domingo, maio 14, 2006

Um ano depois (ou Um projecto desviado)

Faz hoje um ano, este bloguezinho. Não refiro o facto para comemorar - não apago velinha, nem trago bolo (para cantar, deixo o Chico, mas hesitei entre a fantasia e... ela desatinou ;) ). Refiro-o para contar aos que, inesperadamente, vieram a ser "compagnons de route" neste perturbado ano lectivo (e eventualmente queiram ler o conto), o que me levou a criar este cantinho, afinal com uma ideia muito depressa desviada.

Não frequentava a blogosfera, não costumava ler nenhum blog, mas a modalidade atraiu-me como meio prático de ir teclando uns escritos, aliado a um aspecto motivador da escrita que era o de me propiciar também ter um cantinho onde, além de ir nele guardando esses escritos, de vez em quando libertar este ou aquele estado de espírito mediante uma imagem ou um poema - já que não sei pintar nem escrever poesia, a procura de uma expressão metafórica de um pensamento ou estado de espírito ora me diverte, ora me permite extravasar uma zanga, ora me proporciona tranquilidade ou silêncio.
Criei o blogue prematuramente em Maio devido a ter-me posto a experimentar o manejo técnico, pois, como então disse, na entrada inicial, era um projecto a começar verdadeiramente só nas férias, dado que não queria ficar por memórias ou episódios, precisava da disponibilidade dessas férias para começar a rebuscar alguns fundamentos (nas minhas fontes de teoria/investigação), do que, com alguns dos relatos soltos, implicitamente defenderia, tendo em mente referências ou curtas notas, ao mesmo tempo que aproveitaria para ir organizando uma "revisão-síntese" pessoal, independente de uso para o blogue. Na verdade, pensei neste entretenimento como pequeno baú de "soltos" para mais tarde o abrir - nesse tempo de reformada que nem estava projectado para tão próximo como afinal ficou pelo repentino "tirem-me deste filme" - e então pensar em "sim ou não" fazer alguma coisa com as minhas memórias de prof. (Mas, este relato também é, já, somente uma memória)

Entretanto, pesquisei por blogues de professores, já não me lembro se terei deixado algum comentário ao Miguel Pinto, mas ele descobriu-me (é perito na descoberta de cantinhos de colegas) mais ou menos ao mesmo tempo, julgo, que Julho desviava o meu projecto antes do Agosto em que imaginara prossegui-lo "direitinho" (e devagar). Esse Julho em que começou, a meu ver, o maior erro no sistema educativo que vi em toda a minha vida adulta - a partir do "escândalo" dos resultados em Matemática dos exames nacionais realizados pela primeia vez no 9º ano, começou o achincalhar da classe docente, já que seria pouco lógico ficarem pelos professores de Matemática, elegendo-os como espécie aparte, vocacionada para a incompetência.
O Miguel foi o grande dinamizador de troca de opiniões e mesmo debates, e creio poder dizer que não fui só eu que fiz um percurso que, tendo, embora, momentos mais emotivos, passou também por bastantes de disponibilidade para interrogar, auto-interrogar, reflectir e tentar atitudes construtivas, mas foi acabando, progressivamente, por chegar à evidência de tanto e tamanho acumular de erros do actual ME e seus ajudantes, que já não há apelo credível ao papel dos professores no meio do descalabro que esvazia esse papel.
E, assim, neste meu cantinho, já não sei, agora, o que escrever. Mais do mesmo sobre esse descalabro, não vale a pena - é repetitivo, cansa e desmoraliza. Quanto ao meu projecto inicial sobre o ensino-aprendizagem, particularmente da Matemática, e também sobre experiências ou memórias relativas ao acto educativo global, isso pareceria insólito neste momento caótico, como embrulho lançado por extraterrestre num ambiente nada oportuno caracterizado pelo tudo ser feito para humilhar, desmotivar e desviar os professores de disponibilidades para dialogar e reflectir sobre os seus modos de ensinar e educar. Além de que uma prioridade se está tornando cada vez mais urgente - a reflexão e busca de soluções face ao problema da indisciplina dos alunos nos seus vários aspectos, incluindo a simples, mas generalizada indisciplina de trabalho. Problema, a meu ver, a requerer cada vez mais urgência, como disse, (se acaso não passa primeiro pelo problema da educação do cidadão adulto), e também mais urgente do que assuntos que entravam no meu pequeno projecto de escrita.

Já que pus de parte esse projecto, humilde, mas decorrente de experiência de uma vida profissional inteira, não vou terminar esta entrada sem, ao menos, referir uma das questões que me são mais caras, uma questão em torno da qual pugnaram (pugnámos) bastantes professores de Matemática do Básico - a dos métodos de ensino-aprendizagem da matemática nas idades da escolaridade obrigatória. Deve ter sido pela década de 80 (?, não me apetece fazer contas) que
vimos essa questão fortemente assumida e apoiada pela Direcção Geral do Básico, através do seu Departamento de Matemática, num governo de que nem estou certa da cor (lá teria que fazer contas), o que é (deveria ser) irrelevante nesse âmbito. E há que deixar de omitir que certas inovações, que requerem (re)aprendizagens e procedimentos faseados que alteram os "timings" que professsores estão habituados a querer rápidos para terem depressa uma turma a funcionar "bem", tenderam à imediata desistência de também bastantes colegas, após um "vou experimentar". Tal como há que deixar de omitir, de forma mais geral, isto é, não circunscrita à matemática, que, se é verdade que o 25 de Abril eliminou aqueles métodos expositivos e controladores dirigidos a turmas que se queriam passivas, não deixa de ser ainda pertinente cada um perguntar-se até que grau foi significativa a mudança (embora havida, obviamente), pois, provavelmente, os que mudam e inovam sempre o fizeram por predisposição, mas também haverá os que precisam de criar disposição, aceitando perguntar primeiro a si próprios se as sucessivas roupinhas novas, que até, por exemplo, a força das novas tecnologias acaba por obrigar a vestir, significam sempre, de facto, mudança por baixo da roupa.
Ups...


P.S.:

Mas também há uma pergunta a saber-se fazer a si próprio ao fim (e ao longo) de um percurso: Estas ou aquelas perspectivas de um tempo ainda são adequadas a situações de outro tempo? Sob pena de, não se sabendo fazê-la, não se ter percebido que são os novos que saberão responder aos novos tempos (e, se não souberem, mais ninguém poderá dar, por eles, as respostas).

_________________
Adenda - Os novos.... E os outros, que papel?
(Contradição? Contra-argumento? Mas, se eu parar de discutir comigo, será a paragem de mim própria, e não estou a pensar parar eu o motor antes de ele parar por si)

Building Memories


Jack Sorenson

13 comentários:

Anónimo disse...

Isabel, parabéns! Eu acho que o teu blog é um espaço muito rico, quer em termos de transmissão de factos ou opiniões da vida da escola, como também do ponto de vista, recordando-me eu de páginas soltas que eu já li aqui que me comoveram. Mil beijinhos e go ahead, digo eu que sou prof de Inglês, que em termos de "negas" anda noemalmente a par da Matmática. Sabe-se lá porquê?
Beijinhos

IC disse...

Madalena, obrigada.
E... pois, sabe-se lá porquê o Inglês segue a Matemática nas taxas de insucesso, nesta época em que não só não conseguimos passar sem ele, como os ídolos dos jovens vêm dos EU, cantam, fazem filmes em inglês, etc.
Beijinhos

Teresa Martinho Marques disse...

Eu sei que ainda sou gaiata... que estou nisto há pouco, que fiz uma parte deste caminho na tua companhia e fui sendo enriquecida através "daqui", através "dali", através de ti, numa partilha quase diária de aventuras.
E fui encontrando os outros parceiros que se iam juntando num barco onde remam a vozes diferentes mas que se casam e complementam. Uma sala de professores como a que queríamos em cada escola.
Dizer da beleza, dos equilíbrios e desequilíbrios renovadores, dos novelos e das claridades é difícil. Portanto, digo apenas Parabéns Isabel! Tem sido um prazer caminhar na tua companhia. Descobrir-te por entre as coincidências do mundo. Tu, que já tinhas feito parte da minha vida sem saber...
Um enorme beijinho.

Miguel Pinto disse...

Lancei um outroolhar ao teu cantinho. Daqui a um ano estaremos por cá para reflectir a escola... mas com novos actores, digo eu. ;))

IC disse...

Obrigada, Teresa. Foi muito bom ter-te encontrado, a tua força e entusiasmo criam esperança :)

Miguel, daqui a um ano... é tanto tempo! Mas, simultaneamente, é um instante, também é verdade. Mas é muito bom saber que vais estar a reflectir a escola aqui na blogosfera, para incentivo de todos. :)

matilde disse...

Parabéns Isabel... É bom vir aqui ouvir os teus desabafos, experiências, o teu sentido de humor, as imagens que nos trazes...
É como diz a 3za - vai-se cnstruindo aqui uma sala de professores à nossa medida :)
Uma sala de professores onde se fala de muito mais que de escola... e onde acima de tudo de vive muito pra além do virtual!
Parabéns e bgd pelo teu excelente contributo.

IC disse...

Tit, obrigada pelas palavras (mimos, como costuma dizer a 3za) e obrigada também pela tua presença, por participares nessa sala de professores que temos tido distribuída por várias "salinhas" aqui na blogosfera.:)

«« disse...

querida Isabel, se é verdade que o caminho se faz caminhando, o meu faço olhando para os bons exemplos. Olhos para ti todos os dias...parabéns

IC disse...

Miguel, obrigada, embora as tuas palavras vão para além do que eu mereço (são miminhos de dia de aniversário :) ) Mas tu não precisas de exemplos, querido Miguel, isso sente-se bem, e eu posso dizer-te o mesmo que me dizes, a tua prática de professor e o coração que pões nela já me fizeram mais do que uma vez, como sabes, "proibir-te" de ideias de deixares de escrever na blogosfera. :)

IC disse...

Nota: Não apago comentários, se acaso houver má educação, isso é problema do autor, mas quando um garoto anónimo (estas coisas, suponho, só podem vir de garotos)deixou apenas uma longa linha de letras sem nexo e sem espaços em que a ausência de espaços não permite mudança de linha e deforma o formato por interferir com as dimensões do post, se for visto isoladamente (é possível que tenha sido essa a intenção), tive mesmo que apagar.
A quem fez tal, deixo apenas dito que, embora anónimo, não faça triste figura perante si próprio.

AnaCristina disse...

Venho atrasada...
Mas não quero deixar de parabenizar-te, Isabel, pelo cantinho que visito diariamento mesmo que não comente.
Sei que sou uma gaiata (não como a Teresa, mas mesmo gaiata de idade), uma miúda que voltou a acreditar nos professores mais velhos. Tive o azar de me desiludir com os braços cruzados e o encolher de ombros que vi pelas escolas por onde passei, no entanto, aqui na blogosfera descobri uns quantos "cotas" que afinal desejam tanto como eu mudar o mundo.
Obrigada e Parabéns!

IC disse...

Ana Cristina, confesso que não me importava nada de ainda ser "gaiata" em vez de cotaaaaaa (os "a" significam muito cota), mas, se também contribuo para mudares a ideia de cota, já é uma boa "consolação" ;)
Obrigada, Ana (só tenho recebido mimos pelo aniversário, ai que ainda fico cota mimada, o que seria pior que os tais cotas de braços cruzados e a encolher os ombros!)
Que nunca deixes de desejar mudar o mundo, que isso são mesmo os mais jovens que poderão fazê-lo :)

Amélia disse...

Associo-me aos demais - gosto de vir aqui sempre.Um beijo amigo!

Amélia