segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Por esta ponta não chego lá

"Preciso de começar por uma ponta", tenho andado a dizer-me. E a ponta podia ser o meu campo de observação directa - a minha própria escola.
A reconstituição dos factos (e do seu evoluir) dá-me um retrato. Factos desde o plenário de abertura deste ano lectivo, professores expectantes, novos horários e tarefas ainda em ultimação, depois os efeitos do embate e as reacções efervescentes, seguindo-se o modo como se aplicou a componente não lectiva e a ocupação de alunos sem aula (também uma ou duas propostas que colheram palmas mas mais não colheram além delas, diga-se), chegando-se posteriormente a mais burocracia de uma papelada que a autonomia não reduziu, ao correr de papeis de mão em mão nas reuniões de avaliação para individualmente se porem cruzinhas e acrescentar escritos nos chamados planos de recuperação (cada um no seu compartimento), até ao último facto notório até ao momento: as alterações de vários horários, quer devidas à rectificação do ME sobre o máximo de horas para substituições, quer decorrentes de propostas de aulas de recuperação / horas de sala de estudo por parte de professores de várias disciplinas (cada um com os seus motivos para equacionarem ou reequacionarem a baralhada entre lectivo e não lectivo)
Retrato decerto parecido com outros de outras escolas. Decerto, também, outros havendo diferentes destes mas parecidos entre si, podendo-se provavelmente ter categorias de retratos segundo graus de autonomia, de mobilização, iniciativa e criatividade para recusar entreter meninos e dar-lhes, sim, reforço na formação global e oportunidades de motivação para aqueles que causam problemas porque a escola nada lhes diz, e até de perspectivação de mudanças necessárias à escola de massas e simultaneamente escola para o século XXI - graus cuja escala, obviamente, começa no zero, haja nele ou não retratos reais. E os retratos mostrarão também diferenças, entre escolas, de condições físicas e recursos, a menos que os fotógrafos desviem a lente das vistas dos fáceis possíveis e dos quase impossíveis.

Porque me reporto apenas aos factos novos decorrentes de medidas novas, este retrato não mostra as actividades extracurriculares, os projectos em funcionamento, nem as relações pedagógicas e os trabalhos devotados que acontecem, anónimos, dentro de várias salas de aula, pois não são factos novos, e bastantes professores, sem serem obrigados, passavam muitas horas na escola para além do seu horário lectivo - mas esses factos "velhos" concorriam para caracterizar a qualidade da escola.

A este retrato do conjunto dos factos novos não guardarei num album nem na memória positiva - isso é verdade. Mas os factos têm explicações, elas não se vêem no retrato, nem se vêem nele causas, motivos extrínsecos e motivações (essas intrínsecas). Conjecturas e hipóteses tenho bastantes, e hipóteses são necessárias, mas entre elas e conclusões, ainda mais generalizações, vai muito estudo. Por isso, olho o retrato e páro a escrita.
Opiniões e conjecturas são legítimas e necessárias nas discussões com outros que interrogam, sabem não serem detentores da análise correcta e completa e querem, num reflectir conjunto feito de diversos contributos, chegar a algum discernimento que nos oriente. Mas já as recuso com interlocutores que, vivendo fora dos terrenos que habitamos, têm certezas - aí até prefiro por vezes fazer de "advogado do diabo", e isso não é por corporativismo, cujo espírito não tenho e várias vezes acuso.

2 comentários:

Teresa Martinho Marques disse...

Nos álbuns de família vêem-se apenas os sorrisos ao longo do tempo (alguém que no futuro os olhasse, pensaria: só existiam famílias felizes? Nunca acontecia nada de mau? Não se chorava?).
O retrato de que falas é dos que não chega a ser colado em lado algum... Contemplaremos fotos de alunos sorrindo ao nosso lado, uma festa da turma, uma visita de estudo, um almoço de Natal...
Mas se formos nós a olhar, a memória não nos atraiçoará (como não nos atraiçoa quando revemos as fotos de família e vemos nos entre-sorrisos as tristezas desse ano no passado)e saberemos exactamente a que custas tudo se fez. Contra que gentes achando que somos os monstros da história. Recordaremos o que partilhámos com almas cúmplices e, com sorte, estaremos sorrindo por ter conseguido mudar o que não fazia sentido. Quem sabe, no meio da incerteza que, apesar de tudo, sempre persistirá, possamos dizer, ao olhar para trás, ao contemplar esse retrato colado apenas na memória: "a história deu-nos razão e, felizmente, ainda fomos a tempo de corrigir os erros que podiam ter contaminado o futuro!"

Anónimo disse...

O mal é que as escolas e o sistema de ensino ainda dão muto crédito às vozes que vêm de fora.As escolas continuam ao sabor desses ventos que vêm de fora.Por isso esta confusão toda, porque essas vozes nem fazem ideia do papel que deve ter uma escola e os seus profissionais.um abraço