A minha necessidade de aproveitar as férias todas para destressar da actual política educativa (ou pseudopolítica educativa) não se estende às coisas da sala de aula - aí estão só os alunos (e eu).
Encontrei, numa entrevista de conceituado professor universitário ligado às questões do ensino da Matemática e à investigação nesta área, uma citação do grande matemático português do século XX, José Sebastião e Silva: “A modernização do ensino da matemática terá de ser feita não só quanto a programas mas também quanto a métodos de ensino. O professor deve abandonar, tanto quanto possível, o método expositivo tradicional, em que o papel dos alunos é quase cem por cento passivo, e procurar, pelo contrário, seguir o método activo, estabelecendo diálogo com os alunos e estimulando a imaginação destes, de modo a conduzi-los, sempre que possível, à redescoberta”. Lembrei-me então da 2ª questão que deixei agendada para pós-férias no meu post de 25 de Julho, que aí resumi assim: "Da defesa e até luta de bastantes professores de Matemática pela adopção generalizada de novas metodologias especificamente adequadas ao ensino-aprendizagem dessa disciplina nos anos da escolaridade básica (novas na prática, que nada novas nas teorias e investigações na área da educação matemática), até à resistência que não se situa apenas nos próprios - os professores de Matemática -, mas na cultura e/ou clima ainda prevalecente na escola portuguesa."
Creio que a parte da afirmação de Sebastião e Silva relativa a expor mantendo diálogo com os alunos é uma questão ultrapassada na escolaridade básica, pois julgo que nenhum professor conseguiria manter, nessas idades, os alunos mais do que cinco minutos atentos sem uma constante interacção com eles. E, embora a isso se chame método activo, não é isso por si só que, a meu ver, retira o cunho de ensino tradicional ao ensino-aprendizagem da Matemática, podendo esse diálogo não ser mais do que um expediente para a captação da atenção num método que não deixa, por isso, de privilegiar a exposição.
Mas, Sebastião e Silva acrescenta o que é o cerne da questão: a condução dos alunos à descoberta/redescoberta. E aqui lembro um dos meus lemas de sempre: qua a Matemática não entra pelos olhos ou ouvidos, mas pelo lápis no papel.
Não cabendo num post escrito ao correr das teclas enveredar por fundamentações teóricas, lembro apenas que da defesa e luta de bastantes professores nas décadas de 70 e 80 pela assunção de uma estrutura de funcionamento das aulas de Matemática assente no trabalho em grupo e respectiva dinâmica se chegou ao apoio mediante directrizes claras do gabinete de Matemática, a dada altura existente na Direcção Geral do Ensino Básico, no sentido de um método, efectivamente adequado à aprendizagem da Matemática, baseado na referida estrutura de funcionamento. Directrizes que se foram desvanecendo na resistência (talvez por insegurança devida a formação insuficiente para tal) dos professores de Matemática e também à desistência de alguns face à surdez de certas escolas à necessidade de não criarem obstáculos práticos à existência de salas apropriadas à exequibilidade de tal método.
Não me imagino a seguir outro, em toda a minha vida só entendi as aulas de Matemática assim. E os alunos também entendiam (e entendem) a diferença positiva, por isso colaboravam nos mais diversos expedientes no tempo em que o mobiliário de sala de aula (as carteiras, que não sei se ainda existem nalgum museu) de facto os requeriam para poderem trabalhar em grupo.
E aqui, trata-se de outra interacção bem para além da interacção professor aluno: a interacção entre os alunos, nos grupos e entre grupos, enfim, na aula toda.
Poder-se-ia pensar que o trabalho em grupo também não se trata de mais do que um expediente para substituir a real dificuldade de apoio constante a pelo menos 25 alunos pela maior facilidade desse apoio a um máximo de 6 grupos. Mas esquecer-se-ia o que de essencial essa estrutura de funcionamento dá aos alunos, preparando-os para um posterior ciclo, o Secundário, em que factores como a extensão dos programas decerto não a tornam exequível, mas em que também já não é imprescindível.
Dá-lhes uma relação com a Matemática baseada no trabalho de descoberta (também na tentativa e erro e compreensão deste), por si mesma desafiante como o mostram as frases frequentes: stora, não corrija ainda, deixe-nos acabar; stora, não explique ainda, já estamos a ir... . E dá-lhes sobretudo autonomia no trabalho nessa disciplina, pois trabalham uns com os outros, sim, mas boa parte da aula sem professor, cujo papel, além de exposições obviamente também necessárias, é o da explicação e do apoio apenas indispensáveis, que, na dinâmica criada, eles próprios (os putos) fazem questão de querer apenas nos impasses de naturais e inevitáveis dificuldades.
Piaget dizia que a verdadeira finalidade da educação é a preparação para a autonomia. Atrevo-me a parafraseá-lo dizendo que os métodos verdadeiramente adequados ao ensino-aprendizagem da Matemática nos anos do Básico são os que preparam para uma relação autónoma com ela no futuro trabalho pessoal que lhes exigirá.
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