segunda-feira, junho 05, 2006

A táctica da omissão

Em cima do "Diga lá Excelência", na TV2, hoje com a Ministra da Educação, duas notas, de algum modo ainda à margem do conteúdo da entrevista e das palavras de Maria de Lurdes Rodrigues.

Nota 1
Durante um ano inteiro, jornalistas e outros comentadores foram incansáveis na descredibilização dos professores perante a opinião pública, em afirmações de culpabilização, em acusações de falta de trabalho, de incompetência - usando-se a expressão "os professores", não, sequer, alguns professores. Não se pretendendo intervenção do ME contra a liberdade de imprensa ou de opinião, não deixa o silêncio de ser uma conivência, não deixa de ser verdade que em nenhuma intervenção pública ou entrevista por parte da Ministra ou de seus secretários foi emitida alguma opinião (já que se trata de liberdade de opinião) contrária a essas "opiniões" que encheram a cabeça dos portugueses leigos nas questões da educação.

Nota 2
Do recente discurso da Ministra na sessão de abertura do Debate Nacional sobre Educação, na Maia, conhecem-se afirmações expressas em frases que, mesmo isoladas do restante discurso, dizem exactamente o que dizem. Frases como 'um trabalho - quer das escolas, quer dos professores - "que não se encontra ao serviço dos resultados e das aprendizagens".'; 'ela (a cultura profissional dos professores) é marcada pela actualização dos conhecimentos científicos, mas "não é uma cultura em que os principais desafios sejam os resultados".' 'A cultura profissional dos professores não os orienta para os casos mais difíceis (...)'.
Diz agora a srª Ministra que não disse o que disse, que não falou contra os professores, ou que foi mal interpretada, mas, na verdade, além de esses aspectos que referi na nota 1 e das palavras que efectivamente pronunciou, que têm sido recebidos por tantos e tantos professores como insultos, faltas de respeito e elementos desmoralizadores/desmotivadores, mal terem sido aflorados hoje e logo passados "adiante", o dito discurso não foi publicado - pelo menos não o encontro em lado nenhum e ainda nenhum professor me disse que o encontrou. Porquê?
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Adenda
A seguir a estas notas, passei no blogue do Miguel Pinto, em que, a dada altura da sua entrada, ele pergunta: "Teremos razões para acreditar na boa-fé negocial?"
Consideremos dois exemplos:
a) Com a medida das chamadas substituições, que a Ministra apresentou inicialmente repetindo até à saturação o objectivo primeiro de proteger os alunos de "perigos" de estarem desocupados (lembram-se?), essa titular da pasta da Educação, prepotente, não ouviu os professores. A maioria das escolas não tinha (não tem) condições de meros espaços para implementar núcleos de actividades efectivamente de reforço educativo e até motivadoras para determinados alunos, motivação que, essa sim, pode melhorar o insucesso escolar. Mas isso não convinha ouvir, pois implicava proporcionar tais recursos, sem os quais a medida se tornava uma antipedagogia. E, se os professores, como profissionais e únicos verdadeiros conhecedores do "terreno", não souberem o que é pedagogicamente eficaz e o que é aberração pedagógica, mais ninguém o saberá, pelo que a ausência de audição dos professores e o despreso por esta, a meu ver, não foi mais do que uma hipócrita atitude a esconder os verdadeiros objectivos da medida.
b) Com o arsenal de papelada burocrática que retirou qualquer espaço aos conselhos de turma e aos conselhos pedagógicos para, em equipa, discutirem e planearem o essencial, a ministra pretendeu à força diminuir as taxas de insucesso, nomeadamente, dificultando (quase proibindo) retenção de alunos, o que não é preocupação pelo efectivo sucesso, mas apenas por taxas fictícias. Vir agora falar da necessidade de trabalho de equipa, depois de ter colocado de parte os alertas e as queixas de muitos professores por terem ficado esvaziados os espaços de procura conjunta de estratégias devido ao enchimento dos mesmos de papelada, nomeadamente os conselhos de turma de avaliação logo no 1º Período, mais uma vez torna difícil não ver nisso uma "conversa" hipócrita.

O projecto de novo ECD é, indubitavelmente, antes de mais, uma medida economicista. Ora, uma coisa é serem necessárias medidas economicistas no estado em que está o país, outra é camuflar isso com outros (pseudo)argumentos.
No quadro dos dois exemplos que dei e após um ano de desprezo por pareceres competentes de professores e de campanha consentida contra eles, que resta pensar senão que, num irresponsável esquecimento de que, sem os docentes e contra eles, nada melhoraria, mais não houve que hipocrisia (ou má fé) a camuflar preocupações que, embora tenham que estar também presentes face à desastrosa situação económica-financeira do país, não foram causadas pelos professores, nem pelos mesmos ou pelas escolas foi causada a degradação do sistema de ensino derivada, sim, de sucessivas políticas de desresponsabilização, de experimentações imaturas, de mediocrização dos modelos de formação inicial e contínua dos docentes, de bloqueamento da autoridade e da acção punitiva-formativa (quando indispensável e integrada numa prática democrática e de estímulo) face à indisciplina, hoje generalizada em aspectos apelidados de moderados para distinguir de comportamentos extremos de agressão/violência. Como, também, a meu ver, mais não é do que uma conveniência hipócrita começar por uma tão forte (e até punitiva) avaliação dos professores, bem como das escolas (embora ela seja necessária), ao invés de começar por ter a coragem de mexer, por exemplo, em certas (muitas) formações de professores, medíocres e protegidas por interesses (bastantes) instalados em algumas (várias) instituições formadoras (inclusive, também, de formação contínua) - veja-se a acção de "reciclagem" em Matemática no 1º Ciclo, feita em grande parte pelos mesmos que ministraram deficientes formações - pelo que a tão falada coragem da Srª Ministra afigura-se-me bem limitada.

Para a pergunta do Miguel "Teremos razões para acreditar na boa fé negocial?"... venham então outras respostas, que a minha, até agora, continua a ser Não.

7 comentários:

Amélia disse...

È isso msmo.A entrevista confirmou o que a senhora é.E também o que são as jovens jornalistas (?) que a questinaram.Portanto, nenhuma surpresa.
Mas também eu adoraria ouvir ou ler o discurso da ministra na Maia.
Só que também não sei onde.Só li o que li nos jornais e só ouvi por duas vezes a ministra dizer que não disse o que os jornais ralataram que ela disse.

Anónimo disse...

« Só li o que li nos jornais e só ouvi por duas vezes a ministra dizer que não disse o que os jornais ralataram que ela disse. »

Eu também gostaria de ler,na íntegra o "tal" discurso que a ministra/sinistra diz que não que disse o que disseram que ela disse.Também fiquei com curiosidade ácerca daquelas " marionettes/jornalistas" que pareciam telecomandadas (ontem na rtp2). E, já agora; onde estão os jornalistas "apelidados" pela ministra de mentirosos ? Já responderam ? Calaram ? Então, são mesmo mentirosos ? Mas, continuo a perguntar : onde está a VOZ dos professores ofendidos ? Petições a correr na net são um bom meio de divulgação e de alerta e até de congregação de vontades, mas não é só isso que tem força. É preciso que o país e o governo VEJA,OIÇA e ENTENDA a indignação dos Professores. LEVANTEM-SE e FALEM ALTO.

tsiwari disse...

Daqui sai uma resposta : um redondo NÂO!

Anónimo disse...

INFORMAÇÃO
Um grupo de professores do Ensino Básico decidiu tomar algumas medidas de contestação às propostas de alteração do novo estatuto da Carreira Docente, a saber:
- Uso de uma braçadeira negra a tempo inteiro (dentro e fora da escola) no braço esquerdo até ao dia 23 de Junho;
- Vigílias num local público de grande afluência, no Fórum Algarve, no caso Sotavento e noutros locais escolhidos pelos professores de melhor e fácil acesso, noutras zonas do país. Esta vigília terá lugar de dia 5, 2ª- feira, a dia 9, 6ª – feira, deste mês de Junho, das 20 às 22 horas, trajando de negro com braçadeira branca;
- Convidamos todas as escolas do país a participar nestas medidas de contestação, às quais se juntarão também uma carta aberta à Ministra de Educação, aos meios de comunicação social e aos sindicatos.
Apelamos à participação massiva de todos os docentes do país, para que um dia possamos ser “professores”…
Atenciosamente, um grupo de professores desrespeitados…

Miguel Pinto disse...

A ser verdade que não existe boa-fé negocial do ME, adiantará apresentar propostas alternativas? Ou será que a apresentação de contrapropostas servem apenas interesses mediáticos que visam ganhos de credibilidade junto da opinião pública? As formas de luta tradicionais [manifestações, vigílias e greves] apelam à união dos professores e requerem coragem. Estou enganado ou as evasivas tradicionais [era melhor uma greve de 2 meses… ou melhor, uma greve às avaliações e exames… ou ainda uma greve por tempo indeterminado, à francesa!] já começaram a marcar as conversas nas salas de professores?
Não liguem: É a retórica do costume… ;-)

emn disse...

O projecto se não fizermos barulho suficiente está aprovado. Não há qualquer intenção de negociação... tiram-se umas coisitas.... basta olhar para a prepotência das «indicações» dadas no início deste ano lectivo...
Mas, se for, a culpa é mesmo nossa...

IC disse...

A FenProf vai começar por apresentar um projecto global, seria bom que este pudesse ter o apoio dos professores. Mas o grande problema de sempre é acabar por haver uma federação que virá a assinar depois de algumas alterações e pronto, está cumprida a regra da negociação, a FenProf ficará apenas com a "honra" de não assinar. Pelo menos, esta foi a história do passado, algumas vezes. Por isso, os sindicatos que pugnem por algo aceitável nem terão chances se não tiverem muita força dos professores e... aí é que não sei como estão as disposições das "massas".
Em suma, que os professores têm armas que cheguem, isso têm (como sempre tiveram), mas se as quererão usar... isso é outra questão e eu não sei, não... depois da passividade e de vários apoios de presidentes de CEs neste ano, além dos habituais argumentos que o Miguel aponta (se fosse uma greve de 2 meses, se fosse...)
Enfim, que o geral dos professores se porte bem, é o que desejo sinceramente a todos os colegas que vão lutar [eu só tenho o dia 14, depois já não estarei na escola :( ]