sexta-feira, setembro 23, 2005

Matemática e métodos de ensino - Adenda

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Adenda III (ao texto mais abaixo)
Que adendas desordenadas! É que nos blogs escreve-se de momento, não se "prepara" um artigo. E queria deixar num mesmo post sobre o tema as notas que não me ocorreram logo, mas sem as quais o que penso e defendo sobre o assunto pode ficar distorcido.
Todos sabemos que um método de ensino não vale por si só, vale pelo que o professor fizer com ele. Não há padrões, muito menos um padrão único. O que me parece essencial é que o ensino-aprendizagem da Matemática, pelo menos para os mais novos, da escolaridade obrigatória, assente num método verdadeiramente activo, de modo a conduzi-los, sempre que possível, à (re)descoberta, e à construção da sua relação com a Matemática. E seria um erro, a meu ver, que o professor, ao interiorizar isto, se forçasse a modos de o pôr em prática mediante modelos que não sejam já significativos para ele. Das teorias e dos artigos fundamentados que não faltam sobre a educação matemática, o professor recolhe novas perpesctivas, e o que delas fica nele é o que pessoalmente (re)constrói no alargamento e aprofundamento da sua prática, não na demolição de tudo o que já construiu no seu modo de ensinar. Defendi a estrutura de aprendizagem cooperativa porque ela foi significativa para mim desde o meu início. Mas dela o professor pode bem retirar pistas para um método efectivamente activo sem se forçar a adoptá-la.
Última nota: Um método efectivamente activo também assusta alguns professores (sobretudo em ambientes de ensino ainda bastante tradicionais) pela ideia de que o tempo não chegaria para "dar a matéria" - mas há que interrrogar o facto de alunos que sabem a matéria falharem redondamente, por exemplo, num exame que (correctamente) exige menos dos conteúdos e mais das competências de interpretação, relacionação, dedução lógico-matemática e até de mera identificação, entre as tais matérias sabidas, de qual há que aplicar na situação.
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Num post que escrevi (em momento prematuro por estarmos em férias, e que se encontra aqui), referi resistências e desistências relativas a um método de ensino-aprendizagem da Matemática, nas idades da escolaridade básica, que chegou a ser uma directiva e, progressivamente, se desvaneceu. Escrito sob o impulso de uma citação lida num outro blog, ao relê-lo agora, senti necessidade de algumas clarificações.
Ao falar de uma estrutura de funcionamento das aulas de Matemática assente no trabalho em grupo e respectiva dinâmica, esqueci de pôr o sublinhado. Confunde-se, por vezes, aprendizagem cooperativa com aprendizagem num ambiente de colaboração, ajuda mútua ou ajuda de uns a outros. Mas, desenvolvimento do espírito de colaboração ou de ajuda, sendo objectivos educacionais desejáveis, que podem ser perseguidos por qualquer professor de qualquer disciplina, nada ou pouco tem a ver com a aprendizagem, em si, da Matemática. A defesa da aprendizagem cooperativa na educação matemática, implicando, obviamente, a colaboração entre pares, pressupõe, por um lado, o efeito da dinâmica de grupo, e esta não surge apenas porque alunos estão trabalhando juntos e colaborantes numa mesa; pressupõe, por outro lado, atividades cognitivas que envolvam tentativas de construção, conjunta e partilhada, face, por exemplo, a um problema ou a uma solicitação à interpretação ou à explicação de uma situação.
"É através das situações e dos problemas a resolver que um conceito adquire sentido para o aluno" (Vergnaud, 1970). A aprendizagem é um processo construído internamente (a menos que se chame aprendizagem ao simples facto de o aluno memorizar e saber repetir ou fazer o que o professor ensinou ou treinou), que requer reorganizações cognitivas. E, a estas, não tenho dúvidas de que são bastante favoráveis os confrontos de respostas diferentes entre pares, em que uma discrepância entre conhecimento ou pontos de vista é propícia a gerar os conflitos cognitivos, reconhecidos na psicologia como propiciadores de situações de desenvolvimento cognitivo.
Só para terminar, acho oportuno lembrar um nome: Jean Piaget (que explicitava o termo cooperação: co-operação). E, para o lembrar tal como exactamente o considero, cito João Rangel de Lima, do Inquietações Pedagógicas: "O genial Jean Piaget que ainda espera ser compreendido/aplicado". Mas acrescento que, não tendo sido Piaget pedagogo nem teórico da aprendizagem, não deixou de escrever umas mensagens aos pedagogos, essas bem simples de ler, compreender e aplicar.
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Adenda II
Poder-se-à perguntar como, então, nos tempos em que se ensinava expondo e explicando longamente para turmas disciplinadamente em silêncio, havia alunos que desde cedo eram bons/excelentes em Matemática. Passando por cima do facto de que, nesse tempo, era uma elite que estudava e prosseguia estudos (elite pelo número), recordo-me miúda de liceu e respondo (na minha perspectiva pessoal, claro).
Até acho que nasci a gostar de Matemática, por isso, entre disciplinas a que não estava atenta por fastio ( e até ia chumbando numa no 7º ano por passar as aulas a jogar a batalha naval com a colega da frente), em Matemática estava de facto atenta. Também tive a sorte de qualquer das duas professoras que tive serem boas professoras em termos de exposição organizada e clara, e de não serem tão distantes dos alunos como o era a maioria. No entanto, tenho a certeza de que não teria tido o meu 20 no exame do 5º ano e o meu 19 no do 7º (desculpem a imodéstia, mas é precisa para chegar ao que quero dizer, e também tive notas bastante medianas em várias outras disciplinas), se não acontecesse o seguinte: Era em casa (nessa idade era estudante "aplicadinha" e briosa, mas na Matemática fazia-o por gosto) que, com os apontamentos e problemas resolvidos no caderno, com vários passos que até poderia tentar memorizar, mas que na aula ficaram obscuros dado que a tolerância à colocação de dúvidas era bastante limitada, era em casa, dizia, que eu, com o meu lápis no papel (ando sempre a repetir que a Matemática não entra pelos olhos e ouvidos) reconstruía, às vezes penosamente, o que ouvira e trazia no caderno. Era em casa, em suma, que eu descobria, que a aprendizagem se tornava o que se chama em psicologia uma aprendizagem significativa, que se estabelecia a minha relação com a Matemática. As professoras ensinavam bem, mas há aprendizagens que só acontecem pelo (re)descobrir.
Será que não seriam semelhantes os testemunhos de "bons" alunos em Matemática dessa época de ensino não só tradicional, mas em que o aluno era, em geral, ser totalmente passivo na sala de aula?
Com este simples testemunho, apenas quero dizer que a educação matemática tem que ser para todos (ou tantos quanto possível), pelo que têm que se questionar também os métodos, pois até são poucas as crianças que nascem com o "esquisito" gosto por essa disciplina, e depois, ainda por cima, ouvem falar dela desde pequenos como o papão da sua vida escolar.

4 comentários:

maria disse...

É verdade. Nas aulas estávamos atentos - não havia um ruído, uma interrupção. Em casa havia o trabalho e esforço individual de apropriação da matéria. Também sou desses seres estranhos que gostam de matemática desde pequenos. Não havia métodos activos nessa altura, estudávamos técnicas e aplicávamo-las na resolução de problemas. E fazíamos demonstrações de teoremas e propriedades que acho ser uma falha hoje.

Anónimo disse...

Parabéns.
Gosto do teu blog.
É urgente e importante reflectir sobre o insucesso na matemática
Pessoalmente custa-me muito entender a aversão/má relação com esta disciplina
Gosto de matemática e gosto de ajudar os alunos a gostar também.
Era para mim muito gratificante ouvi-los dizer entre si "afinal isto até é fácil".
Era fácil porque num ambiente disciplinado mas descontraído eles iam descobrindo e construindo o seu próprio saber, dialogando com o grupo. Partilhando conhecimentos e ideias iam ganhando gosto pelos desafios propostos, confiança em si próprios, modificando a sua relação com a Matematica e não menos importante, cimentando amizades e aprendendo a ser solidários.

m.n.

IC disse...

m.n.
Finalmente, uma visita à blogosfera :))) Espero que voltes, que a Matemática precisa do contributo da tua experiência, e eu preciso do teu apoio na nossa defesa de convicções comuns. Obrigada e abraço.

Anónimo disse...

é como se contassemos varias vezes a história do bicho papão para as crianças, elas iam chegar em casa e teriam medo do escuro, se alguém não interver excelentemente eles vão continuar com esse medo. Agora imaginem que várias pessoas contem a mesma história!

As sociedade constitui em termos culturais estas crianças, discriminam a ciencia da matematica, e perpetua a tradição da aversão a esta disciplina.

Assim como aquelas histórias que são contadas para dismitificar o bicho papão, devemos nos aproximar para desfazer o mal que consequentemente este mesma sociedade estão fazendo com as nossas crianças.