo próximo?
Em meados do ano lectivo passado soube que tinha todas as condições para pedir a aposentação - soube, mas não liguei, eu queria continuar. Nem ligou a minha escola, onde acham que a idade no meu BI não condiz muito comigo. Nem ligaram filhas e amigos, que não me vêem a ficar inactiva. E continuei a querer continuar, em Julho e em Setembro, apesar das novas medidas para a "educação", mas ao fim de três meses deixei de querer - não ia abandonar as minhas turmas, só por isso é que espero até ao final do ano lectivo.
Claro que a idade pesa, tem seus efeitos, mas não vem para o caso porque, sem percalços de saúde, não há mudanças assim tão grandes em três meses (e continuo sem parar na sala de aula, e isso não me cansa - de aulas mesmo mantenho a redução que a idade e o stress da profissão requerem). Ando cansada por mais horas de trabalho, mas com isso ainda vou podendo (não me couberam tarefas que odiaria fazer sem sentido e, das que tenho na nova componente não lectiva, umas já tinha, embora com direito a redução, outras faço com gosto, têm sentido para mim, tal como todas as coisas que fiz ao longo dos 36 anos de serviço com muito mais tempo voluntário na escola do que o do horário de permanência obrigatória nela).

Qual, então, a causa de ter passado, em escassos três meses, de uma ainda inadaptação à ideia de me reformar para uma inadaptação à de continuar? Percebo claramente que a causa é um clima que vem de fora das escolas e também, mas em menor grau como causa, um ambiente que pressinto nelas de alguma forma afectado por esse clima exterior - não se trata de ambiente no âmbito de relações humanas, nesse âmbito continuo a estar bem, quer com colegas (incluindo os do CE), quer com funcionários auxiliares, quer com alunos (estes estão mais difíceis, mas não é nesse âmbito).
E o clima que refiro... que clima é esse, que vem da governação na educação-ensino, que se propaga através de alguns insuportáveis artigos e debates na comunicação social, e me intoxica? É um clima que, por um lado, me gera a sensação de opacidade impedindo-me de discernir algum trigo que possa haver entre o muito joio, e que, por outro lado, tem geadas e granizos a agredirem a minha inteligência. A minha - será portanto uma agressão subjectiva, cada um tem a que tem, a minha é a que for (mas foi-me servindo pela vida) e até pode andar em crise, ela ou a lucidez. Mas, como estou a reflectir e a discorrer sobre mim, a olhar o que causou a súbita e imprevista mudança do Quero ainda Continuar para o Já não Quero, e não vou pedir outra inteligência emprestada, a que tenho (suficiente ou insuficiente), essa anda mesmo a ser demasiado agredida por facetas de uma política educativa eivada de prepotentes voluntarismos, pela condução do sistema educativo ao sabor de experiências à toa, pela sensação de que neste país de tantos homens e mulheres lúcidos e estudiosos se consente às mediocridades a condenação a um país medíocre.

Não importa muito que não esteja numa fase lúcida, que afinal tenha eu um cisco a mediocrizar a minha própria visão, pois isso é inócuo - não estou em nenhum lugar que influa nalguma coisa significativa, não tenho essa responsabilidade, o trabalho profissional pelo qual sou responsável não tem a ver com isto e esse sei que não o faço mediocremente. Importa sim, exclusivamente para a minha pessoa tal como é, o que sinto. E a minha pessoa não suporta nada imposto prepotentemente, sem diálogo, sobretudo sem explicações visivelmente fundamentadas (fundamentos não são opiniões, não são ideias individuais ou de uns tantos ao sabor do Quero, Posso e Mando - fundamentos são alicerçados em análise, em métodos de avaliação fidedignos, em estudo e conhecimento aprofundado das realidades.

E por esta ponta do fio eu vou a algum lado: Posso andar, estúpida, a avaliar mal a política educativa, mas numa coisa me desbaralho - perceber que não me adapto, que não me acomodo e que, tendo atingido sobejamente a idade de não lutar mais pela escola (pelo menos permanecendo nela), vou mesmo sair do ambiente nebuloso, sempre detestei ambientes nebulosos e já não cabe a mim pegar numa das muitas lanternas necessárias para que a luz desfaça opacidades, exija transparências e penetre nos alicerces a refazer. Numa vida de lutas e teimas, também pela escola e pelos alunos, as lutas e as teimas não acabam (sob pena de a pessoa acabar por dentro antes da hora de acabar por fora), mas a profissão tem um tempo, e estes meses do corrente ano lectivo fizeram com que esticá-lo, entre o limite de direito e o limite obrigatório, passasse, de desejo e gosto, a ser masoquismo.

Motivo só subjectivo? Se se verificar que sim, ainda bem para os que ficam e ainda bem para os alunos deste país - terá sido só um mau e infeliz ano. De qualquer modo, ficará o facto de que muitos (não só eu) estão a decidir ir embora por causa dele, apesar de, na maior parte, isso implicar prejuízo monetário para o resto da vida (o que não é o meu caso).
Serão mesmo os que já não fazem falta?

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Homenagem

(Com atraso, por isso ainda aqui voltei - foi no dia 13 último o centenário do nascimento de Agostinho da Silva)



“Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura. já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem


(Agostinho da Silva, "Cartas a um jovem filósofo")

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Duas faces da mesma moeda...

... crença versus realismo?

Num dia, neste cantinho, a metáfora continha a crença...




Juntos,

um homem e a brisa

viram uma página


Betty Drevniok


Claude Monet (1873), Sunrise


Noutro dia, continha o realismo...



Lua cheia!
Por mais que caminhe,
O céu é de outro lugar
.

Chiyo-jo



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Nesta semana, o meu estado de espírito pende mais para cansaço de caminhar.
Talvez seja porque sou uma preguiçosa para andar a pé e nem me tenho metido no carrito para ir olhar ao menos a lua cheia [riso, que sempre vou conseguindo fazer humor comigo mesma] . Mas, já que à 5ª feira às 18.30 entro em fim de semana, pelo sim, pelo não, é melhor não me fiar na capacidade de humor e deixar este cantinho quieto para organizar um fim de semana propício a essa crença mais acima... então o Homem não há-de parar de fazer besteiras e começar a virar a página? Os cientistas dizem que ainda só aproveita uma parte do cérebro... não sei é o que lhe dará para fazer se vier a conseguir aproveitá-lo todo - não me parece que seja propriamente o céu, tal oportunidade deixou-a perdida algures no tempo.
(Decididamente, a mim é que só me saiem hoje besteiras, devo ter batido com a testa nalgum pensamento que me fez um "galo"... desejo já a todos bom fim de semana e vou ver se encontro gelo para o galo)

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Hoje foi assim

Dias que se alongam —
Cada vez mais distantes
Os tempos de outrora!


Buson

No intervalo, na sala de professores, uma amiga e colega de muitos anos dizia que já não estava a conseguir prosseguir, e caiam-lhe lágrimas.
Sim, as nossas turmas estão muito difíceis. Já não falo das do 2º Ciclo, falo das turmas dos mais crescidos.

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Fui para a aula, um dos meus nonos anos. Tem andado outra vez difícil. Hoje não houve ralho ou discurso depois de se justificar. Hoje falei com eles antes de iniciar a aula. Não me apetece relatar, mas hoje a aula decorreu produtiva, trabalharam e puseram dúvidas, vim para casa sem cansaço (apesar de aulas produtivas para todos, pelo menos em Matemática em que as dificuldades e dúvidas naturalmente chovem, exigirem um rodopio de um lado para o outro). A próxima também vai correr bem porque antecede um teste. E depois das férias do carnaval, lá andarão outra vez para trás, e lá andarei pela certa outra vez quase em desespero - ou eu não os conhecesse há quase ano e meio. Mas, mesmo assim para a frente e para trás, no mesmo sítio já não estão, que eu bem me lembro de terem terminado o 8º ano comigo a perguntar-me: Que vou fazer, posso fazer alguma coisa?, e eles vieram de férias cheios de novas intenções, e a elas eu não larguei, e eles sabem que não largo, e eles até gostam e esperam que não largue (vá-se lá entender porque é que é preciso estar sempre a atá-los!), e não sou só eu que tento mais uma vez porque se eles não fossem também de novo tentando e depois tentando de novo eu e eles ficávamos no mesmo sítio, mas eles para a situação do ano passado... não, para essa em nenhum momento voltaram.

Ah, o rouxinol!
De novo ele tenta
E tenta de novo.

Chiyo-jo

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Lembrei-me de Sócrates (o Outro, claro)...


... e achei melhor voltar a meter a ponta do fio lá bem dentro do emaranhado das minhas meadas!





Mas também conjecturei cá com os meus botões que Sócrates pensava no Conhecimento (até escrevo com maiúscula) e eu deparo-me com nada saber a um nível bem mais comezinho, apesar de toda a informação a que tenho acesso. (Toda? Informação? Ora deixem-me rir!).

Começando pelas escolas deste nosso país, agora tão faladas e discutidas, vem-me à memória o tempo em que lhes sentia o pulsar (com seus ritmos mais acelerados ou mais lentos) naqueles encontros de delegados de disciplina que o Ministério da Educação até promovia, não para ouvirmos debitar medidas, mas em que trabalhávamos, trocávamos interrogações e experiências, e também naqueles encontros de coordenadores de directores de turma igualmente havidos (alguém por aqui é desse tempo?) - levávamos a seguir para a nossa escola o enriquecimento ganho nas nossas trocas e reflexões conjuntas. E agora, para além de uns pouquinhos testemunhos que recolhemos nesta blogosfera onde falamos de escola porque na escola não há tempo (e não foi só neste ano lectivo que deixou de haver, neste há é ainda menos), resta-me a (des)informação da dita comunicação social, à qual só me apetece responder gritando: Dêem-me números! (Sim, números que falem, não a balela de resultados de um exame - este ou aquele - a quantificarem a qualidade dos professores).

Passando a seguir para a política no meu país, nem os orgãos de comunicação estão empenhados numa informação completa, nem, se estivessem, conseguiriam penetrar nos meandros de muitos interesses e conluios cuidadosamente ocultos.

Mas, o que mais me faz sentir sufocação no pensamento é a política internacional, comandada pelos governos das grandes potências (se calhar pouco mais do que por uma), eles mesmos guiados ou comandados por outros poderes, sem que eu consiga duvidar de que os seres humanos comuns vivem, impotentes, sob uma enorme teia cujas malhas se estendem pelo mundo e em cujos meandros subterrâneos nem, provavelmente, penetram as cadeias de televisão que (não só, mas também muito) fazem definir a nossa época como a época da informação e comunicação - sim, notícias e imagens de acontecimentos em qualquer lugar do planeta entram de imediato pela minha casa, mas de quantos deles não ficam escondidas causas e conluios que os discursos escondem?
Deparei-me por acaso com o escrito que se segue (não sei se como poema ou apenas desabafo) de um poeta brasileiro, Cláudio Portella, que não conheço - mas o texto exprime de algum modo (ainda que, a meu ver, parcialmente e só um pouco, esclareço que o tomo apenas como uma metáfora) o muro invisível mas existente que me permite só supor o que está do lado de lá dele, pois sinto há muito tempo que é um muro cujo poder de filtragem desafia até à exaustão qualquer mente com alguma lucidez.

"Nada sei sobre meu planeta
nada sei acerca dos conflitos orientais
só leio jornais
nada sei acerca dos conflitos orientais
como posso querer ser humano
se só leio jornais sem datas
se não posso me embriagar em Bagdá
se tudo que conheço sobre o Iraque
é o filme que vi na Globo
“ O Ladrão de Bagdá”
a Globo e a Folha de São Paulo são o planeta Terra?"

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Continuando (mas devagarinho...)

Adenda:
Mal saída de fim de semana, desatei a escrever para depois ficar com a sensação de me ter perdido, pelo menos na extensão, também talvez no fio, que, a esta hora, já não distingo se ainda é o mesmo. Se calhar, reparando agora na última frase que escrevi ("não se decreta isso em nenhuma profissão, e para a nossa são precisos milhares de profissionais"), uma das coisas que queria dizer diz-se em três linhas: Nunca as transformações ou mudanças necessárias foram feitas pelas grandes maiorias; estas são depois "agarradas", sensibilizadas - as mudanças ganham movimento, o movimento propaga-se até que todos se começam a mover nelas naturalmente.
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Depois de ler todos os comentários ao meu "começar por desfazer confusões" e ao post posterior que voltou ao assunto, não consigo trazer divergências para debate pois, na verdade, não as detectei - perdoe-se-me o critério, que foi o de estar pessoalmente de acordo, no essencial, com todos, com tudo o que escreveram. Por isso, limito-me a mais umas considerações pessoais que, se estiverem correctas, justificam esse meu pensar que os nossos pensares afinal não divergem (e, se não estiverem correctas, venha então mais discussão, vamos a isso!)

1. Função do professor e função da escola não são a mesma coisa e, em dado momento, uns de nós escrevem centrando-se mais na primeira, outros alargam para a segunda - só isso; não me parecem perspectivas diferentes, apenas acentos diferentes. Mas, como eu me impus começar a pensar por uma ponta e devagarinho, centro-me agora na função do professor.

2. A nossa profissão tem de muito especial (não é a única, claro) a responsabilidade de se trabalhar com crianças e jovens para os ajudar a crescer e a apetrechar-se, a necessidade e a importância do afecto e da sensibilidade humana não estão em questão.
Mas isso não se decreta, não se aprende na faculdade, não se determina que se concretize deste modo ou daquele - isso é a nossa parte humana, ficar indiferente e não tentar dar às crianças o que faz parte dos seus direitos consagrados como universais mas que muitas não têm colidiria com a incapacidade de indiferença do professor (sim, se acaso as crianças e os adolescentes com quem lida dia a dia um professor lhe são indiferentes, então errou mesmo na escolha da profissão e pode estar até a ser uma erva daninha). Entretanto, cada pessoa tem o seu modo de concretizar o afecto e a sensibilidade humana e, ao falar da função do professor, eu pretendo referir-me apenas à que é formalmente definida no conjunto dos deveres objectivos listados em qualquer decreto que os estabeleça para todos os docentes.

3. A amplitude da função do professor não é naturalmente sentida e descrita de modo exactamente semelhante por professores que leccionam níveis diferentes de escolaridade. Uns têm as suas classes com crianças, desde os 5 anos de idade, a sua função é com crianças mesmo; outros têm, no 2º Ciclo, crianças ainda, mas que há também que "puxar" para crescerem descobrindo que já são capazes de fazer mais coisas do que julgam (e muita gente julga), há que não as ver tão crianças como as anteriores sob pena de as infantilizar; outros têm adolescentes a munir não só com aquelas competências gerais que devem começar a ser trabalhadas desde a infância e continuar ao longo da escolaridade, essenciais para se tornarem num futuro cidadão autónomo (basta-me o conceito de autonomia para abranger o saber estudar ao longo da vida, o saber pensar por si e criticamente, o saber tomar opções morais ou éticas, etc.), mas a preparar também para o prosseguimento dos seus estudos com sucesso, seja esse prosseguimento um caminhar para a universidade ou um caminhar por outra via profissionalizante; outros, por fim, têm jovens com pelo menos 16 ou 17 anos de idade, a preparar para um ingresso numa faculdade, rumo à profissão com que sonham ou, ao menos, a uma para que estejam vocacionados. Portanto, o papel primordial que cada um destes professsores se atribui não pode nem deve ser exactamente o mesmo.
O facto de ter vivenciado longos anos o ser professora no 2º Ciclo e ter depois sido, durante já bastantes, professora no 3º dá-me a vantagem de poder dizer que eu não mudei, mas as minhas prioridades em algo mudaram. No 2º Ciclo, não me era assim tão importante que o programa de Matemática fosse o mais apropriado, porque qualquer conteúdo me servia para as minhas primeiras prioridades: a) eliminar medos, inseguranças, baixa auto-imagem quanto a capacidades; b) criar neles uma relação com a Matemática incutindo a ideia de jogo ou desafio de que tanto gostam, com a pequena diferença de ser consigo mesmos e com o seu raciocínio - daí essa dinâmica que se ia estabelecendo na sala de aula nos grupos e na turma; c) iniciar na distinção do que é um pensamento ou raciocínio coerente e na capacidade de expressão precisa do mesmo - processos, aliás, interactuantes. No 3º Ciclo, sobretudo nos 8º e 9º anos (considero o 7º ainda um prolongamento do 6º), a relação desejável com a Matemática deveria estar estabelecida pois é altura de pôr maior acento sobre o trabalho e o esforço individual - e o trabalho não tem que ser chato, mas o trabalho na vida não é sempre divertido nem é um divertimento, e o trabalho e o esforço fazem parte da vida, e dificilmente farão parte dela de uma forma bem sucedida sem terem feito parte da etapa de preparação para ele.

Finalizando (que já me estou a sentir perdida nesta escrita), o que me parece certo é que, com todas as nuances na função do professor consoante o nível em que lecciona, ela tem que ser exercida bem e com grande investimento, o que ficará à partida comprometido se se lhe roubar espaço e tempo com acréscimos de funções. O espaço e o tempo para todas as iniciativas de carácter extracurricular ou inter(/trans)disciplinar de professores ou de grupos de professores é também imprescindível, mas essas iniciativas variam consoante o que para cada um é significativo e se integra na sua própria aptidão.
Eu meti-me nalgumas, eu envolvi quase sempre as turmas da minha direcção de turma (e envolvi-me) para alguma experiência/vivência que as fizeram crescer mais um pedacinho e fizeram os seus pais encantar-se com os filhotes de 10 ou 11 anos. Entretanto, por exemplo, a minha colega que se meteu num clube de teatro (sem especial formação nessa área) e fez as suas crianças crescerem durante o processo que culminava em representação de peças com tanto sucesso que foram apresentadas fora da escola e também fizeram os pais encantarem-se com os filhotes, possivelmente não teria jeito nenhum para as iniciativas que eu tive, como eu seria incapaz de fazer o que quer que fosse de jeito num clube de teatro.
São iniciativas/acções que se incluem na função do professor, mas que não se decretam - decretam-se os objectivos educacionais, decretam-se as habilitações que o professor tem que ter, mas não se decretam tendências particulares nem paixões (não se decreta isso em nenhuma profissão, e para a nossa são precisos milhares de profissionais).

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Pausa (mas para, a seguir, continuar)


Bom fim de semana!


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Pela necessidade com que ando de ter fins de semana em que a mente relaxe com "aragens leves e frescas" e coisas simples, teria feito a pausa na escrita depois do penúltimo post se não tivesse visto o desafio divertido sobre manias. Entretanto, penso tentar dar o meu ínfimo contributo para a discussão, após a pausa do fim de semana, trazendo da caixa de comentários para primeiro plano excertos do que já nela foi escrito, se for capaz de uma certa síntese - nisso pensarei na altura.
O que quero para já salientar é que não escrevi como quem pensou prolongadamente e chegou a alguma conclusão, mas sim como o começo (sublinho COMEÇO) de que tenho andado a sentir necessidade pessoal para, a partir de uma ponta, tentar prosseguir devagarinho algum fio desbaralhado e coerente.
Eliminar ou evitar confusões não clarifica, por si, o caminho. A função do professor e a função da escola no tempo actual constituem, no seu conjunto, uma questão bastante complexa, que requer estudo e contributo de muitos saberes, mas uma questão complexa é uma coisa, confusões prévias sobre ela são outra. Além de que não é uma questão resolúvel isoladamente de outras, as políticas governamentais (e também a participação de todos os elementos intervenientes na sociedade) não podem ser vistas como que atribuídas a pelouros a que coubesse, a cada um deles, tricotar o seu quadrado de lã para uma manta de retalhos e depois pretender-se cosê-los a dar o aspecto de uma política global.
E, acrescente-se, as confusões podem ser o meio conveniente para os governos (e não só) quando estes não têm a vontade política necessária, ou não são capazes de resolver as questões prioritárias, ou simplesmente não podem (até incluo esta hipótese benevolente, o que não admito é que deitem poeira para os olhos do país ou queiram fazer da escola o bode expiatório dos males daquele).
Em suma, no post de 5ª feira, eu comecei a escrever apenas na necessidade pessoal de proteger a minha mente de confusões. A minha neta, por vezes, ao brincar na minha salinha de trabalho, ocasiona que eu tenha que fazer o percurso desta para a cozinha com cuidado para não tropeçar nas suas construções de brincar, para não me desequilibrar ao saltar por cima delas ou para não as deitar ao chão. Mas isso é ocasional, o normal é ir sem me deparar com e precaver de "confusões" no caminho, porque o que tenho a fazer não é atingir a cozinha, é sim preparar nela um jantar para os netos (quando se trata deles) saudável, de que gostem e não fique estorricado. E trata-se só desse pormenor do jantar, não se trata de cuidar da saúde e bem estar dos portugueses TODOS nem de diligenciar para que o futuro das nossas crianças e jovens não fique estorricado.

Manias...



Adenda: Depois de escrever fiquei confusa sobre o que são manias e então fui ao dicionário ilustrado...


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    »Mania de não funcionar nem garantir boa disposição antes do ritual do meu café duplo (caseiro, mas de máquina a sério), prolongado por pelo menos 20 minutos (cigarro entre os dedos), pensando.
    *(Quando uma das minhas filhas me telefona calculando haver 100% de probabilidades de já me ter levantado da cama, pergunta sempre, à cautela: Mãe, já tomaste o teu café? E, se acaso respondo que estou a tomá-lo, "foge" com um Telefono daqui a bocadinho, até já. )

    »Mania de deslindar a coerência em tudo e de abolir da minha vida qualquer incoerência que detecto e não consigo concluir que afinal não é incoerência.
    *(Inclui a mania de identificar e evitar faltas de rigor no meu raciocínio - "manias" da matemática?)

    »Mania de barafustar terrivelmente quando me querem obrigar a fazer coisas que considero perdas de tempo.
    *(Adoro fazer algumas coisas que, objectivamente, são perdas de tempo, mas essas sou eu que quero fazer)

    »Mania de deitar fora todos os papéis que não entraram pelo pc.
    *(Excepto alguns anteriores ao pc e outros especiais, associados a um regresso, já avó, aos bancos da escola - que, aliás, procuro dispensar dada a baralhada em que estão no respectivo monte)

    »Mania da independência.
    *(Pois tão cedo teve que causar algumas mágoas a outros a quem queria/quero bem - e a mim também queriam/querem bem -, que talvez seja excessiva, por isso admito incluir uma pontinha na categoria de Manias)

    »Mania de adiar a hora de dormir.
    *(Nasceu de outra mania - a de que o meu cérebro só produz à noite -, a qual originou o hábito de adiar o dormir mesmo sem motivo nenhum, hábito que me faz perder os cheiros e sabores matinais, para já não falar de andar há que tempos sem ver nascer o sol - ou será porque há muitas nuvens a não deixar vê-lo nascer?)

    E agora os cinco bloggers a quem passo o desafio (Vão seis, desculpo-me porque o Rui e a DE LBug têm o mesmo blog):

    Rui - Os (In)Docentes
    The LBug - Os (In)Docentes
    emn - Reflectindo
    ag_silva - Arte por um canudo 2... de Agostinho
    Madalena
    - Chora-Que-Logo-bBebes
    Ana Cristina - Vida de Professor

    E agora... os cinco a quem não deixaria de passar o desafio se o Miguel Pinto não se tivesse já adiantado - fica o desafio em duplicado (também para ele, ora pois, já revelou cinco manias, mas foi ele que me meteu neste "desvendar", pode acrescentar outras cinco!)

    Miguel Pinto - outrÒÓlhar
    Miguel Sousa - Língua de Trapos
    Teresa - Tempo de Teia
    Tit - O canto do vento
    adkalendas - Micómio

    quarta-feira, fevereiro 08, 2006

    Começar por desfazer confusões...

    ... sobre a função do professor ou da escola.

    ou

    Se a confusão se insinua devagarinho, acabará por nenhuma função ser bem cumprida.

    (Adenda: Alterei a ordem em que estiveram escritas inicialmente duas partes deste post, demasiado longo, em que a parte intermédia poderia ter sido um post prévio)

    Como um vago cheiro que se sente e se espalha na atmosfera, assim sinto também a começar a insinuar-se nos próprios professores um certo clima nebuloso a criar insegurança até no que dantes era claro - e por poucas que sejam as linhas de actuação sobre as quais não tenhamos dúvidas permanentes ou renovadas, sempre houve algumas básicas em que me parece que começar a interrogá-las é tão perigoso e impeditivo de avanços qualitativos quanto é impeditiva desses avanços a recusa ou fuga a outras auto-interrogações.
    Cada vez mais, nestes últimos 3 ou 4 anos, nos defrontamos com maior número de alunos e de turmas já de anos escolares não iniciais a tornar-nos verdadeiramente difícil e extenuante conseguir ensinar, conseguir funcionamentos de aula que permitam aprendizagem, conseguir que queiram sequer aprender qualquer coisa.
    E a realidade exterior à escola, que faz que nos andemos a defrontar com turmas indisciplinadas e muitos (demasiados) alunos que nada fazem por si mesmos para aprender, anda a ser o tal clima nebuloso a criar insegurança nos professores sobre a sua função, a fazê-los sentirem-se responsáveis ou culpados, quiçá a perguntarem-se alguns se ensinar matemática, inglês, geografia ou história é indispensável para preparar para a vida ou se não deverá antes a escola substituir a família e as diversas vivências do crescer. Dão-se aulas de formação cívica para discutir temas teóricos (espero que ao menos escolhidos com os alunos), como se valores como o respeito mútuo, a cooperação e a solidariedade não devessem e não pudessem ser aprendidos, na prática, nas aulas de todas ou quaisquer disciplinas se estas tivesssem uma estrutura de funcionamento democrático e cooperativo, como se o respeito, por exemplo, pelo ambiente ou pela própria saúde não devessem e não pudessem ser desenvolvidos em iniciativas da escola envolvendo a participação dos alunos; dão-se aulas de estudo acompanhado, como se aprender a estudar não devesse e não pudesse ser aprendido nas aulas de todas ou quaisquer disciplinas, como se uma das primeiras funções delas não fosse fomentar o trabalho, fazer aprender que é preciso pensar e é preciso esforço, não fosse, em suma, preparar para a responsabilidade e a autonomia.
    Por último, creio (e sempre assim pensei) que afectividade não tem que ser, nem é sequer desejável que seja, estabelecimento de elos afectivos fortes aluno-professor, sob pena de que o aluno tenha que fazer um luto de cada vez que se separa do professor. Os alunos percebem bem que o afecto do professor está no seu gosto e empenhamento em que todos aprendam, na sua atenção, disponibilidade e envolvimento na aprendizagem de cada um, nas suas zangas pelas preguiças porque não lhe é indiferente que aprendam ou não. E perceberão pouco tempo depois de deixarem o professor como foi importante para o seu futuro escolar (e não só) que ele não os tenha infantilizado com excessiva "compreensão", que tenha apostado em que eles são capazes de fazer outras coisas que não só as fáceis, que não tenha prolongado as ditas actividades de recuperação enquanto nem um TPC fazem e que não os tenha tratado como "alunos com dificuldades de aprendizagem" quando esse rótulo é na maior parte dos casos uma treta. E isto às vezes tem que ser um pouco duro, pode parecer falta de afectividade, até resmungam (mas resmungam em voz alta, para o próprio professor, quando sabem que o podem fazer sem medo - e quando sabem que o podem fazer, os resmungos não são desrespeitosos pois o respeito é uma coisa que nasce espontaneamente do apreço). Na escola, se têm afectividade na família, os amigos são os seus pares, do professor esperam, mesmo quando não parece, que seja um bom professor, o que para eles (e na nossa própria concepção) inclui, obviamente, que seja amigo como professor).
    (Confesso que fico bem mais contente quando encontro mais tarde alunos como aquela aluna que me dizia "tenho-me lembrado tanto de si, agora é que percebo bem porque é que nunca mais me dava o 4, só mesmo no final, eu esforçava-me e cheguei a achar que a stôra era injusta, agora é que percebo que estou a aguentar-me bem na matemática graças a si" - fico bem mais contente com estes encontros posteriores, que me dão segurança e tranquilidade pois nem são pouco frequentes, do que com lembrarem-se de me procurar no dia das actividades de final do ano para me darem um beijinho de despedida).


    Quando leccionava 2º Ciclo, tinha turmas difíceis não pela turma em geral, não pela maioria dos alunos, mas porque entre eles havia alunos a que chamamos problemáticos - aqueles alunos que, esses sim, precisam que substituamos quanto possível os pais que não têm porque as condições pessoais e sociais lhes retiram capacidade para o serem, aqueles alunos cuja agressividade e comportamento não são mais do que reacções de infelicidade e revolta ou o único modo de serem "bons" em qualquer coisa porque nada os valida aos olhos de ninguém nem aos seus próprios, a sua auto-estima passa então por serem os melhores na desestabilização de aulas e recreios, e tudo isso não é mais do que, afinal, um grito mesmo que inconsciente de chamada de atenção. Para esses, se me perguntarem o que devo dar sobretudo - afecto ou leccionação - não tenho dúvidas em responder: afecto. Mas, até aí há (e isso sempre houve) uma confusão, pois se nenhuma criança pode ter equilíbrio emocional/psicológico na ausência de afectos, qualquer psicólogo esclarecerá que o seu equilíbrio também precisa de firmeza educativa, não excluindo punição. Aliás, eles são os primeiros a apreciarem isso desde que percebam que o professor que lhes recusa firme e severamente o direito de não respeitarem os outros (respeito a que são tão sensíveis quando alguém, por exemplo, os ofende) e até os pune é o mesmo que, logo a seguir, os ajuda, apoia, estimula, fica triste quando ouve novas queixas dele - o mesmo, também, que compreendeu desde o princípio como ele vive, em que meio familiar e/ou social decorreu e decorre a sua infância ou até já a sua adolescência.
    Todavia, esses alunos não são a maioria, nem sequer em geral estão nas turmas de anos mais avançados, atingiram com várias repetências o limite de idade da escolaridade obrigatória, as escolas algumas vezes até conseguem encaminhá-los para uma via que os motiva (conseguem os seus directores de turma, por intermédio dos serviços de psicologia e de apoio ao aluno e à família existentes na própria escola (quando existem). E também não é por ser função dos professores fazerem papel de pai e mãe que o tentam fazer, até porque não é desses "pais" que eles são carentes, esse papel é demasiado insuficiente e é efémero; professores assumem um papel que sabem insuficiente, sabem que a escola não pode - não pode mesmo - resolver os problemas sociais, fazem o que podem e dedicam-se porque os governos, a quem compete resolvê-los, pouca (estou a ser comedida) prioridade dão a isso. Muitas coisas que professores fazem, não as fazem por ser sua função. Ainda bem que ao menos o professor tenta, já que mais ninguém o faz, mas, se se disser que é sua função, estar-se-á a contribuir para cada vez maior demissão de quem o deve fazer, e, ainda por cima, inutilmente porque fora da escola as suas vidas continuam.
    "O que fazer deles? O óbvio. Começar por perceber o que está mal com "eles": "Eles" vêm de famílias disfuncionais ou de bairros disfuncionais. Pois bem, de pouco ou nada serve dar-lhes aulas de apoio, fornecer tutores e criar as tais turmas de percurso curricular alternativo, se não se intervier junto da família e junto do bairro em termos comunitários. Ora a isto chama-se serviço social, não é função da escola, é do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, autarquias e não está a funcionar. Enquanto isto não se fizer, "eles" continuam na escola a ocupar lugar, agastar o dinheiro de todos nós e a perturbar o funcionamento da dinâmica de aprendizagem, E continuam com fome, e continuam a assistir à violência física entre os pais e à violência da lei do mais forte na rua do seu bairro e ao roubo. Porque intervir socialmente implica ir lá, sujar as botas, trabalhar com as famílias e o bairro, restituir-lhes dignidade e auto-estima pela mobilização dos seus valores e das suas qualidades, implica mobilizar as pessoas para fazerem alguma coisa por elas próprias..." (João Rangel de Lima).

    Todavia, esses alunos não são a maioria, nem sequer em geral estão nas turmas de anos mais avançados.

    terça-feira, fevereiro 07, 2006

    ...

    Of Wishing to Fly

    Maggie Hasbrouk

    Alternativas...

    Como o dia em que a minha neta tirou o gesso da perna era de festa para ela, arranjei um bocadinho para ir, numa corrida, levar-lhe uma prenda especial - um livro oferecido pela própria autora. E li-lhe um dos "Provérbios Despenteados" - ela já lê, mas devagar, quis ler-lho eu e ela riu e gostou (só tem sete anos, tem que ficar para mais tarde o gostar de outra maneira).

    Filho de peixe
    sabe nadar...


    Mas se não souber
    inventa umas asas
    e aprende a voar

    ou afina a voz
    e põe-se a cantar


    ou sai do provérbio


    pega na mala
    apanha boleia


    e vai viajar!
    Teresa Martinho Marques

    segunda-feira, fevereiro 06, 2006

    Picasso... em jeito de adenda ;)














    Head of a woman
    ... with crossed hands

    Por esta ponta não chego lá

    "Preciso de começar por uma ponta", tenho andado a dizer-me. E a ponta podia ser o meu campo de observação directa - a minha própria escola.
    A reconstituição dos factos (e do seu evoluir) dá-me um retrato. Factos desde o plenário de abertura deste ano lectivo, professores expectantes, novos horários e tarefas ainda em ultimação, depois os efeitos do embate e as reacções efervescentes, seguindo-se o modo como se aplicou a componente não lectiva e a ocupação de alunos sem aula (também uma ou duas propostas que colheram palmas mas mais não colheram além delas, diga-se), chegando-se posteriormente a mais burocracia de uma papelada que a autonomia não reduziu, ao correr de papeis de mão em mão nas reuniões de avaliação para individualmente se porem cruzinhas e acrescentar escritos nos chamados planos de recuperação (cada um no seu compartimento), até ao último facto notório até ao momento: as alterações de vários horários, quer devidas à rectificação do ME sobre o máximo de horas para substituições, quer decorrentes de propostas de aulas de recuperação / horas de sala de estudo por parte de professores de várias disciplinas (cada um com os seus motivos para equacionarem ou reequacionarem a baralhada entre lectivo e não lectivo)
    Retrato decerto parecido com outros de outras escolas. Decerto, também, outros havendo diferentes destes mas parecidos entre si, podendo-se provavelmente ter categorias de retratos segundo graus de autonomia, de mobilização, iniciativa e criatividade para recusar entreter meninos e dar-lhes, sim, reforço na formação global e oportunidades de motivação para aqueles que causam problemas porque a escola nada lhes diz, e até de perspectivação de mudanças necessárias à escola de massas e simultaneamente escola para o século XXI - graus cuja escala, obviamente, começa no zero, haja nele ou não retratos reais. E os retratos mostrarão também diferenças, entre escolas, de condições físicas e recursos, a menos que os fotógrafos desviem a lente das vistas dos fáceis possíveis e dos quase impossíveis.

    Porque me reporto apenas aos factos novos decorrentes de medidas novas, este retrato não mostra as actividades extracurriculares, os projectos em funcionamento, nem as relações pedagógicas e os trabalhos devotados que acontecem, anónimos, dentro de várias salas de aula, pois não são factos novos, e bastantes professores, sem serem obrigados, passavam muitas horas na escola para além do seu horário lectivo - mas esses factos "velhos" concorriam para caracterizar a qualidade da escola.

    A este retrato do conjunto dos factos novos não guardarei num album nem na memória positiva - isso é verdade. Mas os factos têm explicações, elas não se vêem no retrato, nem se vêem nele causas, motivos extrínsecos e motivações (essas intrínsecas). Conjecturas e hipóteses tenho bastantes, e hipóteses são necessárias, mas entre elas e conclusões, ainda mais generalizações, vai muito estudo. Por isso, olho o retrato e páro a escrita.
    Opiniões e conjecturas são legítimas e necessárias nas discussões com outros que interrogam, sabem não serem detentores da análise correcta e completa e querem, num reflectir conjunto feito de diversos contributos, chegar a algum discernimento que nos oriente. Mas já as recuso com interlocutores que, vivendo fora dos terrenos que habitamos, têm certezas - aí até prefiro por vezes fazer de "advogado do diabo", e isso não é por corporativismo, cujo espírito não tenho e várias vezes acuso.

    sexta-feira, fevereiro 03, 2006

    Porque desejo já bom fim de semana

    Quando se anda a ter que eliminar temas sobre política educativa, escola ou professores das conversas com os maiores amigos não professores (ou professores do ensino não "inferior"), os fios emaranham-se ainda mais e a cabeça fica a doer.
    Que nos anda a acontecer? Para os amigos somos, claro, excepções, mas afinal porquê? Porque nos conhecem, mas não conhecem as escolas? Porque, sobre elas, sabem algumas verdades que nós também sabemos, mas conhecem só essas? Porque...?

    De uma coisa tenho a certeza: se quiser ajudar um aluno incompetente a tornar-se um aluno competente, não o conseguirei se começar por lhe chamar incompetente. (Julgo que "aluno" é só um exemplo do que quero dizer, ou estarei enganada no que quero dizer para além dos alunos?).

    Neste momento a quente sobre o que me levou a escrever as duas primeiras linhas (a quente, mas já tem havido outros em que um diálogo toca o agreste jamais antes possível) quero entrar em fim de semana, não quero durante ele pensar nem 99 vezes nem uma só nos referidos temas, não para mergulhar no silêncio em que a verdade é revelada pois não sou Einstein, mas para ir fazer apenas umas futilidades, depois um programa com os netos no domingo, e... reler também um dos poemas (em poema ou em prosa) de Vinícius sobre a amizade... ou talvez só algumas linhas... talvez daquele que está ali... e não só reler algumas dessas linhas, pensar também que Amigo...
    ...Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto dos ventos e das canções da brisa. (...) Não é preciso que seja de primeira mão (...) Não é preciso que seja puro, nem que seja de todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. (...) Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grande chuvas e das recordações de infância (...) contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. (...) (Vinícius de Moraes)

    Entretanto, bom fim de semana aos amigos daqui... (leia-se da blogosfera).

    quinta-feira, fevereiro 02, 2006

    Do silêncio...


    Penso 99 vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho no silêncio, e a verdade me é revelada.
    (Albert Einstein)


    Livio Benedetti, Elegie du silence

    quarta-feira, fevereiro 01, 2006

    Adenda

    Escrevi o post anterior na escola. Não tive uma aula, a turma fora escolhida para dar apoio no Corta Mato concelhio hoje realizado, onde participavam, claro, alunos da escola.
    (Já agora, aproveito para dizer que o "meu" V., de que falei há dias a propósito de "despachar os repetentes", era o 1º dos cinco seleccionados na categoria Juvenis e ficou em 8º lugar - não dá para ir ao distrital, mas foi um bom lugar :) - ó colegas de Educação Física, eu não percebo nada do assunto, mas estou bem informada porque não deixo que esqueçam de me dar as notícias para o site da escola, e em tudo que é campeonato ou concurso os putos classificados adoram e merecem ver o seu nome na net).
    Mas, dizia, escrevi na escola e depois é que me lembrei que a melhor resposta para disparates é o silêncio (já o dizia alguém).
    Estou cada vez mais com o sentimento de que não me apetece escrever. Temporariamente. Não é desânimo, mas é capaz de ser cansaço de andar a querer ter paciência até se vislumbrar mudança neste mau ano escolar no nosso país.

    Por correio electrónico...

    ... decide-se sobre direitos constitucionais, mexe-se em conquistas de Abril, atrevem-se o sr. Director Regional de Educação de Lisboa, o Senhor Joaquim Barbosa (autor da mensagem) e a srª drª Júlia Araújo (assessora jurídica), a alegar o entendimento que tinham da lei sindical para resolverem enviar às escolas por um emailzito o seu entendimento de que os professores (da DREL) não poderão participar ao abrigo da lei sindical em reuniões sindicais fora da sua escola, como se também tivesse sido coisa análoga a mero emailzito o processo de aprovação da nossa lei sindical.

    Os direitos sindicais dos trabalhadores em geral. consagrados na Constituição da República, encontram-se definidos no Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, tendo sido aplicados aos trabalhadores da Administração Pública até à aprovação da lei especial para os mesmos (naquele prevista): o Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março de 1999 , cujo preâmbulo bem mostra não se tratar de legislação a poder ser mexida ou "relida" por uma qualquer direcção geral, nem por um ministério da educação. Nesse preâmbulo se descreve o processo:
    "(...) Inserindo-se a matéria na reserva relativa de competência da Assembleia da República, a esta o Governo submeteu a necessária proposta de autorização legislativa. Após alargada discussão pública (...) E assim (...) é aprovado o presente decreto-lei, que assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício, garantindo, desta forma, o direito constitucionalmente reconhecido a todos os trabalhadores."

    [Direito "a todos os trabalhadores", neste Decreto-Lei especificamente referido a todos os trabalhadores da Administração Pública, nos quais se incluem todos os professores do ensino público. Mas o "entendimento" dos referidos senhores determina uma proibição para os professores abrangidos pela DREL... não enxergam esses senhores que não são mais que uma direcção geral regional de um ministério da educação a mexer na prática em toda a Administração Pública, nunca questionada à luz da lei??? Ou sou tão estúpida, tão estúpida, que não consigo vislumbrar no tal email mais do que atrevida acefalia, numa cega obsessão de evitar grande discussão na revisão do ECD?]

    P.S. De ler, no
    Decreto-Lei nº 84/99, o artº 27º, que consagra o direito ao exercício da actividade sindical no local de trabalho, e o artº 29º, que confere outro direito: " 1 - Por motivos excepcionais, as associações sindicais, ou os respectivos delegados, poderão convocar reuniões dentro do horário normal de funcionamento dos serviços. 2 – Cabe exclusivamente às associações sindicais reconhecer a existência das circunstâncias excepcionais que justificam a realização da reunião" (não sendo mencionado local) .