«No terreno, ao percorrermos, durante décadas, centenas de escolas de Portugal, encontrámos incógnitos heróis, espalhados por essas salas de aula; falámos com educadores que nada pedem e tudo dão. E, a par de alguma (inevitável) poluição (Onde está a "Etar"?), encontrámos oceanos povoados de humanismo e de fascínio.»
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In Álvaro Gomes (2006). Blues pelo Humanismo Educacional?. Edições Flumen.
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P.S.:
A variação de estado de espírito entre os meus três posts de hoje tem a ver com a dificuldade em corresponder (mas eu até queria alinhar) à proposta da Idalina Jorge, que pode ser recordada aqui (A semana do dizer bem), e que é uma proposta muito saudável mas, nas presentes circunstâncias, deveras difícil de concretizar!
9 comentários:
Pois então! Sempre há motivos para comemorar. Quantos ministros da educação já conhecemos? Eles passam, nós ficamos, certo?
O meu primeiro ministro da educação, como professora foi um senhor respeitabilíssimo com quem me cruzo quase diariamente: Vítor Alves. Muitos outros se seuirão e outros se seguirão!
Muitos outros se SEGUIRAM (queria eu dizer!) e outros se seguirão!
Isabel
com os governantes que temos, que estão a destruir os frágeis sistemas públicos de Educação e Saúde de que dispômos em Portugal é impossível e até leviano passar uma semana a dizer bem. No entanto encontramos sempre motivos para dizer bem quando focamos a lente em acontecimentos e pessoas de relevo, tais como tu referes. Eu encontrei um motivo para falar bem ao lembrar Bento de Jesus Caraça que em 25 de Junho de 1948, ainda na flor da idade, nos abandonou fisicamente: não sem que antes tivesse deixado marcas de profunda sabedoria e humanismo.
Pois aqui está: Bento de Jesus Caraça. Já fiz um post sobre ele no meu blogue. Hoje devia ter-me lembrado dele. Lembrou-se o Henrique: ainda bem
Sim, Idalina, ainda bem que o Henrique se deu conta da data. Eu também tenho um post algures sobre Bento de Jesus Caraça ou, pelo menos, sobre o livro Conceitos Fundamentais da Matemática. Caraça é uma grande referência para mim.
Cara Isabel
Pode imaginar a minha surpresa (e não menor emoção – confesso) ao passar, hoje, pelo seu "baú de memórias"... Bem-haja por me recordar esse testemunho.
É que quem, durante décadas, percorreu as escolas do país, vendo o que viu, não poderia deixar em silêncio vivências que outros teimam em escurecer (quando, por exemplo, ameaçam “não deixar pedra sobre pedra” vá-se lá saber a propósito de quê...)!
Vi! Vi educadores esforçados, que tudo davam, sem nada pedir. Sem o menor cálculo! Vi crianças inebriadas acolhidas no seio do conhecimento e da felicidade. Vi milhares de jovens que, umas décadas atrás, não teriam (como os meus amigos de infância não tiveram) a menor possibilidade de acesso à (e sucesso na) palavra.
Tinha eu seis meses quando nos deixou Bento de Jesus Caraça. E, agradecendo ao Henrique a memória que dele aqui nos deixa, vale a pena recordar também figuras como Leonardo Coimbra, António Sérgio, Sebastião da Gama e tantos, tantos outros faróis de sabedoria e de humanismo. Quem, por exemplo, leu o Diário de S. da G., alguma vez mais foi capaz de entrar numa sala de aula da mesma maneira?
Pensando nesses educadores e em tantos, felizmente vivos, com que nos temos atravessado e que gentil e levemente passam ao nosso lado, como é possível assistirmos, impávidos, às nuvens sombrias em pleno Verão, às neo-guilhotinas sobre a forma de garrote?
Quem percorre blogs como os da Isabel, do Henrique, do Miguel, do Paulo, da Moriae (sem “encomium” – como Erasmo sorriria!), da Teresa, da Idalina... e de tantos, tantos outros... não pode deixar de ficar maravilhado com o fervilhar vulcânico dessa lava educativa, dessa força interior que não conseguem sufocar. E simplesmente agradecer-lhes.
Veja-se, por exemplo, o caso de "Paideia". "Paideia! é um dos mais belos nomes que por aqui tenho visto. De facto, investigadores há que se limitam em fazer recuar ao grego essa e uma outra palavra que lhe anda agregada ("pedagogo"), assim as acorrentando a uma semântica de criança e de escravidão (o “pedagogo” costuma ser definido como “o escravo que conduzia a criança à escola”). Creio ter demonstrado (in A Aula) que esta interpretação é profundamente errada. "Paideia" e "pedagogo" (e "pais, paidós" – criança) vêm de uma raiz indo-europeia cuja semântica agasalha a ideia de “seiva”, de “força vital” e, portanto, de "rebento". É essa seiva que faz explodir as gemas dos salgueiros no início da Primavera, forçando-os a “sair à luz”. É essa seiva que faz com que as crias da leoa, terminado o tempo da gestação, saiam, sem licença, do ventre materno, surgindo “à luz”. É uma gesta. É uma força que vem de dentro. É a própria Vida a impor-se. Ora, o “conhecimento” está implicado nesta ideia de "gestação", de "génesis" (e, por extensão de "gene", "genoma").
A "maieusis" e, portanto, a "maiêutica" mais não são do que o próprio "acto de dar à luz”. São, pois, as ideias de seiva e de luz os filamentos da acção educativa. (A chamada "maiêutica socrática", essa é uma conjugação infeliz de uma substância e de uma adjacência).
Como isto anda longe das visões mercantilistas e instrumentais que vamos tendo de suportar “aos oficiais da cifra ou do cifrão”!
Mas essa é toda uma outra (longa e triste) história...
Uma cordial saudação.
Á. G.
Corrijo: "com quem", "limitam a" e "Paideia" (e não "Paideia!).
Á. G.
Caro Á.G.
Estou muito grata pelos seus testemunhos e comentários. Eu disse-lhe em comentário num post anterior que é bom sentir que não se está só na visão preocupada dos actuais rumos nas políticas educativas (no plural porque Portugal não faz mais do que copiar ou seguir outras), não porque não saiba que muitos partilham da mesma preocupação (sei sobretudo pela blogosfera, já que estou aposentada desde Setembro último), mas porque, caro Professor Á.G., o seu testemunho e a sua visão são baseados em grande experiência e autoridade.
Passei a evitar discutir a actual política educativa com alguns amigos que até considero lúcidos, mas que não são professores, pois, tendo a noção de que o sistema público de ensino se vem degradando há anos, mas não conhecendo o interior das escolas, eles tendem a ter uma apreciação positiva de medidas em curso e a subscrever a culpabilização dos professores, metendo quase todos no mesmo saco. Ora, eu nunca me esqueço das palavras que, uma vez, trocou comigo G.F., que era uma das pessoas encarregadas de ler aqueles currículos pormenorizados da fase em que houve candidatura ao 8º escalão - ela mostrava-se impressionada com tanto trabalho dedicado, com essas tantas iniciativas maravilhosas pelo país fora, incógnitas, sem que ninguém as fosse observar e se lembrasse de fazer um levantamento para divulgar como partilha de experiências bem sucedidas (apesar de quase todas empreendidas com tanta falta de recursos).
Vou amanhã de viagem, mas lá nas terras do tio Sam, ainda que no colo da família, vou estar à espera de mais posts.Gosto de memórias soltas
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