segunda-feira, junho 26, 2006

Plano de Acção para a Matemática - I

Nota prévia:
Neste meu comentário (e na sua continuação noutro post), cingir-me-ei às medidas para o 2º Ciclo ou para escolas com 2º e 3º ciclos, e a serem implementadas desde o início do ano lectivo de 2006/2007.

Medida 1 -
Elaboração de Planos de escola de combate ao insucesso na Matemática
[Em síntese - Um conjunto de medidas que possibilitem, a médio e longo prazo (final do ciclo) melhorar os resultados dos alunos, partindo da análise dos resultados destes e de cada turma].
Nada poderia ter a objectar, obviamente, se, na restante redação desta medida, alguns "pormenores" prescritos me não parecessem perigar de conduzirem a uma grande diferença entre uma orientação de trabalho correcta e o desvio desse trabalho do essencial para o acessório de mais papelada a redigir, sob ordens exteriores, e a enviar (no que está implícita a ideia de controlar) a quem, provavelmente, nada sabe sobre causas de insucesso ou de desmotivação relativas à Matemática, sobre os diversos porquês de resultados em exames e sobre estratégias para minimizar tudo isso.
O que eu vejo de pernicioso e desviante do essencial não é, claro, a concepção de planos e de projectos, nem sequer uma necessária redacção que defina as suas linhas essenciais, mas sim o efeito perverso, que sobejamente tenho constatado, da feitura imposta do exterior de documentos com todos os rr e ss e, pior ainda, se para serem exibidos, ou submetidos à apreciação de quem não intervém na execução do que é planeado.
Precisamente para explicar esse efeito perverso é que escrevi um Preâmbulo em entrada que antecede a presente e no qual descrevi dois exemplos, seguidos de outro alusivo à diferença entre conceber (um plano) e burocratizar (um plano).
Em suma, a Ministra da Educação não se limita, como devia, a traçar uma orientação, que é correcta. Quer papeis para controlo, esses papeis cuja redacção acaba por passar a primeiro plano, e cuja imposição de fora parece advir da irrealista ideia de que o empenhamento e a superação de eventuais não empenhamentos dependem da escrita de um plano.
Outro "pormenor" acresce: o plano e seu cumprimento será supervisionado por um Supervisor do GAVE. Quem? Um competente professor de Matemática, experiente no respectivo nível de escolaridade?

Saltando a medida 2 (relativamente inócua),

Medida 3 - Desenvolvimento, no âmbito do Plano a apresentar ao ME, de projectos de trabalho conjunto entre os professores de Matemática e de Português.
Eu diria: finalmente!!! Mas... aquelas palavrinhas no meio - "no âmbito do Plano a apresentar ao ME" - levam-me a temer 'projectos' = 'projectos' + 'papelada bonitinha acessória', ou seja, a considerar também um pouco o que já disse a propósito da Medida 1.
(Sem que este reparo invalide não só a importância de não ser esquecida pelos professores de Matemática e de Português a interacção entre o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático e o do uso compreensivo e preciso da línguagem, mas também a pertinência, direi mesmo necessidade urgente de, ao menos em conselhos de turma, os referidos professores sairem dos seus compartimentos - e também os outros, que não estão dispensados de concorrererm para o desenvolvimento, nos alunos, de competências quer no domínio do português, quer no âmbito de algumas competências que certas pessoas parecem entender como específicas da Matemática, mas que não são de facto desenvolvíveis só nesta.)
Quanto a estas, paro por hoje os meus comentários.
Paro, porque eu nem tenho nada contra supervisores numa perspectiva de avaliação - formativa -, muito menos tenho contra a formação contínua ser proporcionada, foi sempre uma reivindicação dos professores, mas esta ministra tem o jeito de tornar o que seria natural e desejado em algo que eu já tinha na cabeça como título de outro post - Humilhação?
Adianto apenas que uma coisa é formação contínua, outra é pôr em causa a formação académica de que partiu a preparação do professor (sem, no entanto, note-se, pôr em causa nenhuma instituição formadora), e anda a parecer-me que a Ministra tem um especial jeitinho para dar a ideia de que os professores de Matemática não sabem Matemática (ao que não vão escapar os do 3º Ciclo e do Secundário, tal como os muitos que leccionam essa disciplina no 2º Ciclo com uma licenciatura universitária específica ou afim. (Alguns colegas, formados para o ensino do 2º Ciclo posteriormente à década de 80, se acaso carecem de formação científica, foi porque os formadores de ESEs e Institutos congéneres não a tinham, ou, aos que a tinham, foram dadas umas escassas horas para a ministrar, que as outras todas eram precisas para as Ciências da Educação!).
Mas, como disse, não tencionava comentar hoje aquelas medidas, já escrevi, portanto, umas linhas a mais, um comentário com alguma maior ponderação fica para outro dia em que, para tal, tenha disposição e... calma.

P.S
.:
Bem, esfreguei os olhos, voltei a lê-la, era mesmo o que tinha lido à primeira vez. Embora não faça parte das que serão implementadas no início do próximo ano lectivo, já não ficarei apenas por mais uma entrada a concluir a presente, vai mesmo sair-me outra só dedicadinha à Medida 12.
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ADENDA
O comentário do Miguel Pinto a esta entrada fez-me tomar consciência de que, neste meu modo de escrever depressa, "ao correr da pena", quando escrevo na blogosfera, deixo pensamentos pouco claros para quem lê. Assim, esclareço que, ao ter feito referência à formação ministrada por "ESEs e Institutos congéneres" e às horas destinadas às Ciências da Educação (conjuntamente com as destinadas às disciplinas específicas, no caso, Matemática e Ciências da Natureza), de modo nenhum considero que, mesmo face à escassez de tempo para tantas disciplinas, as chamadas disciplinas das Ciências da Educação possam ser prescindíveis. Tratando-se de licenciaturas para o ensino com profissionalização integrada, não seria pensável que abrangessem apenas disciplinas de Matemática e Ciências. A questão está, a meu ver, é no 'início de tudo isto', início subsequente à Lei de Bases do Sistema Educativo, com a institucionalização de um novo modelo de formação específico para a leccionação do 2º Ciclo e com a estruturação e ministração dos respectivos cursos pelas ESEs e outros Institutos, sendo do conhecimento geral que a própria qualidade varia e é criticável em bastantes casos, ressalvando-se que nem é justo 'meter no mesmo saco' todas as ESEs quando se referem deficiências, nem esquecer que, paralelamente às ESEs, proliferaram Institutos, sendo também do conhecimento geral que alguns deles têm prestado um mau serviço. Mas, esta questão ultrapassa o assunto da presente entrada, pelo que apenas saliento o esclarecimento acima.

4 comentários:

Miguel Pinto disse...

"se acaso carecem de formação científica, foi porque os formadores de ESEs e Institutos congéneres não a tinham, ou, aos que a tinham, foram dadas umas escassas horas para a ministrar, que as outras todas eram precisas para as Ciências da Educação!)."
Isabel, corrige-me se estiver errado. Os cursos das ESEs eram mais curtos [4 anos, estágio incluído] do que os cursos [via ensino] das universidades.
Nunca as instituições do ensino superior [politécnico e universitário] se entenderam quanto à definição dos núcleos essenciais dos planos de estudo na formação de professores. E não o fizeram porquê? Porque nunca se debruçaram sobre o que é ser professor. Andaram sempre de costas voltadas entretidos com o seu umbigo... mas isto é assunto para outra discussão...
Fico com a ideia, após ler o teu texto, que defendes que as disciplinas das ciências de educação dos respectivos cursos seriam prescindíveis considerando a escassez de tempo para tratar as outras disciplinas [presumo que te referes às disciplinas específicas]. Umas e outras são essenciais, a meu ver. E não me parece que uma visão maniqueísta em que de um lado estão as disciplinas boas e do outro lado estão as disciplinas más sirva para esclarecer completamente a questão principal: o que é que um professor precisa de saber? Um professor que só sabe Matemática nem de Matemática sabe! Se lhe é exigida em exclusivo uma pretensa formação matemática por que motivo lhe é requerida a colaboração com outros colegas de profissão?... A profissão professor é complexa e de banda larga. Por isso é que se exige uma alteração do paradigma de formação: O problema da formação do professor decorre do enunciado do paradigma que lhe subjaz. No paradigma de formação superior pré-bolonha, o aluno era um receptáculo de conhecimentos e a sua capacidade dependia da quantidade de saberes que lhe eram transmitidos. Neste caso, reduzir significava empobrecer. Felizmente os candidatos a professores recebem influências de outros agentes de socialização e é por essa razão que não caio no logro de considerar que todos os professores que fizeram a sua formação inicial nos politécnicos se mostram incapazes para o exercício profissional. Com “Bolonha” a formação sofreu uma cambalhota. É preciso entender isto para não corrermos o risco de repetir os erros do passado.

Teresa Martinho Marques disse...

Olho de lince Isabel... Olho de lince... Eu estou a precisar de quem ainda consiga olhar para as coisas com atenção... para me precaver pois, invariavelmente, lá estarei tb metida nessa coisa da matemática e não me cheira bem pelas razões que apontas...

IC disse...

Miguel:
"Fico com a ideia, após ler o teu texto, que defendes que as disciplinas das ciências de educação dos respectivos cursos seriam prescindíveis....". Já me penitenciei, com uma adenda, da minha falta de clareza - não, de modo nenhum as considero prescindíveis.

"não caio no logro de considerar que todos os professores que fizeram a sua formação inicial nos politécnicos se mostram incapazes para o exercício profissional". Nem eu caio, Miguel! Aliás, até tive oportunidade de conhecer excelentes profissionais com essa formação inicial. Até escrevi "Alguns colegas, formados para o ensino do 2º Ciclo posteriormente à década de 80, se acaso carecem de formação científica...." com "se acaso" a bold.

Por último, se quiser escolher só uma das frases do teu comentário, escolho e destaco esta: "Um professor que só sabe Matemática nem de Matemática sabe!" Aplaudo, pelo que julgo que ficamos "entendidos" sobre convergência de ideias, ao invés da divergência que os meus escritos longos e pouco cuidados quanto à clareza para quem lê pareçam conter. ;)

Miguel Pinto disse...

Quem sou eu para criticar a tua pretensa falta de clareza, Isabel? E logo eu que escrevo com meias palavras a denotar alguma preguiça. :(
Quanto à tua adenda, ela seria escusada para quem [como é o meu caso] vai acompanhando as tuas memórias dia-a-dia. Só que, a meu ver, os comentários também servem para isto mesmo: reforçar ideias que merecem, ser reforçadas, clarificar ideias de escola… ;-)