segunda-feira, abril 28, 2008

Afinal para que quero um blogue?

(Em jeito de balanço)

Para que quis um blogue quando criei este, até sei; para que o quero agora, isso é que já não sei!

Quando criei este bloguezito, eu queria falar de alunos, de ensino e aprendizagem, de aulas, de métodos e estratégias de ensino, da minha disciplina que é a Matemática e de sucesso e insucesso nela, também de direcção de turma, de educação, de formação de alunos e de formação de professores, enfim, queria falar de escola.
E, quando comecei a conhecer colegas da blogosfera, pensei até que não falaria sozinha disso tudo, pensei que poderia não ser só falar, mas debater também. Troca de experiências, partilha, testemunho, isso era o que me atraía, embora tenha encontrado raríssimos blogues de docentes em que tal acontecesse.

Contudo, de tudo isso me fui desviando, pois quase logo apareceu a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, e eu própria andei centrada nela e na sua política. E, hoje, com esta sensação de que dirigi este meu cantinho sobretudo para essa política, lembrei-me de fazer uma contabilidade, já que tenho os meus posts quase todos etiquetados (de 590, têm marcadores quase 400, e os que não estão marcados são irrelevantes quanto a assunto). E não é que constato que, afinal, apenas 21 são sobre política educativa?! Vá lá, mesmo que estime nuns 30 os que à política educativa se referem, tenho mesmo que concluir que, afinal, não foi (só) a política do Ministério da Educação que me desviou e me desmotivou de escrever sobre o que tencionara inicialmente.

Dos temas que acima mencionei, há um que jamais abordei - e não foi por acaso. Jamais abordei um dos temas que me são mais gratos e de que tenho melhores memórias: a direcção de turma. Porque a burocracia que foi progressivamente assoberbando os directores de turma parecia-me retirar sentido às minhas memórias de mais de 20 anos consecutivos até outras tarefas terem requerido que deixasse esse cargo.

No entanto, tenho consciência de que a falta de condições e os climas de escola perturbados pela política de MLR foram apenas meia razão para abandonar as minhas memórias. Costuma dizer-me um amigo (e ainda hoje mesmo mo disse) que da outra metade do motivo da minha desmotivação nunca falei, que eu só falo da política deste ME porque omito a outra face do sistema educativo, que é a realidade no "terreno". Sei que o meu amigo tem razão, no terreno há muito do bom e até do excelente, mas bastante há também do menos bom, e o indesejável ou pernicioso não é tão insignificante quanto muitas vezes dizemos - dizemos, seja por corporativismo, seja por compreensão tolerante, ou seja por uma espécie de reserva ética.

Afinal, para que mantenho eu um blogue?

Talvez porque ainda vou esperando por condições mais propícias para falar do que é o tema mais importante para mim como professora: alunos - ensino e aprendizagem - educação. Mas pergunto-me: se voltar a falar disso, não será um monólogo? Não porque aquele não seja o tema prioritário no pensamento de muitos colegas, e aqui deixo a minha manifestação de apreço à 3za - uma companheira "bloguista" - por não ter perdido nunca a motivação para falar dos alunos, para partilhar as experiências e vivências com eles, para nos revelar a paixão de ensinar e ajudar a crescer. No entanto, no clima de escola que se tem vivido nos últimos quase três anos, a escrita da 3za e a dos poucos outros que privilegiam esse tema serão muito mais do que monólogos?


Continuando a corrente...

A Madalena desafiou-me para esta corrente, foi mesmo uma marotice escrever que "não aceitar seria uma tremenda falta de educação, de respeito e de amizade", pois não é fácil ;).
Eis o desafio: seis "coisas" que não me "importam". E depois, cada um desafia mais seis.
Se fossem coisas que me importam era muito fácil - mas, pensando bem, também não é difícil encontrar umas que não me importam. Aqui vão as seis pedidas, por ordem aleatória:

- O que os outros dizem de mim quando estão na "má língua";
- Não ter fortuna para esbanjar;

- Não ser mais velha do que sou (isto quer dizer que a idade me chateia e importa ;) )

- Futebol, quem joga, quem ganha ou perde (desde que não tenha que estar a ouvir relatos na tv)

- Problemas existenciais dos que só pensam em "trepar" na vida, especialmente dos que o fazem pisando outros;

- O que as religiões dizem que é pecado (basta-me a minha moral).

E agora passo a corrente: 3za, Tsiwari Miguel, Tit, (podem responder no Aragem), Marina, Bell

sábado, abril 26, 2008

Caminhante...

Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en el mar.
(*)
Antonio Machado


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(*) Enviado pela Amélia Pais

Canções para a minha neta Inês

Ontem a minha Inês fez-me novas perguntas sobre o 25 de Abril. Ao falar-lhe das duas canções que foram senhas naquela noite, dei-me conta de que ela não conhecia a Grândola - imperdoável da nossa parte. Ouviu-a e falei-lhe então do Zeca, e do Adriano também. Fiquei comovida com a sua especial atenção e com os seus olhos emocionados ao ouvir o Adriano na Trova do Vento que Passa. Por isso aqui deixo para ela essa canção, e também uma canção especial do Zeca.


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Adriano Correia de Oliveira - Trova do vento que passa


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José Afonso - Canção de embalar


sexta-feira, abril 25, 2008

25 de Abril

Com as mãos das minhas filhas pequeninas nas minhas, imaginei um país novo para elas.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.


Foi sonho?

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.



Foi esperança!



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Em itálico: excertos de As portas que Abril abriu, Ary dos Santos.

quinta-feira, abril 24, 2008

Saturação... tédio... vazio...

...de ligar a televisão, de abrir o jornal, e mais a avaliação que professores querem e não querem, e etc. e tal.

Já só leio os títulos, de tanto que se escreve, uns a dizer o mesmo, outros a dizer outro mesmo.

(Hoje devo ter acordado mal disposta, queiram desculpar-me. Se calhar foi por ter acordado com a rádio a falar da ratificação do Tratado de Lisboa...)


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No campo queimado
ainda uma leve fumaça
Tronco resistindo

Eunice Arruda


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Rosto no vidro
uma criança eterna
olha o vazio


Alphonse Piché
Tradução de Carlos Seabra

segunda-feira, abril 21, 2008

...

A criança que fui chora na estrada

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.


Fernando Pessoa

domingo, abril 20, 2008

No teu aniversário

Tens flores no dia dos teus anos e todos os dias. E flores também no meu cantinho...


Renoir (1910-17). Roses dans un vase



Para a minha filha Ana Heloísa


sábado, abril 19, 2008

Momentos... pensamentos

Está vento lá fora. É primavera mas parece inverno. Fecho a janela e deixo poemas no vidro.

Quando já nada nos resta

Quando já nada nos resta
É que o mudo sol é bom.
O silêncio da floresta
É de muitos sons sem som.

Basta a brisa pra sorriso.
Entardecer é quem esquece.
Dá nas folhas o impreciso,
E mais que o ramo estremece.

Ter tido esperança fala
Como quem conta a cantar.
Quando a floresta se cala
Fica a floresta a falar.


Fernando Pessoa, Poesias Inéditas


Talvez que seja a brisa

Talvez que seja a brisa
Que ronda o fim da estrada,
Talvez seja o silêncio,
Talvez não seja nada...

Que coisa é que na tarde
Me entristece sem ser?
Sinto como se houvesse
Um mal que acontecer.

Mas sinto o mal que vem
Como se já passasse...
Que coisa é que faz isto
Sentir-se e recordar-se?


Fernando Pessoa, Poesias Inéditas

sexta-feira, abril 18, 2008

Recordando Bento de Jesus Caraça...

...no dia em que faria anos

As ilusões nunca são perdidas. Elas significam o que há de melhor na vida dos homens e dos povos. Perdidos são os cépticos que escondem sob uma ironia fácil a sua impotência para compreender e agir, perdidos são aqueles períodos da história em que os melhores, gastos e cansados, se retiram da luta, sem enxergarem no horizonte nada a que se entreguem, caída uma sombra uniforme sobre o pântano estéril da vida sem formas.

Bento de Jesus Caraça (1901-1948) in A Cultura Integral do Indivíduo-Problema Central do Nosso Tempo. Conferência proferida em 1933

Obras que destaco:

Opiniões diferentes na construção de consensos

Recebi por mail um comentário ao meu post anterior. Com autorização da autora, a Amélia Pais, cujos comentários tenho sempre em apreço, transcrevo-o, começando por salientar: "Mas ainda não é tarde: que futuramente uns e outros se entendam"

«Não estará a ser demasiado dura com quem não partilha a sua convicção de que o acordo ou entendimento foi uma coisa boa ou razoável? Eu conheço várias pessoas que exprimiram o seu descontentamento, a meu ver (mas essa é a minha opinião) e desencanto publicamente. Não terão o direito de o fazer (estamos num país em que, pelo menos, continua a haver liberdade de expressão) sem serem apodados de irresponsáveis, divisionistas ou desejosos de auto-promoção? Afinal não deveria a Plataforma ter ouvido as vozes de quem não pensava exactamente como os sindicatos - os movimentos cívicos - antes de assumir entendimentos? Mas ainda não é tarde: que futuramente uns e outros se entendam. Como a amiga, preocupa-me muito a situação do ensino e dos colegas no activo.»

Autopromoção, irrealismo ou inexperiência?

Novas associações e movimentos espontâneos tiveram recentemente um papel importante na mobilização dos professores. Contribuiram para unir, é de desejar que não contribuam agora para dividir. Que se sentisse nesses movimentos algumas 'alergias sincicais', tudo bem, há muitos professores que não são sindicalizados. Mas que esqueçam agora qual o 'alvo' comum, isso já é perigoso.
MLR começara prepotentemente por querer desvirtuar os sindicatos, os encontros não eram negociações, eram uma farsa negocial por parte do ME. Mas, pela primeira vez na história do nosso sindicalismo docente, uma plataforma sindical manteve-se unida, não se desfez a meio do percurso para uma das partes conceder uma assinatura que a grande maioria dos docentes repudiava - e esta união já foi em si uma vitória. Também vitória foi o facto de, finalmente, MLR ter que admitir que tinha que negociar no verdadeiro sentido do termo (ainda que, por enquanto pelo menos, pouco mais do que um 3º período lectivo com a indispensável serenidade). E nenhum professor, sindicalizado ou não, bem como nenhum movimento ou associação, pode esquecer que só os sindicatos têm legalmente poder/direito negocial.
MLR praticamente ignorava o direito à negociação, todos os pontos dos seus projectos eram inegociáveis com excepção de pequenos pormenores (já não se lembram?). Mas, nisso os professores venceram-na, nisso os 100 000 obrigaram a Ministra a recuar. E eu pergunto agora, perante críticas à Plataforma Sindical pelo entendimento assinado com o Ministério da Educação - críticas que procuram fazer-se ouvir amplamente na comunicação social -, que entenderiam por negociação os autores dessas críticas se tivessem assento na mesa negocial. (Decerto também se faziam ouvir quando todos denunciavam a recusa de atitude negocial por parte de MLR)
É difícil não discernir que a divisão, neste momento, é tiro nos próprios pés dos professores. E, se o uso de meios mediáticos para as contestações à Plataforma Sindical não é procura de autopromoção (não quero ser tentada a pensar isso), será então irrealismo e/ou inexperiência?

quinta-feira, abril 17, 2008

Não cresças tão depressa...

Porque hoje é 5ª feira, dia em que a vou sempre buscar à escola, dia em que jantamos sempre só as duas, dia nosso...

Menininha do meu coração
Eu só quero você
A três palmos do chão
Menininha, não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção
Senhorinha levada
Batendo palminha
Fingindo assustada
Do bicho-papão

Menininha, que graça é você
Uma coisinha assim
Começando a viver
Fique assim, meu amor
Sem crescer
Porque o mundo é ruim, é ruim
E você vai sofrer de repente
Uma desilusão
Porque a vida é somente
Seu bicho-papão

Fique assim, fique assim
Sempre assim
E se lembre de mim
Pelas coisas que eu dei
E também não se esqueça de mim
Quando você souber enfim
De tudo o que eu amei

Vinicius de Moraes

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Voz: Toquinho

quarta-feira, abril 16, 2008

Chaplin faria anos hoje




Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

Charles Chaplin (1889-1977) in O Grande Ditador

Em jeito de adenda...


Ai, o ponteiro da tortura

naquela sala

que a matemática tornava mais escura

em vez de iluminá-la.

Felizmente só o nada-de-mim ficava lá dentro

O resto corria no pátio-em-que-nos-sonhamos,

pássaro a aprender os cálculos do vento

aos saltos do chão para os ramos.

(...)


José Gomes Ferreira


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Poema completo: aqui

terça-feira, abril 15, 2008

Memórias de alunos problemáticos - III

Vasco

Foi meu aluno no nono ano. Com 16 anos, perto dos 17, já tinha vivências diferentes dos colegas de turma, tais como sair frequentemente à noite até altas horas.

Falador e contestatário, percebi logo que teria que usar tacto e bastante presença de espírito ao chamar-lhe a atenção ou mesmo repreendê-lo, senão ele facilmente resvalaria para algum incidente disciplinar. Mas não levámos muito tempo a estabelecer uma boa relação, e o curioso deste caso é que foi a matemática - em que ele vinha com fundas lacunas e bastante desistente - que tornou o Vasco um aluno algo original nessa minha disciplina.

O Vasco assumia declaradamente que não estudava nem fazia tpcs, tinha outros interesses a ocupar-lhe o tempo, no entanto tinha uma considerável intuição para a matemática e um excelente cálculo mental, o seu raciocínio acabava por ser notável na turma, no que a idade também ajudava. Negava teimosamente que pudesse recuperar nas lacunas que trazia, era renitente em aceitar os meus apoios, mas resolvia por vezes problemas à sua maneira, fugindo aos procedimentos que não dominava, abstraía-se dos processos que os colegas seguiam e acabava por chegar às soluções correctas. E o meu estímulo quando tinha esses sucessos foi conquistando nele momentos de empenhamento nas aulas cada vez mais frequentes. Os seus testes começaram a ser positivos e nisso já não regrediu nunca, embora mantivessem características muito 'à Vasco', pois ele lia-os e decidia logo quais os itens que nem tentaria e deixaria em branco. Um dos motivos por que eu disse acima que se tornou um aluno original, diferente do comum, era o facto de se ter tornado um bom aluno nalgumas unidades do programa e um desastre em certos conteúdos que punha de parte devido às lacunas de anos anteriores - embora, claro, tivesse colmatado algumas essenciais, sem o que não teria sido possível alcançar nível positivo, por interessantes que fossem as estratégias em que se metia e com as quais conseguia resolver certos problemas. (Não resisto a dizer que o Vasco se integraria bem nessas ideias tontas que alguns atribuem ao "eduquês", segundo as quais o ensino seria centrado nos interesses dos alunos, com o programa a seu gosto. Mas isto foi só uma piadinha minha, entre parêntesis, àcerca de tolices que já vi serem atribuídas ao tal "eduquês", embora eu nunca tenha visto colega algum praticar tal coisa)

Outra coisa incomum que me acontecia com o Vasco era de vez em quando deter-me junto dele a conversar sobre a sua vida, as suas vivências e as suas perspectivas, com a aula a decorrer, enquanto os colegas trabalhavam - coisa incomum, pois normalmente se queremos conversar com um aluno fazêmo-lo após a aula. Mas o Vasco era diferente, era como que um aluno mais velho, ainda que com garotices à mistura, inicialmente tendência mesmo para mau comportamento, por isso o englobei em "alunos problemáticos".

Na aprovação do Vasco no final do ano pesou bastante a Matemática, e eu trouxe esta memória - não antiga, já havia exames no 9º ano, que ele fez sem riscos - porque é uma memória que me faz sorrir até com algum divertimento, pois aquela matemática do Vasco era engraçada, boa numas 'coisas' mas um desastre nalgumas outras.

segunda-feira, abril 14, 2008

...

George Seurat (1883). Le arc-en-ciel.


Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.
Helena Kolody

sexta-feira, abril 11, 2008

Memórias de alunos problemáticos - II

Eles eram 13, os mais "cadastrados" da escola. Esta ainda era só de 2º Ciclo, mas eles tinham 14, 15 anos, um ou outro a caminho dos 16. Já há tempos lhes dediquei dois posts, mas, dado que encetei este título - memórias de alunos problemáticos -, não consigo deixar de me reportar àquela memória antes de trazer outras, pois é talvez a mais forte da minha vida profissional, e foi o projecto mais "louco" em que me meti no âmbito dessa mesma vida.
Não vou reescrever o que já escrevi, basta seguir os links: Aos "Engenhocas" - Uma memória (I) e Aos "Engenhocas" - Uma memória (II)
Do primeiro desses dois posts, transcrevo somente esta consideração final: dê-se-lhes responsabilidades, confie-se quando afirmam que as aceitam, e eles superam-se e revelam-se. E, do segundo, também o final: Confio que experiências de valorização, em que sobretudo tenham oportunidade de se sentirem valorizados aos seus próprios olhos, não são inúteis.

Mas quero acrescentar agora uma outra consideração - ou talvez seja uma pergunta...

Há iniciativas que uma pequenina equipa de professores consegue levar a cabo uma ou duas vezes, mas seria irrealista pensar que poderiam os mesmos professores continuarem a repeti-la em muitos mais anos lectivos, a não ser que se alargassem as condições e os recursos humanos. Porque, ao assumir-se a responsabilidade de certo tipo de iniciativas, é necessário dedicar-lhes bastante tempo para além do horário de trabalho e manter grande disponibilidade. No caso dos Engenhocas (nome que os próprios escolheram para o seu grupo), que eram de turmas diferentes e não eram nossos alunos (nossos - equipa de quatro professoras), o tempo semanal e comum de 50 minutos que nos foi concedido era praticamente simbólico, só encontros com eles e outras formas de comunicação requeriam muito, tanto mais que tínhamos como decisivo que se mantivessem sempre com pequenos projectos distribuídos consoante os perfis dos moços - isso era decisivo para o sucesso da iniciativa ao menos em termos de integração na escola e de cessarem os comportamentos problemáticos.
No entanto, é possível e bastante mais fácil promover e concretizar iniciativas mais simples e mais pontuais sob as mesmas perspectivas (que a experiência até demonstrou não serem meras crenças de professores ou de "eduquês"), perspectivas tais como as que se subentendem no que acima transcrevi dos meus próprios posts anteriores. Contudo, uma das constatações que fui fazendo ao longo da minha vida profissional foi a de morrerem certas experiências (com alunos problemáticos e com quaisquer outros), tidas como "mais arrojadas" ou simplesmente diferentes das rotinas instaladas, quando os respectivos promotores mudam de escola ou as cessam por qualquer outro motivo, ao invés de ficarem nas escolas como património de experiências a aproveitar, a alargar e a continuar, ainda que mais simples devido a escassez de condições.
Porquê? Nunca compreendi bem, o que sei é que esse facto, que tantas vezes se verifica, acaba por desiludir e levar professores a começarem a pouco e pouco a diminuir os seus empreendimentos para a escola e a preferirem fechá-los entre as quatro paredes da sua sala de aula, onde não há resistências de adultos e onde vale sempre a pena investir trabalho e tempo - e entusiasmo também.

domingo, abril 06, 2008

Memórias de alunos problemáticos - I

Agostinho

Foi pelos finais da década de 70 do anterior século. O Agostinho era meu aluno no 2º Ciclo, eu era a directora de turma.
Ele não era um aluno violento, nem propriamente o que se chama malcriado. Mas era muito agitado, nas aulas falava a despropósito talvez por necessidade de chamar a atenção, causava nelas pequenos desacatos e, no recreio, mais e maiores.
Como acontece em geral com os directores de turma, comigo era mais dócil. No entanto, eu andava com ele na cabeça, pensando como resolver as queixas que recebia de professores e funcionários, quase sempre só orais pois, com excepção de um professor com quem o Agostinho entrara um tanto em conflito, todos procuravam lidar com ele com muita paciência dado que pressentiam nele uma perturbação emocional cujas causas não eram perceptíveis. Eu já recebera manifestações de preocupação de um ou outro encarregado de educação inquieto porque aquele aluno prejudicava o funcionamento das aulas, mas as crianças da turma também achavam, como os professores, que devia haver algum problema, talvez em casa, e, num dia em que o Agostinho faltara e eu falara com elas pedindo que ajudassem o colega a andar calmo e a integrar-se, a turma já estava disponível para isso.
Vivia só com a mãe, uma senhora com pouca instrução mas mãe preocupada e dedicada, e o ambiente social, embora economicamente baixo, não era degradado. A mãe era mãe solteira e o Agostinho nunca conhecera o pai, mas não falava dele, o assunto não parecia presente no seu espírito.

Não alongo este relato, passo já para o dia em que se revelou a causa - ou uma das causas - do comportamento do menino. Aconteceu na minha própria aula que o Agostinho se levantou de repente atirando ao ar o material escolar e começando a fazer o mesmo com o dos colegas de mesa. Ao dirigir-me de imediato a ele, ainda fugiu para o meio da sala, repetindo "setôra, deixe-me, setôra deixe-me" e outras frases de que já não me lembro, em estado de grande agitação. Consegui reconduzi-lo ao lugar com a ajuda de duas ou três crianças a que fizera sinal para ajudarem, não porque houvesse propriamente resistência física da parte do Agostinho (embora fosse alto e parecesse um pouco mais velho do que os seus 11 anos), mais como quem apazigua um estado de espírito fora de si. E o resto da aula decorreu com os colegas de grupo procurando acalmá-lo e integrá-lo no trabalho. Creio que não passou pela cabeça de nenhum dos alunos que eu devesse ter expulsado o colega da aula ou mencionado sequer alguma sanção - o estado perturbado do Agostinho era evidente.
À saída, tinha a mãe do Agostinho à minha espera. Estava perturbada e chorava. O que acontecera fora que descobrira nessa manhã que o filho trazia por dentro da camisa, encostada ao peito, uma fotografia do pai - uma fotografia de que a senhora mal se lembrava de existir em casa e que o menino encontrara no fundo de uma gaveta sem ter feito qualquer comentário ao achado. A mãe deduzira que ele traria a foto consigo há algum tempo sem nada dizer, e, nessa manhã, o filho ficara muito perturbado pela descoberta da mãe.
O Conselho Directivo já conhecia bem o Agostinho, ele já tivera repreensões registadas propostas por mim. Encetou de imediato diligências para um acompanhamento psicológico - tal apoio ainda não existia nas escolas e já não me lembro por intermédio de quem ou de que instituição local foi conseguido -, ajudei a mãe a convencer o Agostinho a aceitar o acompanhamento e, passado algum tempo, o menino começou a pouco e pouco a andar mais sereno.

Nota final:
Este nem foi um caso muito difícil de ultrapassar. Trago para aqui esta memória porque, sendo dos princípios da minha vida profissional (embora já efectiva), penso hoje (tanto mais que, sendo a minha memória muito má para nomes, ela guarda ainda o deste aluno) que terá contribuído para que eu olhasse sempre os casos de alunos problemáticos - meus alunos ou outros com que contactei - procurando empaticamente perceber o que estava por detrás dos maus comportamentos, ou no íntimo das crianças mesmo que pouco conscientemente nelas (o que, aliás, creio que quase todos os professores tentam perceber). E, se em muitos casos as causas são facilmente detectáveis pelos degradados meios sociais e familiares em que nasceram e crescem, nem em todos é assim, como não era no caso do Agostinho.

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Adenda:
Curiosa coincidência!... Eu, que me lembro de bastantes alunos, mesmo antigos, mas não dos seus nomes, guardo na memória o nome deste e de outro "aluno problemático", de tempo posterior, também esse, por coincidência, de nome Agostinho - um dos 13 Engenhocas de que já falei algures e não deixarei de voltar a falar se se seguirem mais memórias com o título deste post.

Regressando às minhas memórias? (Ponto prévio)

Hum... não me parece que seja bem um regresso... talvez só uma breve passagem por algumas memórias...

De tanto se falar agora de maus comportamentos de alunos a propósito de um caso filmado cujo vídeo foi mostrado ao país até à exaustão e causou uma overdose de comentários e debates, é natural que me viessem à mente memórias de alunos problemáticos - alunos que tive, outros com quem contactei nas escolas onde estive.

Jornalistas, comentadores, professores, psicólogos, políticos e até juristas discutiram ou pronunciaram-se. Por mim, não me vou meter nem por teorias nem por análises do referido caso, para mais tendo escassos dados sobre o contexto de aula e de escola em que ocorreu. E, se por associação de ideias me veio à mente o tema alunos problemáticos, as minhas memórias quase nada têm a ver com o episódio mencionado. Apenas estou a recordar alunos, e, com este cantinho tão abandonado enquanto cantinho de memórias, porque não descrever dois ou três casos?

Se ainda estivesse na escola, as memórias que escreveria seriam da véspera, ou da semana passada - não era preciso serem desactualizadas. Mas... memórias são isso mesmo: memórias.

quarta-feira, abril 02, 2008

Testemunhos de estudantes

Nada que não saibamos, mas em que é necessário reflectir.

Recortes deste vídeo (enviado por um amigo, mas que não é novo na blogosfera)

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