sexta-feira, junho 09, 2006

Achega para resposta a uma pergunta

Pergunta o Miguel Pinto, em entrada intitulada "Colaboração por decreto...": "Afinal, quem é que guia e controla o significado da colaboração?".

Creio que não há grande distinção entre o significado de colaboração (co-laboração) e o de cooperação (co-operação), pelo que lembro a clássica definição de cooperação de M. Deutsch (1973) referente a situações ou estruturas de trabalho: Uma situação é cooperativa quando se verifica uma interdependência estimulante ("promotive interdependence") de tal modo que os objectivos dos participantes estão tão ligados que cada um pode atingir o objectivo próprio se - e só se - os outros também puderem chegar aos seus. Enquanto uma estrutura de competição já implica que os objectivos de um (ou uns) só possam ser atingidos se os dos outros não o forem, distinguindo ainda o mesmo autor o contexto ou situação de individualização, em que a actividade se processa em mera independência de objectivos. E, se não nos cingirmos a uma estrutura de trabalho e passarmos para o domínio mais geral dos comportamentos ou dos traços de personalidade, teremos a definição de individualismo como não mais do que o maximizar de resultados pessoais 'com indiferença pelos dos outros' (Liebrand e McClintock), diferente de 'contra os outros', pelo que o que oponho a cooperação é mesmo competição.
Resta é discernir quando os objectivos de um grupo colaborativo são os de competição com os restantes elementos de uma estrutura de trabalho.

Assim, a resposta à pergunta do Miguel parece-me ser: Quem controla o significado de colaboração são, em princípio, os que colaboram entre si, e, se a colaboração é promovida do exterior ao grupo, colaboram os participantes e o promotor ou, dito de outra forma, colaboram os participantes entre si e com o promotor - de qualquer modo, os objectivos de cada um são atingidos se "e só se" o forem os de todos os participantes nessa colaboração.

E o meu raciocínio chega, então, à convicção que a questão está nos objectivos, pelo que o controlo do significado de colaboração decorre deles e... aqui é que pode estar a "ratoeira". Ou não? - estou a divagar? Se calhar estou, nunca me tinha lembrado de associar cooperação à possibilidade de ratoeiras. À ideia de cooperação está associado correntemente um valor, pelo que, afinal, talvez seja preferível distingui-la de colaboração, alargando esta aos funcionamentos colaborativos visando quaisquer fins, sinceros ou hipócritas, e mantendo a primeira com o seu valor implícito habitual. Valor, mas também conceito que levava Piaget (1932) a dizer (ingenuamente??) "quer a cooperação seja um produto ou uma causa da razão, ou ambos ao mesmo tempo, a razão tem necessidade de cooperação na medida em que ser racional consiste em se situar para submeter o individual ao universal". (Jean Piaget, ingénuo??!! Hum... não será antes a racionalidade que anda em muito lado em baixo, por vezes a bater no fundo?)

[Divagações minhas... a milu, pelos vistos, já me põe a divagar, provocando-me pensamentos que aqui ficam... sei que pouco explicitados, mas julgo que legíveis em entrelinhas].

7 comentários:

Miguel Pinto disse...

Eu não oporia o conceito de cooperação ao conceito de competição. A competição, no sentido mais lato do termo, potencia a expressão de práticas cooperativas [observemos a prática dos jogos desportivos colectivos, por exemplo]. A competição não implica a existência de um outro que se pretende aniquilar. Esta ideia de competição é perversa e decorre de uma ideologia belicista que tem de ser desmistificada em contexto educativo. A competição permite ao sujeito ultrapassar-se, superar-se, transcender-se, elevar-se na sua natureza. Quando à tua reflexão, Isabel, vou ler o teu texto uma vez mais… ;) para lhe dar continuidade no meu cantinho.

IC disse...

Miguel, não sei se reparaste que me referi a "situações ou estruturas de trabalho", a que se refere tb Deutsch. Há outras situações, como os jogos, as competições desportivas, e eu só não distingui isso para não alongar e pq não era o contexto a que me referia. Há, por exemplo, um autor (Michael Argyle) que lembra que a cooperação está constantemente presente, por exemplo na coordenação requerida em situações naturalmente competitivas como os jogos (1991)- ténis, futebol, etc, etc. :)

Miguel Pinto disse...

hummm… estruturas de trabalho… pois é. O que eu questiono é se faz algum sentido adoptar para as situações do dia-a-dia e para o trabalho os modelos competitivos que enquadram a prática desportiva formativa? A meu ver, faz todo o sentido, Isabel. :)

Teresa Martinho Marques disse...

Aproveito os textos (num lado e noutro)e a digestão que vocês vão fazendo dos conceitos para me enriquecer. Não consigo muito mais. MAs sinto afinidade e simpatia com essa ideia de que seria possível competir cooperando no dia a dia (com parceiros à altura, claro)tal como ...

Teresa Martinho Marques disse...

tal como... nas actividades desportivas. (não sei porquê apagaram-se as últimas palavras quando pubiquei!)

Miguel Pinto disse...

Ó Teresa, nem imaginas o tempo que passo a competir comigo mesmo. ;) É uma ideia muito simples, a da transcendência... ;)

IC disse...

Ei, meninos Miguel e Teresa, principalmente Miguel! Quando eu dava mat a mais novos (e não só), a ideia que mais tentava que aderissem era a de que a mat é como um jogo e, precisamente, a de competição, mas... com eles próprios ;)