quinta-feira, março 15, 2007

O professor generalista e a matemática

Não destaco a matemática nem por ser a "minha" disciplina, nem por pensar que esta ou aquela disciplina é mais importante - todas são (podem e devem ser) importantes para a formação global dos alunos a nível do ensino básico. Destaco-a pela própria natureza da matemática e pela importância da atitude face a ela desde os primeiros anos de escolaridade.

Ora, enquanto os professores do 3º ciclo e secundário optam pelo ensino de uma disciplina ou área para que se sentem especialmente vocacionados, o que, no caso da matemática, significa decerto, em geral, um gosto, uma sensibilidade e uma formação marcada pela compreensão quer da sua natureza, quer do modo de a ensinar no sentido de uma educação matemática, o mesmo não se passará necessariamente com o "professor generalista". Por isso, foi sentida a necessidade de reforçar a formação matemática dos professores do 1º ciclo e, até aí, tudo bem (pelo menos 'teoricamente' - se, na prática, existirá de facto um reforço adequado, isso se verá). Mas, para o 2º ciclo, baixa-se de uma especialização (já de si muitas vezes apontada por vozes autorizadas como deficiente ou insuficiente nalgumas instituições formadoras) para o prolongamento a este ciclo do professor generalista.
Enquanto ninguém nega que o professor precisa de saber muito mais do que aquilo que ensina em determinado nível, também não se negará que as exigências na formação dos professores não sejam as mesmas para os diferentes níveis de ensino. A questão não está aqui, mas sim na possibilidade de cursos com determinada duração poderem propiciar, com todas as vertentes que têm que abranger - científica, didáctica, pedagógica e outras -, uma formação que altere tendências quer para a predominância do ensino de procedimentos matemáticos sem uma preparação suficiente dos professores para importantes perspectivas tais como a iniciação dos alunos na elaboração de conceitos, quer para uma marcada incidência da formação do professor na didáctica da matemática (Como diz Suzana Nápoles na publicação que abaixo vou referir, "a Matemática não pode surgir a propósito da didáctica da Matemática, a didáctica da Matemática é que deve surgir a propósito da Matemática.").

Tenho procurado no site da APM (Associação de Professores de Matemática) alguma tomada de posição relativa ao novo regime jurídico da formação de professores, mas o parecer que ali se encontra reporta-se ainda à fase de discussão do projecto (fase em que, como tem vindo a ser habitual, a actual equipa do ME se mostrou surda a pareceres que contrariassem o seu projecto de decreto ou alguma questão de fundo do mesmo). No entanto, a questão da formação inicial dos professores tem sido abordada nos últimos anos pela APM em vários documentos. No último número da revista Educação e Matemática, desta associação, é publicada uma mesa redonda, sob o título A Matemática na formação inicial de professores*. Deixo alguns excertos pois apontam para o que penso.

«(...) a principal e primeira linha de força que deve estar presente na formação matemática dos futuros professores consiste na convicção, por parte dos encarregados de organizar essa formação e dos próprios formadores, de que essa formação tem características próprias (...)»(Eduardo Veloso)

«(...) Os cursos de formação estão a preparar professores generalistas ou por áreas disciplinares, pelo que o tempo dedicado à Matemática é largamente prejudicado. Além disso, a constatação de que os conteúdos dos currículos dos 1º e 2º ciclos se resumem praticamente a abordagens elementares dos conceitos de número e forma pode induzir nos formandos a ideia de que a Matemática nos cursos de formação inicial não deve ter grande peso. Ora, é nestes níveis de ensino que se lançam as primeiras pedras para a construção do pensamento matemático, o que acarreta uma enorme responsabilidade dos professores na atitude futura dos alunos em relação à Matemática. (...) Os futuros professores devem ser levados a entender as várias facetas da Matemática: a Matemática como arte, em que se conjugam proposições, se estabelecem conexões e se encadeiam raciocínios para a construção de resultados; a Matemática como instrumento, tanto para aplicações no dia-a-dia, como na resolução de problemas tecnológicos, ou na formulação de teorias científicas; a Matemática como linguagem precisa e geral; a Matemática como desafio, que tanto pode revestir aspectos essencialmente recreativos (...) como decorrerem da constante necessidade de ir mais além na procura de respostas para o mundo que nos rodeia.
(...)
Especificamente no que diz respeito à formação de professores de Matemática para o 2º ciclo (variante Matemática /Ciências da Natureza), existe uma enorme disparidade entre a formação oferecida, tanto a nível de conteúdos curriculares como do peso da Matemática face às restantes disciplinas. Tanto constatamos a existência de um naipe de conteúdos muito vasto e desadequado aos objectivos dos cursos, como a conteúdos muito limitados subordinados à didáctica. (...)» (Suzana Nápoles)
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Resta-me deixar a pergunta: Como será que "se encadeiam raciocínios" na mente de Maria de Lurdes Rodrigues quando se mostra tão preocupada com o ensino-aprendizagem da matemática e, ao mesmo tempo, ignorando tantos alertas de que os transcritos acima são apenas um ínfimo exemplo, empurra o futuro professor do 2º ciclo para professor generalista?
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* Pareceu-me que está acessível a não sócios da APM

1 comentário:

Suzana Nápoles disse...

Quero esclarecer que não é da minha autoria, como erradamente se sugere no motor de busca Google, o texto que transcrevo em seguida.

Resta-me deixar a pergunta: Como será que "se encadeiam raciocínios" na mente de Maria de Lurdes Rodrigues quando se mostra tão preocupada com o ensino-aprendizagem da matemática e, ao mesmo tempo, ignorando tantos alertas de que os transcritos acima são apenas um ínfimo exemplo, empurra o futuro professor do 2º ciclo para professor generalista?