Comentário prévio
Este blogue dizia-se de memórias... afinal está é cheio de ano lectivo 2005/2006! Até parece um caixote de partes para um documentário a tornar um dia memória... só se for para o ligar à tecla delete e carregar nela!! (Era o que faltava, milus a ficarem na história!!!)
(Não sei se foi por voltar à minha actual sala de professores na 2ª feira depois de uma interrupção prolongada que me ocorreu a memória tão antiga que se segue)
Sala de professores (aliás, de professoras)
Comecei a leccionar no ensino nocturno, na então Escola Comercial e Industrial Alfredo da Silva, no Barreiro. Mas passo por cima desse ano, não porque não tenha sido uma boa experiência, mas porque, apesar de reconduzida, interrompi no ano seguinte (por circunstâncias e razões que não vêm para esta memória).
Quando voltei a concorrer era mãe, evitei escolas com ensino nocturno, o Secundário era a minha perspectiva de futuro pelo gosto de trabalhar com adolescentes, mas iniciava-se a reforma Veiga Simão, a colocação fácil era no Ensino Preparatório.
Ao entrar, jovem e quase pricipiante professora, na pequena sala de professoras da escola hoje chamada Almirante Gago Coutinho, em Lisboa, fui bem acolhida e logo integrada no exíguo grupo das colegas de Matemática. A Vitória era um bocado mais velha do que eu, a Luísa só um bocadinho. Ambas grandes entusiastas do ensino da disciplina. Embora houvesse, para apoio ao recente programa, uma brochura do ME com orientações e sugestões didácticas pormenorizadas, nos intervalos elas falavam constantemente das aulas (nós falávamos, pois o nós aconteceu depressa). Não me lembro de haver reuniões de disciplina, mas não fizeram falta nenhuma, afinal estávamos frequentemente em reunião, outras colegas iam dizendo, sorrindo: "lá estão elas com a Matemática". Não só com a Matemática, aliás, pois as noções elementares relacionadas com a teoria dos conjuntos, prato forte no novo programa, prestavam-se muito à perspectiva da interacção matemática-português, que procurávamos explorar. E, embora sem estágio ainda, tal como a Luisa, funcionasse a intuição e eu tivesse autonomia e o "bichinho" de pensar e experimentar, essa sala de professoras onde fazíamos trabalho colaborativo não deixou de ser importante, permanecendo na minha memória, tão esquecida de nomes, os dessas primeiras colegas de Matemática.
Mas, o encontro mais importante de todos nessa sala foi com a Rosa, de Ciências. Era apaixonada pela metodologia do trabalho em grupo (note-se que, nessa altura, tinham entrada no país "as novas correntes pedagógicas", só não consigo lembrar se ainda limitadamente ou se à censura não ocorria que pedagogia fosse perigosa).
Não creio que alguém influencie outrém a não ser quando o outro já tem em si predisposição para o que o primeiro defende, o que era o meu caso em relação a um método em que a Rosa estava, até então, sozinha nessa escola. Ouvi-a e um dia pedi-lhe que me explicasse como conseguia o funcionamento das aulas com aquele mobiliário de carteiras de pares, tampos ligeiramente inclinados, carteiras não deslocáveis. Não recordo as palavras da descrição, mas posso resumir assim: As miúdas arranjam-se, gostam e inventam os expedientes, pernas para trás, pernas para a frente, cadernos para trás, cadernos para a frente...
O encontro com a Rosa foi extremamente importante, sobretudo porque sem essa informação do gosto das miúdas eu não me teria atrevido a fazer às minhas alunas a proposta de uma experiência que requeria o que me pareciam condições de trabalho demasiado incómodas. E foram elas que, entusiasmadas, me exemplificaram e convenceram que "era fácil".
Em suma, devido a essa sala de professoras onde se falava das aulas, de métodos e estratégias, eu esbocei ainda nesse primeiro ano de Ciclo Preparatório o que ficou para sempre o meu método de ensino-aprendizagem da Matemática nestas idades com que tenho lidado (método a que se deve, em boa parte, o meu atrevimento de ter incluído na descrição deste blogue "e segredos do ensino da Matemática nos 2º e 3º Ciclos"). Não tinha ainda contacto com os fundamentos teóricos do importante papel da discussão entre pares; e a dinâmica de grupo surgia então quase só por si. Também é verdade que, na altura, via nesse funcionamento mais o estímulo à cooperação, à ajuda e inter-ajuda, tal como via no funcionamento democrático das aulas uma oportunidade de vivência pelas alunas da vivência que o país não democrático não proporcionava. Mas foi uma iniciação logo no início, por isso esta memória é das mais importantes da minha vida profissional.
E aqui deixo também a minha homenagem à Rosa, que há tantos anos nos deixou. Vi-a fazer exames orais, era como se o seu encantamento pela botânica, como pela biologia, se estabelecesse entre professora e aluna, eram momentos lindos. Foi difícil compreender e aceitar, tão exuberante de vida te sentíamos, tão alegre que eras, quando a vida embirrou com tua alegria e decidiste parar aí. Saudades, Rosa!