quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A estratégia do medo

(Em dois capítulos)

II
No dia seguinte, voltando a lembrar-me do livro que ando a ler e da estratégia do medo, o meu pensamento deslocou-se de novo, agora do globo para a nossa "terrinha" habitual - as escolas...

Conselhos de turma de Fevereiro: Objectivo nº 1 - Acautelar... (E mais planos de recuperação); Objectivo nº 2: Acautelar... (E mais disciplinas nos planos de recuperação anteriores); Objectivo nº 3: Acautelar: (E nomes, para a acta, de alunos que não estão a cumprir).

Depois de na semana passada ter exigido em tom "excessivo" que me mostrassem onde estava escrito no Despacho Normativo nº 50/2005 que Fevereiro era a última oportunidade de se poder vir a reprovar algum aluno, h
oje voltei a fazer a mesma pergunta sobre o despacho. (E que mania das percentagens, pena não haver a mesma mania das recuperações trabalhando os erros dos testes, alguns miúdos até andam estafados com tanta aula de apoio e salas de estudo nos horários).

No
despacho lê-se:
" (...) 4- No final do ano lectivo, e após a avaliação sumativa final, a direcção executiva envia à direcção regional de educação respectiva um relatório de avaliação, no qual devem constar: (...) d) Resultados alcançados, incluindo: (...) iii) Alunos que não foram sujeitos a um plano de recuperação e ficaram retidos; (...)"
(Estratégia do medo, ou medo simplesmente, ou ambas as coisas?)
(Agora só falta os alunos resolverem, alguns dos que não tiveram plano de recuperação até Fevereiro, que podem entrar em férias, conjecturando: _ Disseram-me que há um decreto que diz que já não posso reprovar!)

No despacho lê-se também:
"(...) 2 - O plano de recuperação é aplicável aos alunos que revelem dificuldades de aprendizagem em qualquer disciplina, área curricular disciplinar ou não disciplinar. (...)"
(Estarem desatentos, precisarem que os professores interrompam constantemente as aulas para que não as levem a brincar e deixem os colegas ouvir, trabalhar e aprender, não fazerem nem os pequenos trabalhos de casa, é isso que são dificuldades de aprendizagem? São também para esses aulas de apoio?)

(Estratégia do medo, ou medo simplesmente, ou ambas as coisas?)

7 comentários:

emn disse...

A minha filha mais velha teve no 2º ciclo um prof que na aula antes do teste (dias antes) dava esse mesmo teste, como ficha formativa. Resultado: 100% de positivas.
O insucesso combate-se muito facilmente, hipocritamente: basta 'fazer de conta'.
Todas estas regulamentações que apontas são uma das formas de evitar insucesso.
O professor é coagido não a ensinar cada vez mais e melhor, mas a 'passá-los a todos', para não se ver sujeito a represálias.
Se 'damos' muitas negativas é porque não ensinamos, não motivamos, não recuperamos.
Continuo zangada e triste...

emn disse...

o pior é que depois destas regulamentações que nos fazem cumprir, como se fossemos todos incompetentes, e que levam alguns a facilitar, os alunos podem chegar ao 9º num ápice, sem percalços no caminho escolar.

MAS, nos resultados 'dos PISAS', desceremos para os últimos lugares...

Teresa Martinho Marques disse...

Gostei das perguntas. Gosto de boas perguntas... temos feito umas quantas dessas, não estás sozinha. Quanto ao medo: ambas as coisas... O que importa é proteger, salvaguardar, acautelar, sacudir o medo com papéis e impressos... As estatísticas fazem o resto para provar que depois do Despacho (que é parecido com uma legislação que já esteve em vigor há anos)o "sucesso" aumentou.
Da prática, das aulas, da acção, das condições de exequibilidade, da família, da vontade do aluno nada ficará registado.
Suspira-se de alívio no fim por tudo ter sido bem despachado (ou não... ai os meninos que resolveram fazer férias por conta do Despacho!), e ter sido forjada uma excelente armadura à prova de qualquer inspecção e passa-se ao ano seguinte. Professor bom faz sempre o melhor, dá o melhor de si, com ou sem papel. Não é o Despacho que faz a diferença.
(Como a emn diz, passado o tempo necessário... veremos com os PISAS e os exames do 9º se tudo foi realmente "bem" ou "muito mal" despachado. Nessa altura há-de ser criado outro despacho para corrigir este e assim sucessivamente. O que de essencial deveria ser corrigido fica na mesma... digamos até que, em alguns anos,se conseguem umas regressões que levam os professores a distrair-se imenso com papéis, reuniões para os papéis e alunos que não são os seus, sobrando cada vez menos tempo para se dedicarem à pedagogia diferenciada, à construção de materiais e à recuperação dos seus próprios alunos... (Mas isso é outra história de que a História talvez fale um dia...)

Fernando Reis disse...

A estratégia do medo instala-se, sem dúvida, e alarga-se aos anúncios ministeriais em período de greve docente.
Há dúvidas?
A incompetência da classe política que ascende aos cargos de administração educativa, e não só, é demasiada para optarem por outra estratégia.

«« disse...

Vão me desculpar mas continuo sem medo da estratégia do medo, continuo sendo um professor que trabalha segundo convicções...e se algum dia tiver um processo por uma questão dessas, faço o que nunca fiz aos meus diplomas...mando emoldurar e coloco-o na sala de estar da minha casa em local onde todos o possam ver... mais, sou capaz de fazer como anitgamente faziam quando um filhoi de uma !familia de bem" acabava a sua licenciatura...ponho anuncio num jornal eh eh eh

Teresa Martinho Marques disse...

O facto de ser uma estratégia do medo não quer dizer que quem se empenha o tenha... Quem não deve, não teme... já lá dizia o povo. (Uma grande verdade!)

Amélia disse...

POIS...«hoje a escolaridade é uma amnésia planificada» -diz Steiner...e tendente a trabalhar para as estatísticas.Curioso é que o abandono e o insucesso, ainda assim, não parem de crescer...
E a propósito de «medo»-lembro senpre a velha canção: «ou 'stás quetinho/ou levas no focinho»...só falta uma lei que proiba os professores e alunos de se exprimirem livremente- mesmo que em blogues - já sucede, ao que parece, com os funcionários judiciais...espero que a nossa capacidade de resistir e dizer «não», como o Miguel, vença.