Todos sabemos que desde há alguns anos se vem verificando uma cada vez mais ampla falta de hábitos de trabalho, de estudo e de esforço por parte dos alunos do ensino básico. Culpabilizar a escola porque não os motiva ou culpabilizar os pais porque não os educam e responsabilizam são, a meu ver, atitudes fáceis e simplistas, pelo que não refiro aquela constatação para sequer apontar causas - refiro-a apenas porque, independentemente de várias e provavelmente complexas causas (sobre elas deveria toda a sociedade reflectir), é um facto que muitas e muitas turmas exigem um enorme esforço por parte dos professores sem que muitas vezes esse esforço consiga diminuir o insucesso escolar, muito especialmente nas disciplinas em que este é maior, das quais a matemática está "à frente" (aliás, sempre esteve).
O "escândalo" dos resultados dos exames do 9º ano - exames realizados apenas nos dois últimos anos lectivos - tornou particularmente os professores de matemática do ensino básico alvo, primeiro, de ataque à sua competência, e, depois, de pressão inclusivamente para a elaboração dos tão falados planos de acção para a matemática a nível de escola. Não ponho em questão a pertinência desses planos, mas sim a pressão psicológica que tudo isto não deixou de gerar. E, por muito que saibamos da elevada percentagem de alunos que chegam aos anos terminais do 3º ciclo já desistentes em matemática ou com grandes dificuldades de recuperação (mesmo quando já mais responsabilizados e preocupados devido até à idade) porque foram transitando com insucesso naquela disciplina tão marcadamente sequencial, não deixa de ser também um facto que são os professores do 9º ano que de algum modo se sentem visionados com os resultados dos exames, mesmo se nas respectivas escolas ninguém os culpa ou, até fora delas, as causas várias de elevadas taxas de insucesso acabem por ser correctamente equacionadas.
Tudo o que foi dito publicamente sobre os professores de matemática na altura dos primeiros exames, por mais que seja evidente o absurdo da ideia que chegou a "passar" como se fossem eles a "ovelha ranhosa" do sistema educativo (ou o "rebanho ranhoso", no caso), foi uma atitude pública muito infeliz que, além de injustiçar muitos e muitos bons profissionais, não deixou também de colocar professores sob pressão psicológica e stress.
Tudo isto me vem outra vez a propósito de um pequeno e pontual caso que me aconteceu hoje. Ao encontrar-me com uma amiga e ao comentarmos a actual política educativa e seus reflexos no próprio clima das escolas e no estado de espírito de muitos professores, referiu-me ocasionalmente desabafos de alunos do 9º ano da sua escola. Posso mencioná-los aqui dado que são alunos de uma escola anónima entre tantas, obviamente não a identifico nem isso interessa absolutamente nada, é apenas um exemplo, entre possíveis e diferentes outros, do que escrevi como título deste post. Os referidos alunos têm matemática nos tempos a ela destinados e - dentro do próprio plano de acção para a matemática da sua escola - também regularmente em Estudo Acompanhado (até aqui, eu ainda nem levantaria muito grande questão) e... ainda na Área de Projecto (!) - portanto, duas áreas convertidas, no caso referido, em leccionação da matemática -, além de alguns deles terem ainda aulas suplementares de apoio incluídas nos ditos planos de recuperação (nos quais alguns professores as incluem mesmo quando do que a recuperação de facto depende é de mais atenção e empenhamento dos alunos e de preocupação da família com isso).
E, assim, o resultado é que os referidos alunos já não podem "ver" matemática à sua frente; o resultado é uma saturação e uma falta de gosto por essa disciplina ainda maior do que a que muitos já traziam.
Não trouxe este caso (provavelmente até pontual) para censurar ninguém. Trouxe-o, repito, como um pequeno exemplo do que a pressão sobre os professores de matemática pode ocasionar, inclusivamente em medidas de reforço contraproducentes, principalmente sobre aqueles mais fragilizados e com turmas mais difíceis (para não falar da dificuldade que a indisciplina cria aos professores no sentido de as aulas serem rentáveis).
Termino com uma questão bem mais geral, que mais do que uma vez apontei neste meu cantinho como um dos maiores erros do actual ministério da educação. Ainda que este tenha de algum modo retrocedido na atitude inicial de culpabilização dos professores e, em particular, dos de matemática, a campanha dos seus acólitos na comunicação social prolongou-se. Nem falando agora de toda uma política educativa que, ao invés de ganhar os professores, os pôs contra ela e foi decretada contra eles, quem vai remediar as consequências desse profundo erro que foi a culpabilização dos professores, o denegrimento da sua imagem perante a opinião pública e a sua desautorização aos olhos da mesma?
2 comentários:
Eu acho que este é um perigo muito real e que se está a estender a muitas escolas.
Pelos vossos comentários fico a recear que a situação que referi neste post esteja a acontecer mais frequentemente do que já imaginava. O desafio que se coloca aos professores de matemática (e que sempre se colocou) é levar desde cedo os alunos a ganharem gosto por ela e, para isso, começarem por adquirir confiança. Saturá-los com mais e mais horas não leva a nada de positivo, mas os professores estão sob enorme pressão externa e isso é mau para professores e alunos.
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