terça-feira, janeiro 30, 2007

"As minhas" TIC com os netos

A parte do meu desktop que é só dos netos
(do resto, cada um de nós usa o que precisa)

O Nuno só tem uma pasta no ambiente de trabalho do pc da avó pois a sua fase nas TIC já é outra e está no 8º ano - dessa fase não vou falar (hoje) porque lá iria eu desviar-me para questões das escolas, do uso das novas tecnologias com os alunos (ou do ainda bastante generalizado não uso). Apenas quero guardar neste cantinho as pastinhas da Inês aos oito anos, que 'eles' crescem muito depressa, daqui a nada já serão só recordações.


Lembrei-me de pôr a imagem para reter especialmente duas das pastas da Inês. Uma, é a das artes plásicas, designação que veio dela quando me disse que queria "fazer artes plásticas no computador" - donde lhe veio a pomposa designação, não cheguei a averiguar bem.
Mas, o que importa é que largou definitivamente os programinhas já demasiado infantis, em que as composições "artísticas" são quase só feitas com clics. Iniciei-a então no Paint, incluindo busca de imagens para inserir a fim de complementar/enfeitar o trabalho pessoal com as limitadas ferramentas.
Confesso o meu desleixo na procura de recursos menos limitados, acessíveis à idade, mas também é muito pouco o tempo que lhe sobra das suas "pesquisas" na net, nos bocadinhos que está na minha casa (regularmente, só duas vezes por semana), dado que o computador dos dois manos em casa deles ainda não tem internet, e o outro tem muitas vezes prioridades profissionais.
"Pesquisas" na net... é que me aparece frequentemente com endereços de sites (são sempre infantis ou juvenis) que traz de cor, suspeito que alguns de anúncios da TV, outros devem vir dos amiguinhos da escola. E lá vai explorá-los (depois de eu ver onde entrou - sempre convém), se lhe agradam guarda na sua pasta dos Favoritos. Também recebe de vez em quando e-mails de um ou outro site que promove concursos, e lá vai ela, de respectivos username e password nos dedos. (Ainda "ontem" mal sabia ler e escrever! Mas, este pouco agradável passar dos anos para quem já tem os que eu tenho tem suas compensações, e uma é reviver o crescimento das minhas crianças)

Mas... que coisa, lá estou eu a desviar-me (coisas de avó), pois a pasta que queria referir mais é a designada por concursos. Adora quando eu faço um exercício com o Hot Potatoes, seja para o português, seja para a matemática, seja... de "cultura geral". São esses os concursos da respectiva pasta pois são desafios, dado que indicam no final a pontuação (que vai sendo registada no post-it, como se vê na imagem). Não crio estes exercícios-concurso para suprir nenhuma insuficiência da escola - a professora é excelente -, nem para motivar a Inês que, felizmente, gosta de aprender. Apenas os faço de acordo com perguntas/dúvidas que ela me coloca. Por exemplo, para reforço da correcção da ortografia em casos em que mantém hesitações ou em tipo de erros que ainda comete repetidamente, para apreender melhor um raciocínio na matemática em que noto que persistem dificuldades ou erros por precipitações automáticas e também para "puxar" pelo seu vocabulário, inclusive o "matemático", neste caso num exercício de palavras cruzadas que o Hot Potatoes permite criar com extrema facilidade.



(Mas agora ando a descurar o concurso, pois há novo entusiasmo na pasta dos jogos)



E, já agora, uma referência a essa pasta dos jogos. Embora a Inês aproveite as vindas cá a casa para os joguinhos online dos seus sites favoritos, também gosta muito do chamado software educativo. Usa-o em casa dela, mas também com frequência aqui, o que mostra que vale a pena adquiri-lo. Ainda há umas três semanas andou a pedir-me a Aventura do Corpo Humano, que chegou a encontrar cá em casa mas foi para o lixo quando verifiquei que era um daqueles que o XP fez passar à categoria de antiguidade. Comprei a versão actualizada a pensar que se não iria interessar muito, mas a verdade é que está agora no "top" dos preferidos. Além de actividades mais lúdicas, o cd tem outras que eu supunha que não a entusiasmariam, mas afinal... jogo é sempre jogo, e para as crianças ouvirem os elogios numa vozinha engraçada, acompanhados de palmas, pelos vistos até seguem atentamente as lições prévias do cd sobre nomes de ossos e outros componentes do corpo, enfim, essas "coisas chatas".
[Ei! Atenção! Estou a falar de uma criança de 8 anos, nada de confusões com 8º ano, que eu não defendo mesmo nadinha joguinhos 'toda a vida' para motivar a aprendizagem. Desafios a crescerem, isso sim - aliás, até tenho um marcador de posts designado por "infantilizar ou puxar?", embora nenhum dos posts marcados tenha a ver (explicitamente) com aprendizagem curricular, e suponho que (ainda) não escrevi nenhuma memória que se relacione com a ideia a que procurava sempre que os alunos do 2º ciclo aderissem (e julgo poder dizer que não era mal sucedida nisso) - a de a matemática e os respectivos problemas serem como um jogo, um desafio ao raciocínio, e que eram capazes do mesmo modo que revelavam ser capazes de descobrir estratégias, às vezes difíceis, para ganharem em certos dos seus jogos].



_____



Adenda



Ainda pelos 4-5 anos do Nuno, a mãe (minha filha) declarou que não teria que se preocupar com a "formação informática" dele pois delegava-a em mim. Pois, pois... até há um tempo atrás ainda pensávamos que isso poderia passar por nós, mas do que eles gostam é das modas lá entre eles... Por exemplo, cedo deixam de precisar que lhes ensinem a usar o msn, e lá os temos a prolongarem em casa as conversas da escola com os amiguinhos (e amiguinhas), o horário de estudo esquecido (até serem apertados com uma proibição de msn até levantarem aquelas notas negativas que começaram a aparecer nos testes por causa de tanta conversa - mas isso só fazem alguns pais, eu sei de uns que tiveram que o fazer uma vez há pouco tempo mas não vou dizer aqui em público quem era o filhote, digo só que as notas levantaram logo nos testes seguintes e ele não andou traumatizado com a proibição), e a dedicação intensiva a uma nova escrita que qualquer dia os põe a escrever português com mais erros do que quando tinham nove anos, isto se falarmos só dos que até fizeram um bom 1º ciclo.
O Nuno até criou um blog, e não fui eu que ensinei, só dei depois umas dicas que até o levaram a um primeiro contacto com html, mas depressa o abandonou por "falta de assunto" e, quanto a descobrir assunto... bem, "santos de casa não fazem milagres" (até porque são vistos como intrusos, os reconhecidos como "autoridades" são os professores nas disciplinas escolares - no mais geral ainda com nada ou pouco de TIC -, alguns amigos um pouco mais velhos noutras áreas e os publicitários das últimas modas/aliciamentos - que não são o msn, este até é um desviante menor do estudo).



Como competir com isto? Que papel cabe à escola?



Mas já saí do assunto do meu post... que mania das adendas!



_________________________
_xiiiiiii... Isabel, que post tão longo!!
_Ora, não faz mal, este foi para guardar como recordação, eu volto qualquer dia a questões implícitas na adenda...

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Pois... mais virada para leitura do que para escrita.

Fechei a última página de A Varanda do Frangipani, de Mia Couto, que li quase de uma assentada.

___________
"Foi então que uma explosão se tremendeou pelo forte, parecia o mundo se fogueirava. Nuvens espessas escureceram o céu. Aos poucos, os fumos se dispersaram. Quando já tudo clareava sucedeu que, daquele depósito sem fundo, se soltaram andorinhas, aos milhares, enchendo o firmamento de súbitas cintilações. As aves relampejavam sobre as nossas cabeças e se dispersaram, voando sobre as colinas azuis do mar. Num instante, o céu ganhava asas e escoava para longe do mundo."

"Era a árvore do frangipani. Dela restava um tosco esqueleto, dedos de carvão abraçando o nada. Tronco, folhas, flores: tudo se vertera em cinzas. (............)
Recordei ensinamentos do pangolim. A árvore era o lugar de milagre. Então, desci do meu corpo, toquei a cinza e ela se converteu em pétala. Remexi a réstia do tronco e a seiva refluiu, como sémen da terra. A cada gesto meu o frangipani renascia."

"_Espere, eu vou consigo, meu irmão.
Era Navaia Caetano, o velho-menino. (...)
Segurei a sua mão. Mas então reparei que ele trazia, a tiracostas, o arco de brincar. Lhe pedi para que deixasse fora o inutensílio. Lá os metais eram interditos. Mas a voz do pangolim me chegou, corrigente:
_Deixe o brinquedo entrar. Este não é um caso de última vez..."

____________
Me perdoe Mia Couto (que, na minha humilde opinião, é um grande, acho que me atrevo a dizer um enorme escritor) por usar excertos* retirados subjectivamente do contexto do último capítulo (e mais ainda do contexto de todo o livro), mas não os uso como marcas desta obra, retiro-os pelo último pensamento que ficou em mim, sempre tão pessoal da parte de cada leitor.
E antes de o pensamento regressar ao quotidiano, despeço-me da árvore perfumada que renasce de monte de cinzas e também das andorinhas que saiem voando de abismo que engoliu armas - quanto ao arco de brincar, há muitos sótãos que guardam brinquedos de infâncias longínquas...
(Mas não me despeço de A Varanda do Frangipani, esse fica comigo ao lado de outros, belos também)
_____
* Excertos: pp 149; 150, 151; 151, 152 (Ed. Caminho, 8ª edição)

___________________________
Outras leituras:
Porque nem se trata de obra literária, nem é temática dentro dos assuntos deste blogue, não deixo aqui o link para uma entrevista com Arno J. Mayer - é já de 2002, encontrei agora -, interessantíssima (a meu ver), que li de um fôlego. Mas deixei o link ali.

Mais virada para a leitura do que para a escrita...

...assim meu cantinho vai andando abandonado. Mas, às vezes eu penso nele como se não fosse um espaço virtual, mas um recanto mesmo onde me viesse sentar debaixo de uma trepadeira para soltar e depois guardar entre as pedras de um murinho uma impressão que me deixou o livro que acabei de fechar, ou a alusão a algum momento particular do dia, ou um pensamento que ou me grita ou me murmura através de alguma forma mais ou menos metafórica que me suscita a pena de um poeta ou o pincel de um artista. Ora... porque não? Um blogue não tem que ficar preso ao título, e os posts não têm que ser todos para eventuais visitantes entenderem sem ficarem a perguntar-se: A que propósito vem esta prosa ou esta imagem?

Memórias da vida de professora...? Vêm-me muitas , sobretudo das aulas, de empreendimentos como directora de turma, de casos, enfim... sobretudo memórias 'deles' - os alunos. Vêm-me ao pensamento muito mais do que vinham enquanto ainda estava no activo (nessa altura era o presente, o dia a dia, as turmas desse ano que ocupavam o pensamento). Mas... vêm e também vem logo uma recusa: "Não me apetece escrevê-las" (as memórias), "não, não quero escrever, é passado". E eu sei que isto não faz muito sentido, porque escrever memórias não tem, não tem mesmo que significar saudosismo, não foi com nenhum sentimento desses que iniciei o blogue e lhe dei o título que tem, e continua a não ser ao mantê-lo.
Mas, não vou perder tempo a deslindar o porquê desse não apetecer ou não querer. Se uma memória de prof me puxar para o teclado, escreverei, e se a seguir as memórias não continuarem a puxar para as teclas, não escreverei, e pronto - é simples.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Hoje deixo outro poeta...

... completaria hoje 84 anos - Eugénio de Andrade.

[Onde me levas...]

Onde me levas rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me levas?, que me custa tanto.

Não quero que conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa,
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.

Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos,
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos e com espasmos.

Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra face na vida transbordante;
que seja nessa face que me perca.


Eugénio de Andrade
_____________________
ADENDA
Eugénio de Andrade é um dos poetas de que gosto tanto que, sabendo que seria hoje o seu aniversário, tinha que deixar um poema seu. Além disso, quando penso que vou deixar o meu cantinho um tanto em pausa, gosto de deixar um poema (ou uma pintura - as obras de arte são poemas). Contudo, desta vez em que também me parece que vou fazer (ou retomar) alguma pausa, deixo o desejo de que o tema do meu post anterior (resumido: o professor generalista para o 2º ciclo) se torne tema de combate a tal visão, inclusivamente na blogosfera)

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Habilitações para a docência - para mim, basta desse assunto!

Perdi a paciência, afinal já estou fora, e para que hei-de preocupar-me e até ficar efervescente com as notícias, aliás ainda muito escassas, que há sobre o assunto? Hoje despeço-me dele, pois de nada serve a preocupação de um simples professor, nem de vários, nem de muitos que o conhecem bem por terem acompanhado no terreno as evoluções do sistema de formação de professores após a Lei de Bases do Sistema Educativo, especialmente no que respeita às formações para a leccionação no 2º Ciclo. Mas também não pensem os colegas do 3º Ciclo e do Secundário que o assunto não lhes diz respeito, ou então não se venham a queixar quando os futuros alunos lhes chegarem às mãos.

Bati na tecla de algumas formações vigentes para o 2º ciclo e, recentemente, alertei para a visão da actual equipa do Ministério da Educação, relativamente à qual, no respeitante ao 2º ciclo, até um grupo de trabalho constituído por responsáveis de várias ESEs esteve contra, apesar de as ESEs serem as instituições que maioritariamente têm a cargo essa formação. (Esse meu alerta, incluindo informação de pareceres, está aqui).

O novo regime de formação para a docência na Educação Pré-Escolar e nos ensinos Básico e Secundário foi aprovado em conselho de ministros em 28 de Dezembro sem que dele fosse dado conhecimento público ou aos sindicatos de professores. Foram ontem divulgados alguns aspectos desse Decreto-Lei, e as posições da FENPROF (que acabo de ler) sobre o que já é conhecido não me indiciam que tenha sido corrigida a visão que mais me preocupava, embora ainda não tenha acesso ao diploma para ler com os meus próprios olhos. Entretanto, não preciso de ler para conhecer, desde a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, quer o facto de nunca terem sido postas em prática algumas disposições dela, quer o modo como foram sendo contornados e mesmo desvirtuados princípios nela inscritos depois de processo árduo para se conseguir uma lei que, pela sua importância, requeria a obtenção de consenso.

A pôr ponto final num assunto com que me preocupei longamente (e disso, já tive quanto baste), deixo apenas e sucintamente uma memória que até devo ter escrito com mais pormenores algures neste cantinho. É a memória de quatro estagiárias que tive numa turma minha de 6º ano, a partir só de finais de Fevereiro desse ano, e tive apenas na qualidade de cooperante, não de orientadora. (Para não cometer injustiças, esclareço que não frequentavam uma ESE, mas um desses institutos privados, igualmente credenciados para a referida formação).
Eram jovens trabalhadoras, empenhadas, entusiastas e que queriam mesmo ser professoras (e boas professoras). Apesar de assoberbadas por outros trabalhos além daquele (pseudo) estágio, arranjavam disponibilidade para todas as horas (muitas) que elas próprias eram as primeiras a pedir, dado que eram críticas quanto à insuficiência da duração da formação em tantas vertentes como as científica, didáctica, pedagógica e não só. Dei-lhes muitas horas para além do que se inseria nas minhas obrigações como cooperante apenas, e dei com gosto porque elas iam tendo consciência das lacunas a nível científico e de dificuldades até elementares que queriam ultrapassar.
Desejo que estejam colocadas e não duvido de que sejam professoras competentes, mas também não tenho dúvidas que terão tido que fazer, para isso, um considerável esforço pessoal adicional à formação recebida. Porque só cabeças tais como as da actual equipa ministerial podem não perceber que não chega uma formação (agora, pelos vistos, ainda mais "generalista") que não dê a preparação científica especializada indispensável para que o professor saiba mais do que ensina, mesmo a nível ainda elementar/inicial, sob pena de não ficar capacitado para, por exemplo, iniciar os alunos no processo progressivo de aquisição/elaboração de conceitos, devido a não ter ele alguns bem elaborados ou sequer minimamente, mas correctamente, adquiridos.

E pronto. Prossigam os ministros da educação com uma política de formação de professores que fique o mais barata possível, com a justificação de que os meninos ficam traumatizados com a passagem do professor único do 1º ciclo para vários professores - justificação de que até se ririam os próprios alunos, pelo menos após a primeira ou segunda semana dessa transição -, prossigam, que eu fico-me com a minha opinião mas não vou insistir mais no assunto.

domingo, janeiro 14, 2007

Para o domingo (e não só), deixo um poeta

[Prévio: "Ainda pior que a convicção do não, é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase! (...) Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu." (Luís Fernando Veríssimo - de um pps que corre pela net)]
________

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá Carneiro, Quase (13 de Maio de 1913)
________
P.S.: Bom domingo e boa semana!
_________________________________________
ADENDA ("extra")
O meu destaque (extra-educação/ensino): Artigo no Público de hoje, aqui.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Percepções e crenças de pré-adolescentes e adolescentes sobre o Bem e o Mal* - III

Nota prévia
Um depoimento de um participante num conjunto de entrevistas (em que não são feitas perguntas direccionadas para qualquer questão específica que induza algum discorrer não espontâneo), não permite qualquer tipo de generalização. Aliás, os extractos que se seguirão nada acrescentam a causas ou motivos que percebemos para alguns (sublinho "alguns") comportamentos, agressivos e outros, sem precisarmos de depoimentos. Se trago para aqui esses extractos é porque eles têm a particularidade de revelar, da parte de uma menina ainda criança, não só a consciência do efeito da pressão do meio em que vive, mas também indícios de pensamentos de difícil resposta na sua idade, semelhantes a dilemas morais, tratando-se de um caso em que não pode contar com ajuda da família para encontrar as melhores respostas.

Sobre o efeito da pressão social na produção de conformidade a normas ou padrões de grupo**
ou
Dilemas numa menina ainda criança

Cátia tinha 12 anos e vivia num meio, quer social, quer familiar, problemático. Mas, embora não fosse minha aluna, sabia que era uma menina que se revelava habitualmente pacífica, não dando quaisquer problemas de comportamento.

"(...)
Foi cá na escola... Foi com a Vânia. Mas eu tava mesmo a pensar que era mal, porque sim, e isso... Prontos, que eu não devia, porque depois ela ficava pior, e eu também ficava, mas se eu não fosse dar-lhe, ela só andava a provocar, também me chamavam medricas, ou assim.
(...)
Sempre a tratarem-se mal (as pessoas)... Nem todas são assim, não é? A maioria delas são... Não é só no meu bairro.
(...)
Quando vejo crianças ou adultos assim à porrada penso porque é que hão-de fazer isso, não vale a pena, mas muitas das vezes acho que não é assim. As pessoas dizem anda embora, mas como é que é, se eu vou-me embora, as pessoas começam a chamar-me cobarde. Mas ele ou eu pode ficar ferido. Por isso, não sei... Quando eu já for assim um bocadinho adulta... uma pessoa lembrar-se do que se passou, porque uma pessoa não se pode ficar, manter a ouvir, ouvir sem fazer nada. A pessoa também tem que ter as suas responsabilidades, não vai ficar uma parvinha no meio das outras.
(...) Eu tou rodeada de pessoas que mentem, e então eu também já minto. Uma pessoa para se esquivar de levar tareia... de ser maltratada, depois uma pessoa também mente. Mas se uma pessoa sabe que é verdade, não é tar para aí a mentir, a dizer não sei, não sei.
(...)"
_________
* De estudo já referenciado no post I
** Existem, de há muito, estudos sobre o efeito referido, distinguindo, nomeadamente, a conformidade pública e a privada.
_______________
P.S.:
A Cátia tinha um aproveitamento escolar satisfatório, mas, para o final do ano lectivo (no seu 6º ano), começou a faltar bastante. Apesar das diligências da directora de turma, a mãe obrigava-a a faltar à escola porque "precisava dela".
_____________________
Adenda
Agora que já és "assim um bocadinho adulta", como estarás com os teus dilemas, Cátia? Uma flor para ti...


Voltei, mas...

Voltei do fim de semana prolongado de repouso, mas... Em repouso, organizações de tempo que continua desorganizado só acontecem em pensamento (ou em imaginação). Não há mal nisso, planeamento antes de acção, e planeamento faz-se na cabeça, é compatível com repouso. O mal é que, algumas vezes, entre tomar decisões e pô-las em prática vai considerável distância. Por acaso, eu até nunca sofri desse mal a não ser desde há muito pouco tempo, e como não quero dizer-me que a perda de qualidades se deve à idade, arranjo outras justificações (desculpas!) para o facto de já tardar demasiado a organização do meu tempo de acordo com algumas das prioridades que decidi e que, dado não serem propriamente obrigações, vão sendo retardadas por aliciantes ou interesses, sim, mas nada prioritários.

De qualquer modo, voltei, mas... quase certa de que este cantinho vai andar ao contrário: repousará durante a semana e acordará (talvez) ao fim de semana. Até vou colocar uma memória que acabei de escrever mas pus em draft para deixar primeiro estas linhas, mas eu sei que estou a desligar-me deste meu cantinho, um tanto por falta de tempo, outro tanto porque cada vez mais sinto que as minhas memórias... são do século passado (melhor dizendo, por vezes parecem-me de um século remoto de alguma minha encarnação anterior). Mas não é por, em grande parte, serem de há um, dois, ou mais decénios atrás que sinto isso.
A verdadeira, verdadeirinha razão da intenção de memórias ter ficado por meia dúzia de casos é que memórias de professor(a) não se reduzem nem são essencialmente casos pontuais, da Rita, da Cláudia, da Cátia ou de outros. Elas são sobretudo situações mais globais. São ambientes e climas de escola(s); são evoluções e involuções em escolas ou na escola em geral; são métodos de ensino; são fases de trabalho colaborativo, partilha de experiências e dinâmicas de reuniões, e fases de esvaziamento disso pela burocratização e gasto de tempo com escassa utilidade pedagógica, com a consequência de o trabalho se tornar compartimentado ou mesmo individualmente isolado; são dinâmicas despoletadas por alguns e contangiando os outros, e perda das mesmas por cansaço ou mudança de escola desses alguns; são, em suma, o bom, o menos bom e o mau.
Claro que uma pessoa pode ficar-se pelas memórias que são boas recordações. Mas, para isso, eu preciso de apagar a marca de algumas vivências de escola nos anos mais recentes, que também a mim fizeram cansar-me e ir fechando-me na sala de aula. Essa marca, que, ao contrário de ser do século passado, precisamente foi marca por ser da parte final da minha vida profissional, não foi causada pela muito grande maioria dos professores da minha (ex)escola - se fosse, não a referiria, não iria particularizar publicamente uma escola. Mas também não se deveu exclusivamente ao tempo da actual ministra e às suas medidas, pois ela pouco ou nada se ocupou de educação e ensino, as suas principais preocupações/prioridades não são essas nem foi para isso que foi posta no cargo.
Eu acredito que os professores empenhados e dedicados são uma maioria. Quanto à indispensável competência científica, sem a qual não bastam outras competências, que até crescem pela intuição e a experiência mas ficam comprometidas sem a primeira, isso já depende da formação que é institucionalmente dada e das oportunidades de colmatar lacunas e insuficiências existentes em (pelo menos) algumas das formações vigentes, começando pelas oportunidades de serem apercebidas pelos próprios.
Mas também sei que há minorias, às vezes até ínfimas, com uma grande habilidade para conseguirem minar uma escola, pelo menos durante algum tempo. E preciso de me esquecer disso, de me distanciar, até não de tempos antigos, mas sim dos anos mais recentes que, por serem muito próximos do final de todo um percurso profissional, me desmotivam de escrita de memórias. Desmotivam porque algumas realidades que não quererei referir me tornam, pelo menos por enquanto, difícil proceder a tal escrita deixando fora dela essas realidades que não ignoro (nem ninguém ignora) que coexistem com o bom e muito bom, que coexistem com todo aquele corpo docente deste país que foi "segurando" quanto possível o nosso sistema de ensino público e tem vindo, mais recentemente, a conseguir (ou a tentar) impedir que ele bata no fundo, fazendo-o sem suficientes recursos e apoios e, agora, sem sequer estímulo ou reconhecimento.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Fim de semana...



Os aposentados passam a estar sempre em férias. Pois... mas eu ainda não consegui sentir-me em férias, que hei-de fazer contra isso?


Vou fazer um fim de semana de repouso (tenho a vantagem de poder começar à 6ª feira!).


Mas faz frio, é inverno, acho que vou fazer um fim de semana assim...




Bill Stephens. Winter Rest

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Em jeito de balanço

Talvez faça um balanço em Fevereiro, quando este cantinho completar dois anos. Hoje, trata-se mais de uma breve observação ocasionada não por passagem de 2006 para 2007, mas pela tentação de umas experiências "técnicas" que fiz nos últimos dois dias. A tentação veio de dois posts da 3za, este e este.
Para experimentar uma das novidades do novo blogger (os marcadores para busca de posts por temas), lá me decidi a mudar, mas sem me sujeitar a perder o meu template. E isto de usarmos templates disponibilizados por outros sites e, para mais, fazendo-lhes alterações para os adaptar e personalizar, traz alguns problemas devidos a codificações diferentes, não ficando imediato/fácil o uso das novas funcionalidades do blogger. Bem, mas isso podem ler nos posts da 3za que referi.

Ora, eu não estava interessada nos marcadores para catalogar os meus posts, mas sim para confirmar uma coisa que já sabia: Posts de acordo com a minha ideia inicial, ou seja, memórias mesmo do "terreno", mas do terreno em que entram os alunos, memórias mesmo deles e da prática com eles, ficaram quase só na intenção dos poucos meses que antecederam o início das medidas da actual ministra da educação. Assim, só quis procurar esses e pôr marcadores apenas nesses.

Como não me está a apetecer escrever, comento apenas que, dos 438 posts deste cantinho, apenas vi 19 títulos (4%!) que me disseram terem a ver mesmo com as referidas memórias! Talvez haja mais três ou quatro (não ia ter paciência para abrir tantos posts) e decerto que em muitos outros falei de alunos, o desvio da escrita para a política deste ministério não aconteceria se não fosse por causa deles, mas eu refiro-me a memórias directas e concretas, de acordo com a minha principal motivação inicial.
E pronto, fica só esta observação. Como disse, não me apetece comentá-la agora, mas hei-de escrever sobre isto (fica agendado para Fevereiro).

P.S.:
Esse menu à direita com as designações que fui dando aos temas dos tais apenas 19 posts está, por agora, numa caixa de cor preta porque assim me ficou, posto e adaptado o respectivo código, mas clicando e passando o rato lá aparecem os temas a branco. Qualquer dia volto ao template a ver se consigo tornar a caixa mais "estética", mas a culpa não foi das dicas da
3za, que tem a sua bonitinha, mas do Miguel Pinto, que descobre sites de templates com códigos muito diferentes do layout do blogger, e eu deixei-me logo tentar pelas descobertas dele [ó Miguel, se me leres, não fiques com sentimentos de culpa, que eu só estou a agradecer-te ;)]

terça-feira, janeiro 02, 2007

Nota sobre isto do "sonho" e da "esperança"

O meu 1º post do ano fala de sonhos. Outros também já falaram, por palavras minhas ou de poetas que sabem exprimir-se como eu não sei, de sonhos, utopias e esperança. Talvez quem me tenha lido fique admirado por eu esclarecer agora que nunca fui, e continuo a não ser, uma pessoa sonhadora no sentido mais usual do termo. E também não tenho nenhumas ilusões sobre a natureza humana, em que convivem boas e más (ou racionais e irracionais?) tendências, facilmente vencendo as más, sobretudo pela atracção do poder de qualquer tipo.

O post anterior fala em portadores de sonhos, não em sonhos que sonham pessoas em repouso, embora acordadas, pensando em coisas felizes na imaginação para enganarem ou esquecerem a realidade que muito pouco provavelmente lhes permitirá realizá-los. Sonho, para mim, é motor, é o que moveu e move homens e mulheres para a acção, e para a luta (quantos sabendo que não iam ou não vão chegar a usufruir da vitória, quantos arriscando vida ou liberdade, quantos fazendo do seu tempo um grão de contributo pela realização de sonhos da humanidade).

Também esperança não é, para mim, mera crença. Esperança é não desistir enquanto a razão perceber que ainda há argumentos para a não desistência. E a minha razão, felizmente, funciona constantemente com uma perspectiva dialéctica sem a qual eu há muito nada entenderia de evoluções e mudanças, sem a qual me restaria alienar-me para não pensar ou, quem sabe, desistir de ter esperança, e como não sou dada ao conformismo, não encontrar sentido para nada.


Eu gosto muito dos versos de António Gedeão que dizem "Sempre que o homem sonha o mundo pula e avança........", mas porque eles me lembram os homens (homens e mulheres) para quem o sonho é como disse acima: motor, motor, motor!

No conformismo pode haver "sonhadores", mas passivos, sonhando em repouso; no conformismo não há portadores de sonhos (os portadores movem-se) e então o caminho fica todo aberto aos pregoeiros de fatalismos, de irreversibilidades ou do "tarde demais para serem possíveis alternativas".

segunda-feira, janeiro 01, 2007

No 1º dia de novo ano...

...para as minhas filhas e os meus netos, também para os amigos, deixo:

Los portadores de sueños
de Gioconda Belli*

Los portadores de sueños


En todas las profecías
está escrita la destrucción del mundo.

Todas las profecías cuentan
que el hombre creará su propia destrucción.

Pero los siglos y la vida
que siempre se renueva
engendraron también una generación
de amadores y soñadores,
hombres y mujeres que no soñaron
con la destrucción del mundo,
sino con la construcción del mundo
de las mariposas y los ruiseñores.

Desde pequeños venían marcados por el amor.
Detrás de su apariencia cotidiana
Guardaban la ternura y el sol de medianoche.
Las madres los encontraban llorando
por un pájaro muerto
y más tarde también los encontraron a muchos
muertos como pájaros.
Estos seres cohabitaron con mujeres traslúcidas
y las dejaron preñadas de miel y de hijos verdecidos
por un invierno de caricias.
Así fue como proliferaron en el mundo los portadores sueños,
atacados ferozmente por los portadores de profecías
habladoras
de catástrofes.
los llamaron ilusos, románticos, pensadores de
utopías
dijeron que sus palabras eran viejas
y, en efecto, lo eran porque la memoria del paraíso
es antigua
el corazón del hombre.
Los acumuladores de riquezas les temían
lanzaban sus ejércitos contra ellos,
pero los portadores de sueños todas las noches
hacían el amor
y seguía brotando su semilla del vientre de ellas
que no sólo portaban sueños sino que los
multiplicaban
y los hacían correr y hablar.
De esta forma el mundo engendró de nuevo su vida
como también habia engendrado
a los que inventaron la manera
de apagar el sol.

Los portadores de sueños sobrevivieron a los
climas gélidos
pero en los climas cálidos casi parecían brotar por
generación espontánea.
Quizá las palmeras, los cielos azules, las lluvias
torrenciales
Tuvieron algo que ver con esto,
La verdad es que como laboriosas hormiguitas
estos especímenes no dejaban de soñar y de construir
hermosos mundos,
mundos de hermanos, de hombres y mujeres que se
llamaban compañeros,
que se enseñaban unos a otros a leer, se consolaban
en las muertes,
se curaban y cuidaban entre ellos, se querían, se
ayudaban en el
arte de querer y en la defensa de la felicidad.

Eran felices en su mundo de azúcar y de viento
de todas partes venían a impregnarse de su aliento
de sus claras miradas
hacia todas partes salían los que habían conocido
portando sueños
soñando con profecías nuevas
que hablaban de tiempos de mariposas y ruiseñores
y de que el mundo no tendría que terminar en la
hecatombe.
Por el contrario, los científicos diseñarían
puentes, jardines, juguetes sorprendentes
para hacer más gozosa la felicidad del hombre.

Son peligrosos - imprimían las grandes
rotativas
Son peligrosos - decían los presidentes
en sus discursos
Son peligrosos - murmuraban los artífices de la guerra.

Hay que destruirlos - imprimían las grandes
rotativas
Hay que destruirlos - decían los presidentes en sus
discursos
Hay que destruirlos - murmuraban los artífices de la guerra.

Los portadores de sueños conocían su poder
por eso no se extrañaban
también sabían que la vida los había engendrado
para protegerse de la muerte que anuncian las
profecías
y por eso defendían su vida aun con la muerte.
Por eso cultivaban jardines de sueños
y los exportaban con grandes lazos de colores.
Los profetas de la oscuridad se pasaban noches
y días enteros
vigilando los pasajes y los caminos
buscando estos peligrosos cargamentos
que nunca lograban atrapar
porque el que no tiene ojos para soñar
no ve los sueños ni de día, ni de noche.

Y en el mundo se ha desatado un gran tráfico de
sueños
que no pueden detener los traficantes de la muerte;
por doquier hay paquetes con grandes lazos
que sólo esta nueva raza de hombres puede ver
la semilla de estos sueños no se puede detectar
porque va envuelta en rojos corazones
en amplios vestidos de maternidad
donde piesecitos soñadores alborotan los vientres
que los albergan.

Dicen que la tierra después de parirlos
desencadenó un cielo de arcoiris
y sopló de fecundidad las raíces de los árboles.
Nosotros sólo sabemos que los hemos visto
sabemos que la vida los engendró
para protegerse de la muerte que anuncian las
profecías.
_____
*Autora nascida em 1948 na Nicarágua (em Manágua)
_________________

Imagem de algures, na net