quarta-feira, novembro 29, 2006

Discutindo comigo mesma

Cá estou eu outra vez a olhar, indecisa, para o título deste cantinho!
Quanto menos virada ando para escrever memórias, mais memórias me vêm à cabeça. Memórias desactualizadas?...

Dias que se alongam —
Cada vez mais distantes
Os tempos de outrora!
Buson

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Mas os tempos não estão distantes. E eu até tenho dois netos na escola. E os versos de Drummond têm-me batido na cabeça...

stop
a vida parou
ou foi o automóvel?

Carlos Drummond de Andrade

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Na verdade, eu suspeito que algo parou nas escolas 2,3 (ou em parte delas). As vozes não foram, há manifestações, há greves, até os alunos já se manifestam, e creio que essas vozes não se deixarão amordaçar. Mas algo que não será visível a olho nu (a actividade quotidiana continua), algo que deixou de vibrar. Como se fossem silêncios emanados de vazios - vazios gerados por trabalho manietado pelas burocracias, por horas desperdiçadas em sentimentos de inutilidade, por dedicações desvalorizadas e espezinhadas, por orientações cumpridas sem convicção, por objectivos distorcidos a perseguir por imposição.
Vir-me-à, afinal, essa intuição de que algo se esvaziou e há silêncios, imperceptíveis pela sobreposição das vozes, da agitação e do trabalho que continua, simplesmente do vácuo dos bons resultados ao fim de ano e meio de reformas ou medidas na educação-ensino decididas sem a participação dos educadores-ensinantes? Ao fim de ano e meio... parece que começaram ontem e, ao mesmo tempo, há decénio e meio!

o jornaleiro espantado
que eu queira comprar
o jornal de ontem

André Duhaime

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Marla Friedman, Children waiting

(Eu sei que não é nova esta imagem neste cantinho)

6 comentários:

Miguel Pinto disse...

"[..]algo que deixou de vibrar." Enquanto passava diante do auditório reparei no barulho. A porta estava entreaberta, alguns alunos olhavam para a tela, outros conversavam… Procurei o professor e não o encontrei na sala. Perguntei a um aluno se se passava algo de especial. Não. Não se passava nada. O professor saíra no final do seu tempo de substituição, no meio bloco, e ninguém apareceu...
Findou o tempo de trabalho desse operário! Tempos estranhos estes…

Madalena disse...

Isabel, que estranho! O que tu dizes é isso mesmo: andamos todos a consumir o dia que já passou. Ou se calhar pairamos sobre uma realidade que não nos diz nada. Estamos todos a cumprir horário ao som da campainha? Os alunos mereciam melhor. Um colega dizia-me há tempos que eu não lhe falasse em entusiasmos nos dias que correm. Os nossos entusiasmos são de facto restos do almoço de domingo.
Beijinhos muito tristes!

Alda Serras disse...

Hoje, na feira do livro da minha escola, conversava com duas colegas mais velhas que recordavam outras feiras do livro feitas com muita carolice e empenho, actividades culturais organizadas pelos alunos e para os alunos, mais principalmente o gosto com que as faziam. Agora não há gosto nem tempo para fazer as coisas.

Marina disse...

Eu ainda sou nova nestas andanças. Infelizmente ja muitos andavam desmotivados quando eu comecei a dar aulas...
Mas sei que as vezes bastam 2 ou 3 com um bocadinho de inspiraçao, e ate se fazem umas coisas giras!

E eu quero o jornal de ontem mas apenas para me inspirar a fazer as noticias de amanha!

Beijitos IC
Ate breve!

matilde disse...

Venho de mansinho deixar um tom dissonante... Não. Na minha escola de modo geral não sinto o ambiente desmotivado. Vejo sim um pequeno/grande grupo de professores com, apesar de todas as contrariedades que todos assumimos ser muitas, vontade de inovar, vontade de discutir os problemas que acontecem no dia-a-dia da sala de aula (sobretudo dentro da sala de aula, é uma verdade...), gosto por continuar a procurar encontrar soluções mesmo quando parece que já se tentou tudo...

E sinto-o talvez um pouco mais este ano que no ano passado. Talvez pela natureza dos profs que este ano foram colocados, talvez por este ano, ao contrário do ano passado, ter turmas, o que me coloca mais no centro das discussões que realmente nos dão mais calor aos dias na escola - as discussões que abordam cada uma das aulas, cada um dos alunos.

E aquele "ó stora" que se ouve nos corredores, nas aulas... enche-me de orgulho de ser professora - e tem de conseguir sobrepor-se a palavras imprimidas em papeis que não raramente tanto se distanciam da realidade de uma escola. Da realidade do que é ser professor.

Muito se continua a fazer na escola. E o nosso trabalho com os alunos, o dia-a-dia da sala de aula, a procura de novas estratégias, de novos desafios, o ir de encontro às características de cada aluno... esse prazer diário não pode haver despachos que nos possam tirar.

É um desabafo.

Hoje estou optimista (amanhã veremos...) - a ver testes e trabalhos, e a rever os sorrisos, as perguntas, e mesmo as minhas chamadas de atenção à minha pequena/grande gente: as Anas, os Ruis, os Andrés, as Joanas...


Um beijo grande, IC.
Bom fim-de-semana.

matilde disse...

[Permiti-me levar esta discussão para o meu canto. Beijos e bgd desde já por deixares... ;)]