sexta-feira, outubro 07, 2005

Reflexos da passagem de uma ministra pelo ME

Um comentário-resposta do Miguel Pinto a um meu comentário (pergunta) relativo ao seu texto [Ex]citação, embora eu partilhe do essencial do seu ponto de vista, suscitou-me um receio.
Tendo começado por lembrar que tentativas de soluções e erros, no domínio da educação, dos nossos administradores (actuais e anteriores) não são originais, mas repetições do que já foi testado em países mais desenvolvidos que o nosso, o Miguel diz: "O problema é que o nosso atraso educacional é imenso quando comparado com esses mesmos países e não nos podemos dar ao luxo de perder mais tempo. Já que os nossos ministros insistem em andar de costas voltadas para a investigação em educação seria bom que os professores se antecipassem e agissem em conformidade com os resultados desses trabalhos."
Mas o que interrogo, nesta perspectiva do Miguel, é a ideia, que também expressa, de que, tal como a dos antecessores, a passagem desta ministra pelo ME "deixará um rasto mais ou menos inócuo".
Ora, embora admitindo que o meu receio enferme de uma subjectividade decorrente da minha pessoal e muito forte reacção a determinadas atitudes que me lembram ambientes sufocantes do passado, receio de facto que a passagem desta ministra pelo ME seja bem menos inócua que outras, pelas marcas que poderá deixar nos professores, na sua disponibilidade e no seu modo de encarar a sua participação em mudanças no sentido da qualificação da educação dos jovens portugueses.
Por um lado, cada professor que tenha a consciência e o reconhecimento externo de cumprir a sua missão com profissionalismo e dedicação não terá deixado de sentir o direito à protecção do seu bom nome lesado por fazedores da opinião pública, sobretudo por altura de Junho-Julho últimos - e não sei se será fácil esquecer isso. Foi um primeiro grave erro da presente administração, pois não deixou de ser conivente com tal.
Por outro lado - e outro grave erro - foi a extrema prepotência, fortemente agressiva para os que se norteiam por princípios democráticos, caracterizada pelo desprezo quer por uma apresentação prévia de projectos aos intervenientes no processo educativo, quer por qualquer diálogo com os mesmos.
Cingindo-me neste post às medidas directamente dirigidas à educação e ensino (e até independentemente de, em nome da sua melhoria, serem arremedos de educação ou de pedagogia), não esqueço que os sindicatos têm um papel próprio e um âmbito negocial delimitado por esse mesmo papel. Mas, que se saiba, também não houve consulta nem diálogo quer com entidades individuais ou colectivas de reconhecido conhecimento da investigação em educação (insistência em lhe manter as costas voltadas, como lembra o Miguel, numa preferência por conselheiros mais convenientes e de duvidosa credibilidade), quer com as associações profissionais de professores, vocacionadas não para a vertente sindical, mas para a recolha do património nacional e internacional no âmbito do conhecimento em matéria de educação, ensino e aprendizagem e para a sensibilização dos professores para o mesmo. No entanto, estas associações têm estatuto legal como parceiros no âmbito de pareceres e diálogo. (Um parêntesis para esclarecer que a APM foi chamada a participar na elaboração do programa de reforço da formação em Matemática dos professores do 1º Ciclo, mas essa chamada insere-se numa colaboração técnica, escandaloso seria se fosse esquecida dado o seu conhecimento dos amplos e valiosos trabalhos feitos no âmbito da educação matemática. No entanto, não eram ouvidas as suas chamadas de atenção para as insuficiências e deficiências - degradação, digo eu menos delicadamente - dos cursos de formação de professores do 1º e do 2º Ciclos). Não houve, igualmente, qualquer auscultação aos que, no terreno, bem conhecem medidas prioritárias que urgiria serem tomadas.
Este desprezo pelo diálogo foi demasiado ostensivo para que venha também a ser fácil aos professores esquecer o que foi, em suma, público desprezo por eles mesmos. E, por mais que saibamos que as medidas são economicistas e não de verdadeira preocupação com a educação, há limites que têm a ver com a dignidade profissional e não só, também com, globalmente, a dignidade pessoal.

São estes os receios que deixei dito ao Miguel que expressaria.
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Adenda:
Acrescento a sugestão de leitura do Miguel:
Philippe Perrenoud (2002). Aprender a negociar a mudança em educação.

E transcrevo também este extracto do comentário que aqui deixou:
"Na contracapa diz o seguinte: […] uma reforma conduzida sem ou contra os actores não só falha como deixa feridas e contribui para o desenvolver de mecanismos de defesa contra toda a inovação. […]
A Dra. Maria de Lurdes estará preparada para lidar com os efeitos das mudanças que pretende operar no sistema?"

4 comentários:

Miguel Pinto disse...

Deixa-me prolongar a conversa, Isabel. Aconselho vivamente [se me é permitido o abuso] a leitura do livrinho do qual foi retirada a [ex]citação. Já tem alguns anos mas continua actual. Na contracapa diz o seguinte: […] uma reforma conduzida sem ou contra os actores não só falha como deixa feridas e contribui para o desenvolver de mecanismos de defesa contra toda a inovação. […]
A Dra. Maria de Lurdes estará preparada para lidar com os efeitos das mudanças que pretende operar no sistema? Duvido!

crack disse...

Caríssimos
A Profª Maria de Lurdes, enquanto ME, nunca estará preparada para lidar com nada, primeiro porque não lhe está na natureza - a senhora é uma terrível ditadora, segundo, porque ela não tem a mínima noção do que se impõe fazer em matéria de educação, e essa circunstância já a fez perder, há muito, qualquer possibilidade de actuação.Limita-se a gerir a crise com o Valter Lemos e a receber, calada, os elogios daqueles que não sabem, não querem saber e até têm raiva de quem sabe o que se passa nas escolas.

Anónimo disse...

Também me parece que o problema seja o Valter Lemos...
stela

AnaCristina disse...

Obviamente que a Sra não sabe o que anda a fazer... Vou ainda mais longe na questão: "Será que algum ME conheceu profundamente o Ensino Básico e Secundário antes de ter aceitado o lugar?"

Eu respondo por eles: NÃO... NEM DEPOIS DE TEREM ACEITE O LUGAR.