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E aqui reside o grande drama em que, de todos os tempos, se tem debatido a humanidade - condenada a só poder evolucionar e progredir sob a acção vivificadora e fecunda de alguns dos seus indivíduos, ela vê-se ao mesmo tempo impotente para impedir que esses indivíduos se tranformem em seus verdugos. Ela assiste, incapaz de o evitar, à criação das castas que são como outras tantas sanguessugas sobre o seu corpo, sem, ao menos, lhe restar a solução de as eliminar, porque isso equivaleria à sua morte no pântano estéril da incapacidade.
Encarada sob este ângulo, a História da Humanidade aparece-nos como uma gigantesca luta, gigantesca no espaço e no tempo, entre o indivídual e o colectivo. Luta gigantesca, e trágica, e sangrenta, em que transparece um domínio quase permanente do individual sobre o colectivo e, de longe em longe, um estremecimento do grande corpo mortificado, um movimento de revolta, um triunfo efémero do colectivo, que logo cai sob outro ou o mesmo jogo pela sua incapacidade de se reconhecer e dirigir.
E esse grande corpo, curvado ao peso dos seus donos, segue o seu caminho sem parar, cai aqui, levanta-se além e aspira, aspira sempre a qualquer coisa de melhor. Mas esse «qualquer coisa» é vago e impreciso e, por isso mesmo que o é, leva a todos os desvios e todos os erros, pressurosamente amparados e com cuidado mantidos, precisamente por aqueles - o princípio individual em acção - a quem uma consciência colectiva forte ameaçaria no seu poderio egoísta.
(...)
A vitória duma ideia revolucionária significa, na época em que se dá, um acontecimento momentaneamente estável, mais perfeito que o anterior, entre as forças em presença; significa que se deu um novo passo no sentido de subtrair o colectivo à tirania do individual; sentem-no bem as massas, que, nessas épocas de comoção dos fundamentos da sociedade, se lançam, num explosão de entusiasmo, ao assalto do corpo decrépito e parasitário que sobre elas vive.
Mas a sua falta de preparação cultural, o não reconhecimento de si mesmas como um vasto organismo vivo e uno, torna-as incapazes de levar a sua obra mais além da destruição do passado; impossibilita-as de proceder à construção da ordem nova que a sua revolta preparou.
(...)
Passa algum tempo e começa nova diferenciação - os interesses egoístas dos dirigentes sobrepõem-se aos interesses gerais, são novos elementos individuais que começam a exercer opressão sobre a colectividade (...)
Tudo recomeça, disse acima, mas seria vão pretender-se que recomeça exactamente nas mesmas bases. Não; da etapa anterior, alguma coisa, às vezes muito, ficou definitivamente adquirido.
(...)»
(Escolho esse último parágrafo para terminar este post com um pensamento de algum conforto. Haverá um terceiro post com excertos da parte final da mesma conferência.)
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* Bento de Jesus Caraça. A Cultura Integral do Indivíduo-Problema Central do Nosso Tempo. Conferência proferida em 1933.
In Cultura e Emancipação (seguir link)
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