quinta-feira, março 08, 2007

Uma memória remota a propósito dos festivais da canção

Já na noite do sábado passado me dera conta da emissão, pela RTP1, de um espectáculo em que teriam sido recordadas vozes do Festival da Canção. Vendo-o já mesmo no final, nem sei que vozes foram recordadas, nem isso importa, pois foi apenas o tema que me trouxe subitamente uma memória já quase esquecida - a do Festival Eurovisão de 1973. E agora, que também os festivais da canção foram lembrados na comemoração dos 50 anos da RTP, incluindo a canção de que me lembrara no sábado, não resisti a uma breve busca para a deixar aqui.

Naquela época, o concurso ao festival era acarinhado pelo regime, pelo que os nossos cantores de intervenção tendiam a não concorrer para não alinharem com essa conotação. Mas nem sempre assim decidiam e em 1973 Fernando Tordo concorreu com a Tourada (letra de Ary dos Santos), lembrança que agora me fez sorrir, divertida, porque a censura por vezes distraía-se, talvez por compreensão lenta, e quando se deu conta de que a canção não era nada "inocente" era tarde demais, pelo que esta foi mesmo representar a canção portuguesa ao festival da Eurovisão em Abril de 1973 (já só faltava um ano...)


Foi mais por a lembrança me ter feito sorrir que a vim deixar aqui. Se foi só por isso... bem, não o consigo garantir, mas também escusam de vislumbrar na minha cabeça outras associações de ideias quando trago tão "inocentemente" uma memória surgida por mero acaso ;)
Assim, eis a...


Tourada

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficcionada e a caduca
mais o snobismo...
e cismo!

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro aos milhões.

E diz o inteligente
que acabaram as canções.


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(Fotos: Podem encontrar-se facilmente por pesquisa em sites portugueses)

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Adenda
E... com a Tourada me estreio no vídeo aqui no meu cantinho...

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