domingo, julho 01, 2007

Excertos de uma Conferência (1933). I - As ilusões nunca são perdidas

(Há textos que parecem não ter data - lê-los ou recordá-los é sempre oportuno)

«Tudo isto (estava-se em 1933) fez que se amortecessem alguns entusiasmos das primeiras horas. Que importa? É essencial que tenham existido! Mas foram algumas ilusões perdidas, dir-se-à. Não. As ilusões nunca são perdidas. Elas significam o que há de melhor na vida dos homens e dos povos. Perdidos são os cépticos que escondem sob uma ironia fácil a sua impotência para compreender e agir, perdidos são aqueles períodos da história em que os melhores, gastos e cansados, se retiram da luta, sem enxergarem no horizonte nada a que se entreguem, caída uma sombra uniforme sobre o pântano estéril da vida sem formas.
(...)
Não é fácil tarefa o alguém abalançar-se hoje a emitir juízo, por mais despretencioso que ele deseje ser, sobre o tempo que vivemos. Mas não há também tarefa mais importante nem mais urgente. O que o mundo for amanhã, é o esforço de todos nós que o determinará. Há que resolver os problemas que estão postos à nossa geração e essa resolução não a poderemos fazer sem que, por um prévio esforço do pensamento, procuremos saber, por uma análise fria e raciocinada, quais são esses problemas, quais as soluções que importa dar-lhes - saber donde vimos, onde estamos, para onde vamos.
E pensemos, agora que ainda o podemos fazer. Amanhã pode ser tarde, porque a tempestade que tem vindo a acumular-se sobre as nossas cabeças pode desencadear-se e arrastar-nos nos seus turbilhões brutais. A violência da borrasca não nos permitirá que façamos mais do que gestos elementares e instintivos que só não nos trairão se forem, a todo o momento, orientados e dominados por uma personalidade de uma só peça, aquela personalidade que temos de forjar - enquanto é tempo.
(...)»

Bento de Jesus Caraça. A Cultura Integral do Indivíduo-Problema Central do Nosso Tempo. Conferência proferida em 1933.
In Cultura e Emancipação (seguir link)

[A continuar (mais excertos da mesma conferência): Sobre a luta entre o indivíduo e a colectividade e sobre a aquisição da cultura]

2 comentários:

Zénite disse...

«EXTRAIR O MEDO DO CORAÇÃO DOS PORTUGUESES»

O clima é salazarento em 1944. O jovem musicólogo e matemático João de Freitas Branco pertence ao grupo de investigação matemática do seu mestre Ruy Luís Gomes, grande amigo de seu pai o compositor Luís de Freitas Branco que, com Bento de Jesus Caraça, Lopes-Graça, Aniceto Monteiro, entre muitos outros, participam no movimento contra o regime salazarista. É constituído o Conselho Nacional de Unidade Antifascista, que mais tarde se chamará Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF). Nele estão representados vários partidos e personalidades como António Sérgio, Mário de Azevedo Gomes e Bento de Jesus Caraça que fará parte da comissão política. Cada vez há mais gente que procura entender o mundo que é atravessado pelos arautos da ignorância e da bestialidade. A tentativa de Bento de Jesus Caraça, de introduzir em Portugal a lógica dialéctica do pensamento matemático começa a ter os seus cultores e dar os seus frutos. Os dois volumes dos Conceitos Fundamentais da Matemática têm novas edições: o 1.º volume alcança a quarta edição e o 2.º a segunda. Este título marcará gerações de cientistas e homens e mulheres de cultura ao mesmo tempo que provocará clivagens no pensamento português, como se verá mais tarde, em 1946, na polémica com António Sérgio.
(…)
Leonor Lains.

Gostei de passar por aqui.

IC disse...

Caro Zénite
Obrigada pela sua visita e pelo seu contributo. Este sugeriu-me o texto completo dessa biografia de Bento de Jesus Caraça por Leonor Lains, pelo que deixo o link para outros eventuais visitantes: Aqui