Abro o blogger a perguntar-me: Vou escrever o quê? Vou escrever para dizer que não quero escrever?!
Mas talvez me faça bem pensar nisso em voz alta - não que esteja à espera que ainda alguém me leia, mas isto é público, não deixa de dar a sensação de que se está a pensar em voz alta.
De náusea, ou enjoo, já falei aqui. É uma náusea espantada, também um tédio que não consegue limitar-se a tédio porque a situação não me é indiferente - a escola foi parte da minha vida e o sistema educativo foi parte das lutas em que participei, não me é possível ficar agora indiferente. Mas tanto disparate, tanta estreiteza de vista na catadupa de medidas legislativas (agora mais uma série de regulamentações que mais uma vez nenhuma negociação concreta vão aceitar), tanta avaliação que não deixa tempo para mais nada (mais parecendo doença maníaca), tanta incapacidade para perceber que todo o clima de sufoco que é gerado nas escolas (sufoco em papelada/burocracia e sufoco sob múltiplas pressões externas) só contribuirá para as afundar esvaziando-as dos objectivos e preocupações essenciais... Está a ser demais!
Talvez eu ande com uma rejeição a escrever, apesar de tanta coisa que me vem à mente, para proteger as minhas memórias. No entanto, também sei que ando como uma balança a que falta um prato - tenho só o prato, e pesado, da actual política educativa, faltando-me o outro, o das aulas, o dos alunos. Falta-me porque não o posso ter não estando já na escola, falta-me também porque dos alunos não ouço falar - a não ser por números estatísticos - nas intervenções da ministra da educação e seus colaboradores (incluido-se nestes muitas vozes "sonantes" deste país), que nem pejo têm de fazer dos alunos cobaias.
Enfim, eu, que nunca fui pessoa para ficar calada (bem o sabem todos os que me conhecem de perto), ando cada vez mais a encarar com estranha recusa este cantinho onde tenho oportunidade de falar se quiser. Talvez porque, como já tenho dito, faço questão de persistir na esperança e, estando a ficar sem ela em termos de curto prazo, prefiro não mostrar o pessimismo (ou descrença) que começa a ser inevitável. Entretanto, estou a dizer isto porque tenho a acrescentar que acredito que este meu estado de espírito seria diferente se tivesse ainda o tal outro prato da balança que agora me falta - os alunos. Porque o trabalho com estes e para estes tem que continuar, é por isso que se escolheu a profissão de professor, e essa razão maior há-de prevalecer como motivação.
É uma razão que já não me pertence concretizar, essa falta é propícia a que se me instale a náusea que me causa o que anda a encher o referido prato da minha balança, a que falta o outro prato para equilibrar e manter o espírito positivo que gosto de ter. Mas... aos professores no activo esse outro prato não falta, com ele hão-de manter/recuperar serenidade, lucidez e firmeza - firmeza sobretudo, ela anda fugida de muitos (de demasiados, incluindo presidentes de CEs), mas a sua necessidade há-de acabar por se impor. (Marx disse que a liberdade é a consciência da necessidade, e eu atrevo-me a dizer, a propósito ou a despropósito - acho que a despropósito, mas não faz mal, serve para o que quero dizer - que a maioria dos professores anda a precisar de ganhar consciência da necessidade de firmeza, em vez de conformismo. Mas as tomadas de consciência levam o seu tempo, há que ter um bocadinho de paciência para aguardar - eu é que já estou fora do meu tempo de ter paciência).
5 comentários:
Sabes o que isto me faz lembrar?
Um daqueles casamentos em que a mulher é todos os dias violentada pelo marido e que, na impossibilidade de sair, se vira para os filhos, tentando tirar deles ou com eles o que compense o resto. (que me perdoem as pessoas que passaram por situações destas, mas realmente é o que me vem à cabeçaa...)
E sabes, Isabel, acho que uma pessoa nestas condições não consegue que um prato da balança compense o outro. Ajuda, mitiga, atenua um pouco o desequilíbrio provocado pela desproporção do peso do outro, mas não compensa.
E é isso que eu sinto. É "nos filhos" que estamos todos a procurar a bóia de salvação, não olhando à volta para não ver a próxima onda que nos vai fazer submergir, acabando, por isso, por perder a rocha salvadora.
Mesmo ainda com o 2º prato, sinto-o a começar a ficar afectado pelo peso do que se passa no 1º. A paciência, a alegria, a vontade, começam a ficar deterioradas pelo que nos vai caindo todos os dias no outro. E estes são os elementos fundamentais para uma boa relação com os putos.
E o problema, é que ao contrário de muitos, vêm-me à cabeça memórias antigas.
Mas o que mais me afecta, não é o "apanhar"... é o ver "apanhar e calar"... é o não ver reagir... é o ver ignorar as cordas que se lançam para ajudar... é o ver a demora da tomada de consciência de uma classe que mais uma vez tarda em acordar.
Já por aqui passei e não fui capaz de sobrescrever o que li. Só de pensar nesta coisa dos pratos apetece-me partir a loiça toda... :(
Amigos:
A Maria tem razão e este meu post tem uma lacuna - parece que esqueci que o 2º prato da balança (o dos alunos) não foi suficiente para que eu mantivesse o projecto de continuar a trabalhar mais um tempo depois de atingido o direito à aposentação!
Mas esclareço que no primeiro prato também tenho a pesar esse "apanhar e calar", esse não reagir da maioria da classe docente - a pesar e a contribuir para também me apetecer por vezes partir a louça toda, como o Miguel desabafou, porque, se é verdade que já não apanho na pele como vós, não deixa de fazer apetecer partir a louça só o ver ser destruído o que a minha geração ajudou a construir, nomeadamente os sindicatos e os direitos sindicais, a revalorização material da carreira e o anterior ECD. Essa geração e próximas lutaram, e as actuais, apesar dos lutadores que tem (mas que são demasiado minoria), com a sua passividade não deixam de contribuir directamente para a destruição do que outros construiram.
(Acho que este meu comentário é uma adenda que realmente falta no meu post)
Já lhe disse uma vez que "invejo" o seu retiro.
Os alunos estão contidos na escola mas fora dela está toda a gente, de todas as idades. Procure cá fora que encontra.
Pelo que vou vendo à volta, não estou tão certa de que a nossa geração tenha feito tanta coisa tão boa.
E calados lá pela minha escola há de todas as idades, oportunistas e estupores também os há das várias gerações.
Não embarque nesse combate.
O mundo está complicado e nós, com poucos dados para a análise da complicação, enredamo-nos.
Setora, claro que há de tudo em todas as gerações, mas julgo que concordará que há uns tantos que as marcam, seja num sentido, seja no contrário. Mas, note-se, marcam por acções ou práticas observáveis – avaliar estas é uma coisa, outra bem diferente e que já seria verdadeiramente complicado (pelo menos a meu ver) seria julgar cada um – figura pública ou não figura pública - como pessoa, no seu ser global e humano sempre tão complexo e tão marcado por múltiplas circunstâncias.
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