sexta-feira, setembro 01, 2006

Poupem-me, por favor!

Não foi, como julgo óbvio, directamente este post do Miguel Pinto que me levou a escrever o título acima, foi apenas essa moda recente, que ele me lembrou, de algumas rotulações fáceis de "eduquês" sobre variadas ideias pedagógicas, e algumas autoproclamações mais fáceis ainda de "anti-eduquês". (Não me refiro, claro, a colegas que, sensatamente até, rotulem de eduquê este ou aquele escrito que leiam - esses colegas, aliás, não costumam andar a apregoar-se dogmaticamente disto ou daquilo).

Todos sabemos que esta moda se popularizou a partir do livrinho de Nuno Crato que o Miguel também refere como tendo colocado o dito termo "no top dos lugares comuns" e ao qual, já que teve a categoria de livro, eu só chamo mesmo "livrinho". Logo quando o li me faltou a paciência para terminar as últimas páginas, pois duas coisas me irritaram, uma respeitante ao recurso a curtas frases proferidas em situações pontuais, e retiradas do contexto do que esta ou aquela pessoa disse, e a outra parecendo já ignorância sobre o significado original, genuino, de um ou outro conceito. Mas, não venho falar do dito livro nem dos métodos nele seguidos pelo seu autor, embora isso de deduzir, de um pequeno escrito ou comentário, algum enorme eduquê ande a ter seguidores.

Entretanto, nesta 'história' de eduquês e anti-eduquês, o que me preocupa não são os que se andam a ocupar dela com defesas ou acusações (a menos que sejam mesmo professores e uns tantos miúdos lhes andem a passar pelas mãos). O que me preocupa é que também haja, entre os professores que os lêem, alguns que se limitem a fazer a sua auto-formação contínua por leituras "pop" (como lhes chamava um professor que tive não há muitos anos), umas "baratas", outras superficiais.

Já que Rousseau anda na mira dos anti-eduquês, ocorre-me que o caso da pedagogia não é, a meu ver, diferente do da filosofia propriamente dita no que concerne à formação do nosso pensamento. No 2º caso, o conhecimento de grandes filósofos contribui para a formação, criticamente, do nosso próprio pensamento sobre a vida e a humanidade, e, de preferência, conhecimento de pensadores com diferentes e até contrárias perspectivas, pois é no conflito entre ideias contrárias que o pensamento avança. Quanto ao 1º caso, se me perguntassem em que perspectiva ou corrente pedagógica me insiro, desde há muito tempo que responderia: Em quase todas as que li e em nenhuma. Claro que não estou a referir-me a alguma amálgama de ideias contraditórias. O facto é que construí (como todos os professores que procuram um pensamento autónomo) as minhas perspectivas pedagógicas (e também busquei fundamentos sólidos para as que privilegiei) através da selecção, em cada uma, dos aspectos sensatos a conservar - embora, naturalmente, tenha as minhas 'linhas de fundo'. Ou seja, a adopção exclusiva, exagerada ou dogmática de qualquer uma depressa, numa determinada fase lá para o início da vida profissional, me pareceu inadeaqada, seja às realidades, seja à eficácia, ou simplemente a mim mesma.
Considero, aliás, que foram bastante nefastas as passagens, depois do 25 de Abril, de extremos para outros extremos - foram os casos de eliminações de memorização da tabuada e de defesas de que tudo tem que ser bem compreendido antes de memorizado, ou até de traumas com algo que possa ter alguma pequena semelhança com o ensino do antigamente, como seja haver momentos de aula expositivos e exigindo dos alunos que ouçam com atenção e calados informações ou explicações do professor, para não falar de ideias extremadas sobre educação adoptadas muito para além do interior da escola.
Tudo isto pareceria caricatura se não tivesse mesmo acontecido. E, professor que inova na sala de aula e vai adequando as suas inovações a novas realidades (ou pedagogo teórico), só dá um contributo válido com isso se tiver, antes de tudo o mais, as noções de bom senso e de equilíbrio.

Mas eu ia jantar, passei pelo blogue do Miguel e vim, para quê (?) escrevinhar - já acentuei no início que o Miguel não teve culpa nenhuma, ainda menos de eu, em vez de ir jantar, me pôr a escrever também lugares comuns. Afinal, o que queria era apenas fazer o desabafo - que até fiz logo em título - sobre telenovelas de eduquês e anti-eduquês: Poupem-me, por favor!

;)

5 comentários:

«« disse...

se tiveres problemas coma a digestão, sempre podes pedir ao anti-eduques um pouco de eno neoliberal...ele tem muito e de muito boa qualidade

Miguel Pinto disse...

Já me sinto com problemas de consciência, Isabel ;) hummm… tenho de equacionar a possibilidade de editar em horas decentes :)

Fernando Reis disse...

Cara Isabel
Também me tiras o tempo de outros afazeres.
Tenho que voltar aqui para deixar o meu comentário ao teu interessantissimo texto.
Até breve ;)

Teresa Martinho Marques disse...

Pois... o truque é não ler em horas críticas... Eu cá ainda não almocei hoje por conta da actualização das leituras que me acordam para o mundo... e estas vozes são dessas... nada a fazer. Portanto, como não almocei... também não sofrerei de indigestão... embora me falte a energia para comentar profundamente. MAs para vos ler, reflectir, pensar em tudo o que nos abana a consciência... para isso há sempre tempo e energia!

Fernando Reis disse...

Cara Isabel, não vou complicar.
Eu não sou adepto de chavões. COncordo com o que escreves.
QUanto ao livro do Nuno Crato, considero que teve o mérito de levantar alguns problemas que tradicionalmente (vejam bem o que esotu a dizer...) as teorias dominantes das Escolas Superiores de Educação e não só, menosprezam, desprezam, e até atacam.
Eu sou adepto da formação pessoal e profissional permanente, do livre pensamento e do bom senso. Assim como do rigor, da exigência e da organização.
E ainda da inovação, da diversidade, do trabalho individual e em grupo.
Um pouco de cada não faz mal a ninguém. Mas com conta peso e medida, bem pensado, bem preparado, e acentuando naquilo que mais os alunos necessitam. Se for uma aula expositiva, porque não? Se forem 10, porque não? Mas há-de haver tempo e espaço para outras estratégias.
É o que eu faço no dia a dia.
PEsar, calcular, preparar, planificar, aplicar, e avaliar.
É nesta última fase, da avaliação, que está o maior problema da educação, da sociedade, das escolas, das famílias, dos alunos e dos professores.
Ninguém gosta de avaliar, nem ninguém quer ser avaliado. Mas que tem que ser, tem que ser, senão não há conhecimento dos progressos, das práticas, dos resultados, dos falhanços, das correcções a fazer.