domingo, maio 07, 2006

Uma memória escrita...

... pensamentos de aluna de Educação


(No Departamento de Educação da Faculdade de Ciências de Lisboa não se usa a expressão Ciências da Educação, se se trata de cursos, os diplomas dizem "... em Educação, área x" - pelo menos não se usava até há dez-oito anos atrás)

A que propósito, aqui, esse meu escrito de então? E porque não (?), já que o encontrei há quatro dias, numa pequena operação de limpeza - ver conteúdos de disketes para deitar fora ou eventualmente guardar em disco - e este cantinho é para guardar recordações e, ao ler a primeira parte desse TPC (facultativo), parte em jeito de introdução ao pedido propriamente dito de uma professora... romântica (?), até sorri como quem pisca o olho a si mesma por achar que há 10 anos (também há 20 ou 30, julgo), apesar das consideráveis diferenças, ao mesmo tempo era igualzinha a mim agora ;) (Também porque ando com pouca apetência para escrever, não sei sobre que escrever)
Colo hoje essa parte a que agora chamo introdução ao referido TPC, tal e qual, sem mudança de uma vírgula - colocarei em posterior entrada o que foi, naquele momento, a minha escolha de um "poeta".

A Professora Ester Luisa pediu que trouxéssemos uma pequena peça literária de alguma forma relacionada com a disciplina de Psicologia Educacional. Pareceu-me que nos estava a sugerir - a nós que, professores por profissão e educadores, quiçá, pelo prazer de contemplar o crescer, voltamos agora aos assentos da aula para (re?)encontrarmos os fundamentos da nossa prática e para aprendermos a questioná-la mais e melhor - que não deixássemos lá fora, ao entrarmos nos corredores da fria objectividade científica, a componente humana, de sensibilidade e empatia, indissociável de quem o humano estuda.
Confesso que a sugestão da professora me trouxe à mente, por contraste, "cinzento + laboratório", assim mesmo, como quando se pede _ olhe para a imagem e diga, de imediato, o que lhe ocorre. (Suspeito que o cinzento tem mais a ver com as resmas de textos em Inglês do que com o laboratório - este, talvez, de Pavlov ou de Skinner).
Metodologias... métodos... métodos quantitativos... E eu (que teria dificuldade em me imaginar sem uma formação em matemática, e que até estou a gostar muito das aulas das metodologias de investigação) estou agora a lembrar-me de que humano e medida são dois atributos que só forçadamente associo. (Aliás, detesto fazer contas. Virá a propósito o poema?)

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(Descoberta da "outra" matemática)

Ai o ponteiro da tortura
naquela sala
que a matemática tornava mais escura
em vez de iluminá-la.

Felizmente só o nada-de-mim ficava lá dentro.

O resto corria no pátio-em-que-nos-sonhamos,
pássaro a aprender os cálculos do vento
aos saltos do solo para os ramos.

Mas só quando voltava para casa à tardinha
encontrava a minha verdadeira matemática à espera
na lógica dura das teclas do piano,
no perfil-oiro-pedra da vizinha,
na flauta de água macia do tanque
- chuva de Mozart nos zincos da Primavera...

Matemática cantante.
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(José Gomes Ferreira, 1957-58)

Aliás, assinalei o grau máximo em "metodologias de investigação" sempre que respondi a um questionário sobre interesses formativos, mas confesso que não gostaria nada de trocar aquela barulheira tremenda que eles (os miúdos) fazem a trabalhar em grupo, mais os disparates todos de alguns e os problemas de outros alguns (estes, muitos), pelo sossegado gabinete de estudo, qualitativa e quantitativamente repleto de dados redigidos ou assinalados por eles. Adorava ter ao dispor amostras significativas, mas compreenderia eu tudo sem lhes olhar o olhar? (dos grandes, não digo nada, é uma questão mais complicada).
Lembro-me de William James. Ignoro se poderá tornar-se ciência essa arte de ensinar e educar que, dia a dia, vamos exercendo - não sei se nascida em cada um, se aprendida por partilha, ou se promovida por eles, os miúdos, tantos, que já tivemos. Mas, ciência ou arte (será tão grande a diferença?), educação permanecerá, decerto, objecto e fonte de conhecimento e de interrogação na medida em que o humano, individual e social, assim também permaneça. Jamais, creio, o saber e a investigação lhe poderão ser alheios.
Não é por isso que, professores, aqui estamos alunos de novo? (Faltava acrescentar isto, claro, não fossem aquelas associações, ao correr do pensamento, parecer o considerar investigação do humano uma ironia!)

Não trago um poeta (José Gomes Ferreira foi só um parêntesis). Tinha ainda comigo o encantamento de uma leitura de há dias apenas. E, soubera-me tão bem encontrar, em português - nosso, original - se não poesia, pelo menos o belo no horizonte projectado pelo olhar do próprio cientista, sociólogo, professor, que outro não procurei.
Não caberá dentro do programa de Psicologia Educacional. Mas só porque, creio, é esta que cabe, como ciência humana, em "Um discurso sobre as ciências".
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Nota:
A parte seguinte desse meu texto é uma pequena composição feita com extractos da Oração de Sapiência de Boaventura de Sousa Santos, devidamente referenciados. É bonita (e não só) porque esse discurso é muito bonito (e não só ), é fácil compor um texto bonito (e não só) com pequenos excertos de quem tal discurso escreveu - coloco-a na próxima entrada.

2 comentários:

Miguel Pinto disse...

E falavas tu da necessidade de colocares um adesivo na boca... Livra-te! :)

Teresa Martinho Marques disse...

Deixo-me embalar nas tuas recordações e fundo-as com as minhas... No Departamento de Educação aproveitei sempre os trabalhos para dar largas a tudo o que podia deitar a mão... e escrevia, escrevia, poesia pelo meio... escrevia... até uma peça de teatro fizemos para didáctica e orientação escolar...
Continua a soltar essas memórias que nos enriquecem e pelas quais passeamos como num jardim... continua a partilhar toda essa humana doçura que te habita. Eu cá sou fã. Adesivo é que não... nunca!