domingo, abril 29, 2007

A propósito do artigo "Professores confessam ângustias em blogues"

Já que fui citada no artigo da jornalista Ângela Marques publicado hoje no Diário de Notícias (aqui), trasncrevo na íntegra o texto do meu e-mail em resposta ao pedido da minha opinião sobre o crescente uso de blogues por professores.

«Olá, Ângela Marques

Vou tentar dizer rapidamente o que penso, mas fico à disposição para algumas questões concretas que eventualmente queira colocar. E vou referir-me apenas aos blogues de professores que são assumidos como tendo por temáticas essencias as relacionadas com educação-ensino (ensino não superior).
Não me detenho no importante e óbvio aspecto geral de a blogosfera ser um espaço de liberdade de expressão e de opinião públicas aberto a todos os que o queiram utilizar.

Começo por salientar a importância de um tipo de blogues de professores voltados principalmente para a partilha de experiências e práticas, cujos autores são professores que procuram sempre inovar, que procuram novos recursos nomeadamente no campo do uso das TIC no ensino, e que partilham as suas experiências, interrogam, avaliam e proporcionam nessa partilha enriquecimento para todos os que os lêem, quer para os que também partilham as suas, quer sobretudo para os professores mais novos, dos quais há já bastantes testemunhos do apreço pelo que aprendem com outros já mais experientes. Há já bastantes blogues deste tipo, cito um apenas a título de exemplo - O Tempo de Teia:
http://tempodeteia.blogspot.com/ .
Ainda neste âmbito, há também blogues cujos autores, dominando bem as TIC, têm principalmente (ou até exclusivamente) o objectivo de divulgar os novos recursos aplicáveis ao ensino que constantemente estão a surgir, e que são preciosos para os professores que, não tendo tido uma formação nesse campo, desejam actualizar-se dado que se torna urgente a generalização do uso desses recursos, aliás motivadores para os alunos. Um exemplo: O Educação, Matemática e Tecnologias (não só recursos aplicáveis na Matemática, apesar do título):
http://blog.joseoliveira.net/

Passando para outro tipo de blog mais voltado para a política educativa e para a análise das novas medidas, é natural que encontre crítica, mas é também aí que se encontram publicadas a análise e a opinião dos que estão no "terreno", são os professores quem conhece bem este, mas são os professores precisamente os que raro espaço têm na comunicação social para serem ouvidos, mesmo quando na comunicação social são denegridos, acusados, todos metidos no mesmo saco.
Entre estes blogues, há blogues de bastante qualidade, cujos autores escolheram o ensino por vocação e, muitos, por paixão mesmo, e a exposição e debate de ideias é sempre importante como dinamização do pensamento e da reflexão, para o que há cada vez menos espaço e tempo dentro das escolas devido à catadupa de papelada e tarefas burocráticas que tem caído nas reuniões dos diversos orgãos da escola. E, se haverá professores cujos blogues possam denotar mais preocupação com a situação profissional dos docentes, outros há cujas temáticas de discussão são na defesa da escola pública e na preocupação com os alunos (os alunos todos).

Pronto, já disse o suficiente para mostrar que considero positivo o crescente interesse dos professores pela blogosfera. Como em tudo, há qualidade melhor e qualidade menor.

Mas quero ainda referir um outro uso crescente do blog pelos professores, que é a criação de blogs de turmas. Seja para a escrita de contos e poemas pelos alunos, seja para a divulgação de trabalhos destes, seja, no caso de turmas de anos mais avançados, para tratarem temas curriculares exigindo pesquisa ou proporcionando debate, etc. - o blog é motivador para os alunos e, através de um blog orientado pelo professor podem desenvolver várias competências.

Duas notas finais sobre duas observações suas:

1ª - Confesso que nunca vi dizer mal dos alunos em blogues. Mas é preciso ter em atenção dois aspectos. Um, é que há blogues de professores que são mesmo uma espécie de diário, tanto falam de outras coisas do quotidiano como das aulas, e creia que há muitos professores que quanto mais se preocupam com os alunos, mais se desesperam quando não trabalham, é natural que tenha encontrado desabafos. Outro aspecto, é que não se confunda a referência à perda de hábitos de trabalho e esforço, e à indisciplina, notoriamente crescentes nos últimos 10 ou 15 anos, com atribuição de "culpa" aos alunos. Os professores "bloguistas" mais considerados, quando referem isso, sabem e apontam que as causas são variadas, devendo preocupar toda a sociedade - pais, professores, governo, responsáveis pelos media (principalmente TV), ...

2ª - Pergunta se os blogues dos professores são lidos pelos alunos. Penso que terão pouca curiosidade por isso e, exceptuando os blogues que são criados para alunos, naturalmente que os professores não vão publicitá-los nas turmas, tal como nas aulas o que se deve é desenvolver competências de análise e de crítica fundamentada, não fazer a cabeça dos alunos com as ideias pessoais dos professores.

Desejo-lhe bom trabalho (que será decerto árduo, pois a variedade é grande e mesmo cada blogue não pode ser percebido quanto às suas temáticas predominantes por pequena amostra de postagens.

Com os melhores cumprimentos
Isabel Campeão, professora de Matemática aposentada desde Setembro último, blogue:
http://msprof.blogspot.com»

sexta-feira, abril 27, 2007

Os tempos livres das crianças

Continuo com muito pouca disponibilidade para "postar". Mas deixo a sugestão de leitura de um artigo que tem a ver com o título que dei a este post - Os ecrãs, a família e o quotidiano, de Manuel Pinto, em a Página da Educação.

quarta-feira, abril 25, 2007

33 anos depois...

... comemorar, sim, mas lutar também.






De tudo o que Abril abriu

ainda pouco se disse

e só nos faltava agora

que este Abril não se cumprisse.



Ary dos Santos (1975).
Pequeno excerto de As portas que Abril abriu.

terça-feira, abril 24, 2007

"Boys and girls need separate classes"

Que coisa, eu já tinha lido isto há quase quatro meses, e só agora é que a "novidade" chega cá?
(Por acaso tinha guardado o artigo, lembrei-me dele agora que estou a ouvir no noticiário da SIC esta ideia bombástica. Se alguém a quiser comentar, faça favor... - eu não comento, ando com falta de paciência)

domingo, abril 22, 2007

FENPROF

E agora que terminou o Congresso... Força, FENPROF!

(Se os professores assim quiserem. Não duvido da determinação dos dirigentes da FENPROF, mas a sua força dependerá sempre da firmeza e da luta a que os professores estiverem dispostos na defesa quer dos seus legítimos direitos, quer de um sistema de educação-ensino de qualidade e democrático)

sábado, abril 21, 2007

Uma dica (Sou conservadora no software)

Quando gosto de determinado programa e me habituo a ele, seja simples ou mais complicado de dominar, é-me difícil aceitar substituí-lo. Por exemplo, quanto a tratamento e montagem de imagens (fixas), ainda nada me convenceu a substituir o meu velho Corel PhotoPaint, apesar de me terem dado outro também óptimo e até ter tido o raro luxo de sessões (gratuitas) para lhe conhecer todas as funcionalidades sem andar a matar a cabeça. Mas não é nenhum programa assim desses mais complicadinhos de aprender a usar que venho referir.



Há necessidades correntes e básicas que não precisam de software complicado nem pago (ou "pirateado"). E, já que acabei de recuperar o meu velhinho visualizador gráfico - o IrfanView -, agora em versão actualizada, lembrei-me de deixar a dica para quem não o tenha. Tinha deixado de o instalar e até me esquera dele. É grátis e muito simples, mas tem várias funcionalidades que o tornam mais do que um mero visualizador (e pode ser configurado para abrirem com ele apenas ficheiros dos formatos que se desejem). Podem ver essas funcionalidades neste post aqui (foi esse post do Jazzit que mo recordou), ou aqui (pois pareceu-me que o 1º link funciona mal). Para download: IrfanView - graphic viewer.

quinta-feira, abril 19, 2007

Momentos...

Lembro-me ou não ? Ou sonhei ?

LEMBRO-ME ou não ? Ou sonhei ?
Flui como um rio o que sinto.
Sou já quem nunca serei
Na certeza em que me minto.

O tédio de horas incertas
Pesa no meu coração,
Paro ante as portas abertas
Sem escolha nem decisão.

Fernando Pessoa, Poesias Inéditas


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Feodor Vasilyev. Maré.

segunda-feira, abril 16, 2007

Uma memória do cinema

Chaplin faria anos hoje.
Já que o YouTube me permite guardar no meu cantinho imagens inesquecíveis, escolhi essas...




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P.S.
Uf!!! Tinha esta cena final do Tempos Modernos em rascunho e quando fui publicar... tinha sido retirada do YouTube! Mas eu tinha que encontrar essa cena, só levou um bocadinho de tempo ;)

domingo, abril 08, 2007

Um livro...

Embora este cantinho vá continuar em pausa, hoje fui movida por um post que descobri no blogue De Rerum Natura, post assinado por Carlos Fiolhais. Ressalvando que o texto de CF é mais lato do que o que aqui vou recordar como memória minha, emocionou-me a referência não só a Bento de Jesus Caraça, mas à obra cuja capa se vê no topo desse post:


Ignoro se ainda se encontram exemplares à venda de alguma reedição, a que tenho é esta:

Emocionou-me porque este livro foi uma obra que li sofregamente algures na década de 70. Sugiro-o vivamente, pelo menos aos professores de Matemática. Apesar da minha grande admiração por Bento de Jesus Caraça, limito-me a reforçar aqui a referência a esta obra. Um aspecto que nela me fascinou foi a perspectiva dialéctica com que o autor descreve várias evoluções na história da Matemática, nomeadamente no progressivo alargamento do campo dos números, na ultrapassagem de "impasses" gerando novas criações da mente humana no que respeita a conceitos matemáticos, inclusivamente os que se tornaram elementares. Outro aspecto que foi para mim muito interessante tem a ver com uma descrição que alia as novas criações aos contextos e necessidades sociais.

Do prefácio do próprio Bento de Jesus Caraça, datado de 1941, transcrevo a 1ª parte, intitulada Duas atitudes em face da Ciência:

«A Ciência pode ser encarada sob dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela tal como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, e o aspecto é o de um todo harmonioso, onde os capítulos se encadeiam em ordem, sem contradições. Ou se procura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente - descobrem-se hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições.
Descobre-se ainda qualquer coisa mais importante e mais interessante: - no primeiro aspecto, a Ciência parece bastar-se a si própria, a formação dos conceitos e das teorias parece obedecer só a necessidades interiores; no segundo, pelo contrário, vê-se toda a influência que o ambiente da vida social exerce sobre a criação da Ciência.
A Ciência, encarada assim, aparece-nos como um organismo vivo, impregnado de condição humana, com as suas forças e as suas fraquezas e subordinado às grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e pela libertação; aparece-nos, enfim, como um grande capítulo da vida humana social.

Será esta atitude que tomaremos aqui. (...)»


quarta-feira, março 21, 2007

Lembrando a chegada da Primavera

Auguste Renoir, La fille à l'arrosoir (1876)

Pour Sô

                      















Tu es née en le premier jour du printemps, ma première petite-fille, aujourd'hui une jeune fille merveilleuse. Tes anniversaires seront toujours un premier jour de printemps.
Je laisse ici, pour toi, la représentation du printemps exécuté par un grand peintre.


Parabéns, Soraïa!
Saudades... saudades... Até breve!
[Ces mots, tu connais ;)]

segunda-feira, março 19, 2007

Educação para os Media: que papel cabe à escola?

Limito-me a transcrever (os destaques são meus), na sequência da minha última visita à a Página da Educação.

Primeiro, em jeito de introdução, palavras de José Paulo Serralheiro no artigo A vida social e política ao sabor do telecomando:

"(...)
A política e a vida transformadas em espectáculo televisivo não são uma questão local mas global. Os média [em geral] deixaram desde há muito de ser espaços de discussão, de debate, de informação pertinente e fiável, de racionalidade, de análise da realidade, para serem lugares promotores de espectáculos onde cabem, cada vez mais, a vulgaridade, (...) O que cada vez mais espectadores esperam é o «espectáculo da vida» e imaginar-se participante dele.
(...)
A crença de que «o que não passa na comunicação social não existe» tem efeitos devastadores nas sociedades. E se não importa fazer, mas fazer constar que se faz, que consequências tem tal realidade na carreira e na prática docente?
(...)
Os objectivos educacionais são políticos, não são técnicos. E por isso a profissão docente não dispensa nem o pensar nem a política.
(...)
Também nesta Pós-Modernidade portuguesa, onde florescem novos «ismos», a nova gerência do Estado ambiciona dispensar-nos do pensamento critico e convida-nos a bastarmo-nos com o espectáculo comunicacional. É que não aprender a pensar é condição indispensável para se aceitar que os caminhos do mundo não são diversos, mas são só um e mais nenhum. "

A seguir, palavras de Sara Pereira, no artigo Educação para os Media: por onde começar?:

"(...) Esta reflexão surge num momento simbólico para esta área – a celebração do 25º aniversário da Declaração de Grunwald, um documento publicado pela UNESCO a 22 de Janeiro de 1982 que expressa as razões da premência e da pertinência da EPM. Um quarto de século depois desta Declaração, pouco se avançou neste domínio em Portugal. (...) Em 1993 o então Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário encomendou à Universidade do Minho um estudo que teve como finalidade apresentar propostas de implementação da EPM nos vários níveis de ensino. A iniciativa foi encarada, na altura, como uma excelente possibilidade para que esta área entrasse formalmente nos curricula de crianças e jovens, porém, com a mudança de Governo, o estudo acabou por ficar na gaveta, sem qualquer seguimento. A EPM permaneceu, deste modo, um domínio de ninguém, empurrado muitas vezes da escola para a família e vice-versa. (...) Por motivos de vária ordem, alguns conhecidos, outros ainda por apurar, esta área tem tido uma aceitação e uma recepção difíceis por parte dos que poderiam ser seus protagonistas (os vários agentes educativos – professores, pais, técnicos dos serviços educativos, etc). Um desses motivos é, necessariamente, a pouca oferta de formação dirigida aos actuais e futuros profissionais da educação (...)
Na minha perspectiva, é fundamental que as famílias sejam envolvidas na EPM pois um trabalho desta natureza unilateralmente considerado pode não ter as condições necessárias para o seu desenvolvimento e pode não alcançar resultados efectivos. (...) Porém, nas duas últimas acções desenvolvidas percebi a resistência de alguns pais em aceitar os media, especificamente a televisão, como motivo e mote de diálogo e de reflexão. Percebi alguma dificuldade em aceitarem que o seu principal meio de entretenimento, de distracção, de informação, de companhia e até de catarse dos problemas do dia-a-dia possa, também ele, constituir razão de preocupação e de discussão. A televisão assume um lugar tão central nas casas e nas vidas de algumas famílias que não é fácil deixarem, por uma noite, de ver televisão para irem falar sobre ela.
Perante este cenário, coloca-se a questão: por onde começar então esta formação considerada pela UNESCO, e por outras organizações internacionais, uma componente essencial da formação básica de qualquer cidadão? A questão fica em aberto, como apelo à reflexão do leitor. "
______
Adenda
Também de Sara Pereira, um artigo mais antigo - Fevereiro de 2006 -, mas ainda pertinente (sugiro a sua leitura, até porque refere alguns dados de um estudo realizado com crianças) : Os "Morangos com Açúcar" têm lugar na escola?

sábado, março 17, 2007

E já que falei da matemática...

[Quatro posts seguidos a falar dela... mas que coisa! Pois agora, para mais um fim de semana prolongado do meu cantinho - ou pretexto para intervalo -, deixo um pensamento ainda sobre a matemática ;)]

"A Matemática pura é, à sua maneira, a poesia das idéias lógicas.

Albert Einstein               


Ainda sobre a Matemática: Culpabilização dos professores e pressão externa podem produzir actuações contraproducentes

Todos sabemos que desde há alguns anos se vem verificando uma cada vez mais ampla falta de hábitos de trabalho, de estudo e de esforço por parte dos alunos do ensino básico. Culpabilizar a escola porque não os motiva ou culpabilizar os pais porque não os educam e responsabilizam são, a meu ver, atitudes fáceis e simplistas, pelo que não refiro aquela constatação para sequer apontar causas - refiro-a apenas porque, independentemente de várias e provavelmente complexas causas (sobre elas deveria toda a sociedade reflectir), é um facto que muitas e muitas turmas exigem um enorme esforço por parte dos professores sem que muitas vezes esse esforço consiga diminuir o insucesso escolar, muito especialmente nas disciplinas em que este é maior, das quais a matemática está "à frente" (aliás, sempre esteve).

O "escândalo" dos resultados dos exames do 9º ano - exames realizados apenas nos dois últimos anos lectivos - tornou particularmente os professores de matemática do ensino básico alvo, primeiro, de ataque à sua competência, e, depois, de pressão inclusivamente para a elaboração dos tão falados planos de acção para a matemática a nível de escola. Não ponho em questão a pertinência desses planos, mas sim a pressão psicológica que tudo isto não deixou de gerar. E, por muito que saibamos da elevada percentagem de alunos que chegam aos anos terminais do 3º ciclo já desistentes em matemática ou com grandes dificuldades de recuperação (mesmo quando já mais responsabilizados e preocupados devido até à idade) porque foram transitando com insucesso naquela disciplina tão marcadamente sequencial, não deixa de ser também um facto que são os professores do 9º ano que de algum modo se sentem visionados com os resultados dos exames, mesmo se nas respectivas escolas ninguém os culpa ou, até fora delas, as causas várias de elevadas taxas de insucesso acabem por ser correctamente equacionadas.
Tudo o que foi dito publicamente sobre os professores de matemática na altura dos primeiros exames, por mais que seja evidente o absurdo da ideia que chegou a "passar" como se fossem eles a "ovelha ranhosa" do sistema educativo (ou o "rebanho ranhoso", no caso), foi uma atitude pública muito infeliz que, além de injustiçar muitos e muitos bons profissionais, não deixou também de colocar professores sob pressão psicológica e stress.

Tudo isto me vem outra vez a propósito de um pequeno e pontual caso que me aconteceu hoje. Ao encontrar-me com uma amiga e ao comentarmos a actual política educativa e seus reflexos no próprio clima das escolas e no estado de espírito de muitos professores, referiu-me ocasionalmente desabafos de alunos do 9º ano da sua escola. Posso mencioná-los aqui dado que são alunos de uma escola anónima entre tantas, obviamente não a identifico nem isso interessa absolutamente nada, é apenas um exemplo, entre possíveis e diferentes outros, do que escrevi como título deste post. Os referidos alunos têm matemática nos tempos a ela destinados e - dentro do próprio plano de acção para a matemática da sua escola - também regularmente em Estudo Acompanhado (até aqui, eu ainda nem levantaria muito grande questão) e... ainda na Área de Projecto (!) - portanto, duas áreas convertidas, no caso referido, em leccionação da matemática -, além de alguns deles terem ainda aulas suplementares de apoio incluídas nos ditos planos de recuperação (nos quais alguns professores as incluem mesmo quando do que a recuperação de facto depende é de mais atenção e empenhamento dos alunos e de preocupação da família com isso).
E, assim, o resultado é que os referidos alunos já não podem "ver" matemática à sua frente; o resultado é uma saturação e uma falta de gosto por essa disciplina ainda maior do que a que muitos já traziam.

Não trouxe este caso (provavelmente até pontual) para censurar ninguém. Trouxe-o, repito, como um pequeno exemplo do que a pressão sobre os professores de matemática pode ocasionar, inclusivamente em medidas de reforço contraproducentes, principalmente sobre aqueles mais fragilizados e com turmas mais difíceis (para não falar da dificuldade que a indisciplina cria aos professores no sentido de as aulas serem rentáveis).

Termino com uma questão bem mais geral, que mais do que uma vez apontei neste meu cantinho como um dos maiores erros do actual ministério da educação. Ainda que este tenha de algum modo retrocedido na atitude inicial de culpabilização dos professores e, em particular, dos de matemática, a campanha dos seus acólitos na comunicação social prolongou-se. Nem falando agora de toda uma política educativa que, ao invés de ganhar os professores, os pôs contra ela e foi decretada contra eles, quem vai remediar as consequências desse profundo erro que foi a culpabilização dos professores, o denegrimento da sua imagem perante a opinião pública e a sua desautorização aos olhos da mesma?

quinta-feira, março 15, 2007

O professor generalista e a matemática

Não destaco a matemática nem por ser a "minha" disciplina, nem por pensar que esta ou aquela disciplina é mais importante - todas são (podem e devem ser) importantes para a formação global dos alunos a nível do ensino básico. Destaco-a pela própria natureza da matemática e pela importância da atitude face a ela desde os primeiros anos de escolaridade.

Ora, enquanto os professores do 3º ciclo e secundário optam pelo ensino de uma disciplina ou área para que se sentem especialmente vocacionados, o que, no caso da matemática, significa decerto, em geral, um gosto, uma sensibilidade e uma formação marcada pela compreensão quer da sua natureza, quer do modo de a ensinar no sentido de uma educação matemática, o mesmo não se passará necessariamente com o "professor generalista". Por isso, foi sentida a necessidade de reforçar a formação matemática dos professores do 1º ciclo e, até aí, tudo bem (pelo menos 'teoricamente' - se, na prática, existirá de facto um reforço adequado, isso se verá). Mas, para o 2º ciclo, baixa-se de uma especialização (já de si muitas vezes apontada por vozes autorizadas como deficiente ou insuficiente nalgumas instituições formadoras) para o prolongamento a este ciclo do professor generalista.
Enquanto ninguém nega que o professor precisa de saber muito mais do que aquilo que ensina em determinado nível, também não se negará que as exigências na formação dos professores não sejam as mesmas para os diferentes níveis de ensino. A questão não está aqui, mas sim na possibilidade de cursos com determinada duração poderem propiciar, com todas as vertentes que têm que abranger - científica, didáctica, pedagógica e outras -, uma formação que altere tendências quer para a predominância do ensino de procedimentos matemáticos sem uma preparação suficiente dos professores para importantes perspectivas tais como a iniciação dos alunos na elaboração de conceitos, quer para uma marcada incidência da formação do professor na didáctica da matemática (Como diz Suzana Nápoles na publicação que abaixo vou referir, "a Matemática não pode surgir a propósito da didáctica da Matemática, a didáctica da Matemática é que deve surgir a propósito da Matemática.").

Tenho procurado no site da APM (Associação de Professores de Matemática) alguma tomada de posição relativa ao novo regime jurídico da formação de professores, mas o parecer que ali se encontra reporta-se ainda à fase de discussão do projecto (fase em que, como tem vindo a ser habitual, a actual equipa do ME se mostrou surda a pareceres que contrariassem o seu projecto de decreto ou alguma questão de fundo do mesmo). No entanto, a questão da formação inicial dos professores tem sido abordada nos últimos anos pela APM em vários documentos. No último número da revista Educação e Matemática, desta associação, é publicada uma mesa redonda, sob o título A Matemática na formação inicial de professores*. Deixo alguns excertos pois apontam para o que penso.

«(...) a principal e primeira linha de força que deve estar presente na formação matemática dos futuros professores consiste na convicção, por parte dos encarregados de organizar essa formação e dos próprios formadores, de que essa formação tem características próprias (...)»(Eduardo Veloso)

«(...) Os cursos de formação estão a preparar professores generalistas ou por áreas disciplinares, pelo que o tempo dedicado à Matemática é largamente prejudicado. Além disso, a constatação de que os conteúdos dos currículos dos 1º e 2º ciclos se resumem praticamente a abordagens elementares dos conceitos de número e forma pode induzir nos formandos a ideia de que a Matemática nos cursos de formação inicial não deve ter grande peso. Ora, é nestes níveis de ensino que se lançam as primeiras pedras para a construção do pensamento matemático, o que acarreta uma enorme responsabilidade dos professores na atitude futura dos alunos em relação à Matemática. (...) Os futuros professores devem ser levados a entender as várias facetas da Matemática: a Matemática como arte, em que se conjugam proposições, se estabelecem conexões e se encadeiam raciocínios para a construção de resultados; a Matemática como instrumento, tanto para aplicações no dia-a-dia, como na resolução de problemas tecnológicos, ou na formulação de teorias científicas; a Matemática como linguagem precisa e geral; a Matemática como desafio, que tanto pode revestir aspectos essencialmente recreativos (...) como decorrerem da constante necessidade de ir mais além na procura de respostas para o mundo que nos rodeia.
(...)
Especificamente no que diz respeito à formação de professores de Matemática para o 2º ciclo (variante Matemática /Ciências da Natureza), existe uma enorme disparidade entre a formação oferecida, tanto a nível de conteúdos curriculares como do peso da Matemática face às restantes disciplinas. Tanto constatamos a existência de um naipe de conteúdos muito vasto e desadequado aos objectivos dos cursos, como a conteúdos muito limitados subordinados à didáctica. (...)» (Suzana Nápoles)
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Resta-me deixar a pergunta: Como será que "se encadeiam raciocínios" na mente de Maria de Lurdes Rodrigues quando se mostra tão preocupada com o ensino-aprendizagem da matemática e, ao mesmo tempo, ignorando tantos alertas de que os transcritos acima são apenas um ínfimo exemplo, empurra o futuro professor do 2º ciclo para professor generalista?
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* Pareceu-me que está acessível a não sócios da APM

quarta-feira, março 14, 2007

Ainda a propósito de trabalhos dos alunos

No post anterior, a propósito do dia do Pi, lembrei-me de um dos tipos de actividades (os trabalhos referidos nesse post) a que conduzia os meus alunos quando a minha escola já tinha condições mínimas para 'aulas de Matemática nos computadores'.

Abro um perêntesis para contar que, na minha escola, todos os alunos do 3º ciclo passaram a estar já iniciados no uso da internet e de várias ferramentas no computador desde que nela se poude ter uma sala de informática minimamente equipada para permitir a inclusão no currículo do 6º ano da disciplina de "Introdução à Informática" (no âmbito dos tempos destinados a ofertas de escola e possibilitada quer por funcionamento em desdobramento das turmas, quer por a escola ter, por acaso, recursos humanos, centrados principalmente numa colega credenciada com habilitação formal para tal e completados por dois ou três professores, em que fui incluída, também habilitados, embora por formação mais informal).

Voltando aos trabalhos dos alunos, terminei o post anterior aludindo a recomendações que lhes fazia e, a propósito destas, lembrando-me de uma ou outra situação (saliento que não generalizo) que, na altura, me fez pensar cá comigo mesma na questão de valer a pena alguns professores começarem a pedir trabalhos aos alunos com recurso às "novas tecnologias", incluindo o uso da internet para pesquisa de informação. Recordo a questão, que ainda há pouco tempo tinha, a meu ver, razão para ser colocada, mas recordo-a mais para me congratular com o reconhecimento por parte do ME (este também toma algumas medidas acertadas - se chega a concretizá-las na extensão que requerem, isso já não sei), para me congratular com o reconhecimento, dizia, da necessidade de proporcionar a todos os professores formação no uso das TIC no ensino.
A pouco e pouco, sobretudo por causa da Área de Projecto (que, por acaso, até nunca me calhou no horário), alargou-se na minha escola o número, inicialmente reduzidíssimo, de professores que levavam os alunos à sala de informática, quando livre. Naquela área, os alunos realizavam, entre outros, trabalhos a apresentar baseados em pesquisa na net, pelo que, a dada altura, pensei que já não seria necessário gastar eu tempo especial para que aprendessem a seguir as minhas recomendações nos trabalhos de matemática, recomendações tais como "nada de meras colagens", "seleccionem só informação e ilustrações que já possam compreender", recolhem informação mas depois têm que a seleccionar e organizar, com redacção vossa, num texto coerente", "todos terão que saber expor o que fizerem", "não esqueçam que o trabalho tem que incluir a indicação de todas as fontes utilizadas" e - agora sobretudo para 9º - "não esqueçam que os trabalhos devem ter uma introdução e uma conclusão".
Contudo, a verdade é que continuei a deparar-me com uma ou outra turma em que ninguém parecia habituado a nada disso, apesar de já terem realizado trabalhos na dita Área de Pojecto, com vistosas capinhas, baseados em pesquisa na net sobre determinados temas, mas fazendo-o muito entregues a si mesmos. Já salientei que tal não era uma situação generalizada, mas alguns casos não deixaram de me fazer pensar cá comigo mesma que era melhor os respectivos professores, enquanto não se habituassem eles próprios a usar a net e a procurarem previamente nela fontes a indicar criteriosamente aos alunos ou a irem verificar, nas que estes encontravam, se não se tinham limitado a "copy-past" sem trabalho pessoal de redacção e organização coerente (o que, aliás, era de suspeitar pela não correcção pelos alunos de brasileirismos, dado que grande parte da informação em língua portuguesa se encontra mais profusamente em páginas brasileiras), era melhor, dizia, que enquanto esses professores não se familiarizassem com a prática pessoal que referi, prescindissem de "novas tecnologias" e orientassem as suas turmas na Área de Projecto (e não só) para pesquisas em livros da biblioteca ou disponibilizados pelo professor, como decerto faziam dantes sem que acontecesse pouca atenção tal como não repararem que os trabalhos eram meras colagens mal compreendidas, e sem parecer haver algumas demissões na orientação dos alunos para aprenderem a estruturar um trabalho - deixado demasiado entregue a eles talvez pelo facto de dominarem o uso de ferramentas em que (alguns professores) se sentiam "a zero".

Creio que estas minhas considerações são já extemporâneas. Apesar de essa fase ainda se ter estendido a tempo relativamente recente, derivada da resistência de várias gerações de professores ao uso do computador com os alunos pela insegurança decorrente de estes até os ultrapassarem em termos "técnicos", acredito que foi uma fase neste momento já vencida por grande parte dos professores (não foram, de facto, muitos os que, por iniciativa própria, nunca se deixaram desactualizar nesse campo) e que, em breve, estará ultrapassada por todos, já que a formação no uso das TIC (a começar pelo mais simples e elementar, quando necessário) finalmente se impôs.

Dia do Pi (recordação)

Ao lembrar-me que este é o dia do Pi, veio-me à memória o cartaz que sempre aparecia na minha sala de aula, ou com a canção de "aniversário", ou com um dos poemas que na net se podem encontrar dedicados a esse número. E, atrás dessa memória, veio-me a de trabalhos dos meus alunos, esses trabalhos de grupo que lhes exigem pesquisa, selecção, escrita sem meros "copy-past" e estruturação do trabalho final a apresentar à restante turma, mas que eles fazem com gosto, quer porque lhes agrada sempre irem para os computadores, quer porque os leva a descobrir curiosidades interessantes fora do "clima" do currículo "obrigatório".
Tenho alguns porque, por vezes (depois da exposição, no final do ano lectivo, de trabalhos dos alunos nas várias disciplinas), diziam-me para ficar com eles para "dar ideias" a futuras turmas. E como um desses, além de ser sobre o Pi, refere este dia, aproveito para deixar no meu cantinho uma recordação.




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Adenda
Fora do tema (O Dia do PI), mas a propósito do tipo de trabalhos dos alunos, que acima referi, a minha memória estende-se um pouco mais. Bastava-me dedicar a eles um ou dois blocos do horário da disciplina uma vez por ano (formatações e outros pequenos acabamentos ficavam por conta dos alunos já sem a minha presença) pois cada grupo tinha o seu tema (escolhido entre várias sugestões minhas se eles próprios não conseguiam sugerir), cada trabalho era depois apresentado à restante turma, pelo que se multiplicavam as oportunidades de todos descobrirem mais aprofundadamente quer a presença da matemática na própria natureza - incluindo o mundo microscópico, e não só nas formas, simetrias, etc., mas também nessa harmonia de uma proporção misteriosamente detectável também na natureza (lembro-me de trabalhos sobre o "número de ouro" - o phi ("fi") -, não referido no programa mas que era oportuno a propósito dos números irracionais) -, quer episódios da história da matemática propiciando uma melhor compreensão e distinção dos números que usavam - dos racionais aos irracionais -, quer curiosidades interessantes. E as exposições de final de ano fizeram-me ouvir, sobretudo inicialmente, colegas não de Matemática dizerem "Já aprendi coisas que não sabia" ou "Não fazia ideia que na disciplina de Matemática se fizessem trabalhos teóricos - assim chamavam a alguns, mas cá para mim trata-se de proporcionar aos alunos olharem a matemática na sua beleza ou harmonia, e também na sua história, como já disse acima, vindo por acréscimo o aproveitamento da motivação para trabalhar no computador (e também motivação por adorarem procurar, além de informação, imagens ilustrativas a seu gosto) para elaborarem eles um trabalho a apresentar.
O trabalho mostrado é escolhido por ser o único, dos que ficaram comigo, que refere o dia do Pi, e nem tem os nomes dos elementos do grupo (falha que não era habitual). Outros, sobre diferentes temas, estão devidamente identificados com os nomes dos autores pelo que até mereciam "publicação" pois são de facto trabalhos interessantes, foram de alunos ainda só no 3º ciclo, e o mérito foi deles. (À professora só cabia estímulo, orientação e algumas recomendações)

"Recomendações" - a propósito destas ocorrem-me algumas questões e comentários, mas não vou alongar-me mais, guardo isso para próximo post.

segunda-feira, março 12, 2007

Não é novidade, só me apeteceu lembrar

(Não é novidade, mas também não é assim tão simples. Ele obedece, mas os outros também. Quem governa não tem rosto, chamam-lhe Sua Excelência O Mercado. E a sociedade humana vota e fica a ver. Esperando que pensem nela?)

Como sócia do SPGL e, neste caso, como aposentada, acabei de receber não só uma convocatória para um plenário de professores aposentados, mas também uma proposta de moção cujos considerandos não se confinam estritamente às questões da aposentação. O texto* dela é longo, deixo apenas uns excertos - não trazem novidades, só me apeteceu lembrar).

«(...)
Uma primeira constatação a fazer é que as medidas tornadas neste âmbito [aposentação] em Portugal têm que ser integradas, em particular, no contexto da política que a União Europeia (UE) preconiza para todos os países que a compõem (...)
Por exemplo, de onde deriva a norma para o aumento da idade para atingir a aposentação, que em Portugal tão zelosamente está a ser posta em prática?
Ela constituiu urna decisão da Cimeira da União Europeia, realizada em Barcelona a 15 e 16 de Março de 2002.
(...)
Todo o sistema de Segurança Social tem sido reorganizado no sentido de libertar o Estado dos seus encargos sociais e, ao mesmo tempo, obrigar os trabalhadores a terem que recorrer às Seguradoras privadas para engrossar os respectivos "Fundos de pensões" - que constituem o principal sustentáculo de toda a economia especulativa, que tem como peça central a Bolsa de Wall Street, nos EUA.
(...)
O governo liderado por Sócrates - no seguimento do que fizeram os anteriores - não tem feito mais do que aplicar à risca as "reformas" ditadas pela União Europeia (note-se que cerca de 80% da legislação produzida pela Assembleia da República constitui, desde há vários anos, uma mera transcrição de directivas emanadas da Comissão Europeia).
Daí a "medalha de bom comportamento" que foi de novo atribuída ao Governo português pela Comissão Europeia, na sua Informação IP/0611730 de 12 de Dezembro de 2006: "A Comissão identifica os seguintes pontos fortes do processo de reformas de Portugal: o lançamento de reformas abrangentes da Administração pública, as medidas destinadas a facilitar a criação de empresas na hora, o ajustamento em curso dos sistemas de pensões de velhice e as vastas medidas de consolidação no sector da saúde. "
(...) »
___________
* O texto pode ser encontrado na íntrega no site do SPGL. Não posso deixar link porque não tem endereço independente, figura entre outros de uma mesma página, além de que não pretendo fazer publicidade de textos ainda não aprovados nem discutidos.

sexta-feira, março 09, 2007

Deixando um poema (e votos de bom fim de semana)

Hoje, não só o poema, também a voz do poeta.
(Memórias soltas, poemas soltos, enfim... as coisas soltas deste cantinho...)

Memória


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Memória (voz do autor)