Foi meu aluno no nono ano. Com 16 anos, perto dos 17, já tinha vivências diferentes dos colegas de turma, tais como sair frequentemente à noite até altas horas.
Falador e contestatário, percebi logo que teria que usar tacto e bastante presença de espírito ao chamar-lhe a atenção ou mesmo repreendê-lo, senão ele facilmente resvalaria para algum incidente disciplinar. Mas não levámos muito tempo a estabelecer uma boa relação, e o curioso deste caso é que foi a matemática - em que ele vinha com fundas lacunas e bastante desistente - que tornou o Vasco um aluno algo original nessa minha disciplina.
O Vasco assumia declaradamente que não estudava nem fazia tpcs, tinha outros interesses a ocupar-lhe o tempo, no entanto tinha uma considerável intuição para a matemática e um excelente cálculo mental, o seu raciocínio acabava por ser notável na turma, no que a idade também ajudava. Negava teimosamente que pudesse recuperar nas lacunas que trazia, era renitente em aceitar os meus apoios, mas resolvia por vezes problemas à sua maneira, fugindo aos procedimentos que não dominava, abstraía-se dos processos que os colegas seguiam e acabava por chegar às soluções correctas. E o meu estímulo quando tinha esses sucessos foi conquistando nele momentos de empenhamento nas aulas cada vez mais frequentes. Os seus testes começaram a ser positivos e nisso já não regrediu nunca, embora mantivessem características muito 'à Vasco', pois ele lia-os e decidia logo quais os itens que nem tentaria e deixaria em branco. Um dos motivos por que eu disse acima que se tornou um aluno original, diferente do comum, era o facto de se ter tornado um bom aluno nalgumas unidades do programa e um desastre em certos conteúdos que punha de parte devido às lacunas de anos anteriores - embora, claro, tivesse colmatado algumas essenciais, sem o que não teria sido possível alcançar nível positivo, por interessantes que fossem as estratégias em que se metia e com as quais conseguia resolver certos problemas. (Não resisto a dizer que o Vasco se integraria bem nessas ideias tontas que alguns atribuem ao "eduquês", segundo as quais o ensino seria centrado nos interesses dos alunos, com o programa a seu gosto. Mas isto foi só uma piadinha minha, entre parêntesis, àcerca de tolices que já vi serem atribuídas ao tal "eduquês", embora eu nunca tenha visto colega algum praticar tal coisa)
Outra coisa incomum que me acontecia com o Vasco era de vez em quando deter-me junto dele a conversar sobre a sua vida, as suas vivências e as suas perspectivas, com a aula a decorrer, enquanto os colegas trabalhavam - coisa incomum, pois normalmente se queremos conversar com um aluno fazêmo-lo após a aula. Mas o Vasco era diferente, era como que um aluno mais velho, ainda que com garotices à mistura, inicialmente tendência mesmo para mau comportamento, por isso o englobei em "alunos problemáticos".
Na aprovação do Vasco no final do ano pesou bastante a Matemática, e eu trouxe esta memória - não antiga, já havia exames no 9º ano, que ele fez sem riscos - porque é uma memória que me faz sorrir até com algum divertimento, pois aquela matemática do Vasco era engraçada, boa numas 'coisas' mas um desastre nalgumas outras.
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