sábado, agosto 20, 2005

Manuais escolares

Ontem fui a um hipermercado, reparei logo no grande anúncio "Regresso às aulas" apontando a secção de material escolar, o que me trouxe à memória o meu habitual litígio com os manuais escolares - dizendo mais precisamente, com o manual de Matemática, que é com esse que lido. Litígio que, enquanto pessoal, não teria importância, pois só me dá o trabalho de gastar mais um pouco de tempo a seleccionar o que possa aproveitar do manual (que é importante que os alunos o usem, além de que custou caro) ao planificar as minhas aulas. (Minhas, sim, malgrado os autores dos manuais os elaborarem extensamente como se as aulas de cada professor fossem obviamente as que as suas cabeças concebem).
Mas, aparte o meu litígio pessoal não importante, a verdade é que o negócio das editoras com os manuais foi progresivamente tendo consequências negativas de não pouca importância. Seja porque alguns professores se sentem obrigados a tornar o manual no seu guia de aula dado que os alunos o compraram a alto preço, seja porque a concorrência leva os próprios autores a recheá-los tornando-os um aliciante à dispensa da planificação pessoal e autónoma das aulas pelo próprio professor. E, assim, alguns (eu evito sempre dizer muitos porque os casos que observo são de facto poucos) passaram a dar as aulas consoante a gestão ("flexível") do curriculum concebida pelos autores, usando as estratégias que estes entendem ditar (para qualquer turma e quaisquer alunos), propondo os problemas e exercícios profusamente a jeito de não se ter que os criar, mas em que cada vez menos se consegue discernir critérios de escolha, ordenação ou graduação (a não ser, por vezes, o de ser o problema "engraçadinho"). E com essa auto-incumbência de tudo fornecerem ao professor, acrescida do trabalho de procurar bonequinhos acessórios a encarecerem o dito e a infantilizar os alunos, é natural que lhes sobre menos tempo (aos autores que concorrem às editoras, cuja concorrência, por sua vez, impõe assim) para se preocuparem com uma organização simples e uma clareza que torne de facto o manual acessível e, portanto, útil ao aluno - além de que seria menos oneroso se se cingisse ao necessário dado que o manual é (devia ser) o manual do aluno, não é (não devia ser) o manual do professor.
Também o rigor científico nem sempre anda nas preocupações da negociata, e inevitavelmente escapa o errozito científico aqui e ali a quem escolhe a braços com umas duas dezenas de manuais chegados em catadupa e em cima da hora para analisar em 15 dias no meio do intenso trabalho das últimas semanas de aulas.

P.S. Quase no final de escrever este post fiz uma breve pesquisa e encontrei:

3 comentários:

Miguel Pinto disse...

Por estas e por outras, este ano lectivo propus, e o grupo disciplinar aceitou, não adoptar o manual escolar. Obviamente que terei o cuidado de seleccionar diversos materiais de apoio para os meus alunos. Creio que desta forma posso abordar o programa da disciplina sem olhares... parasitas.

PS: Não caio no logro de generalizar este meu procedimento para outras disciplinas.

tsiwari disse...

Como autor de manuais escolares, de Matemática até, entristeço ao ler tais repercussões dos manuais.
Claro que um (o nosso, pelo menos) manual é feito, baixo programas pouco claros ( e muitas vezes mal pensados!), a pensar no aluno e não no professor.
E um manual não passa de uma leitura possível do programa e de uma tentativa de adequação de tal programa ao que pensamos ser uma maneira de aprender Matemática.
O professor não pode é estancar as suas aulas, reduzindo-as à utilização dum manual... Eu próprio uso muito mais que os nossos manuais nas minhas aulas...
Qualquer crítica é sempre bem vinda. Só podemos melhorar assim.
Cumprimentos matemáticos e desejos de um bom ano de trabalho,
TsiWari

Anónimo disse...

Caro tsiwari
Em primeiro lugar, obrigada pela sua visita.
O que eu quis dizer com manual para os alunos é que estes (pelo menos os mais novos) precisam de o usar em casa essencialmente para memorizar e rever o que na Matemática também é preciso memorizar (definições, regras, princípios, etc.), pelo que penso que a 1ª preocupação dos autores deve ser pôr isso bem destacado, e não diluido nas explicações, conduções à descoberta, etc., pois essas são a de cada professsor (é pouco provável que o colega estivesse na sala ao lado a introduzir uma noção ou a iniciar uma unidade do mesmo modo que eu ou vice-versa, e é nisso que penso que os autores escrevem demais estando por isso cada vez mais a proporcionar que os novos professores não desenvolvam a capacidade de conceberem eles as aulas e de serem criativos consoante as necessidades e características dos alunos).
Propostas interessantes de actividades, isso claro que é bem-vindo, mas, a meu ver, em secções próprias. Exercícios/problemas, também claro que sim, e a minha dificuldade com eles é que muitas vezes não encontro neles os critérios que referi no post.
Em suma, encontro menos uma organização simples e fácil para os alunos se entenderem com o manual ao estudarem em casa, e muito mais um propiciar que professores dêem as aulas pelo manual, sem escolha e concepção das estratégias diverificadas adequadas às situações. Mas, claro, cabe-lhes serem autocríticos nisso.
Um bom ano de trabalho e bem-vindo à blogosfera. :)