Transcrevo para aqui o comentário que deixei no Aragem ao tema lançado pelo Miguel Pinto. O tema não pareceu suscitar interesse em comentar, debater ou partilhar experiências. Mas, quando escrevo sobre questões directamente respeitantes ao ensino, mesmo que me sinta a pensar sozinha em voz alta, gosto de guardar os meus pensamentos neste meu cantinho, ainda que sejam pensamentos só de mim para mim mesma.
Não vou teorizar nem dizer generalidades, mas só dar alguns exemplos da minha experiência como prof. de matemática no âmbito do que eu entendo por articulação curricular, e detendo-me nos próprios conteúdos dos programas, embora esse nem seja o principal aspecto na dita articulação.
1- A desarticulação começa pelos programas: os da cada disciplina parecem ser feitos por equipas que nem pensam em conteúdos comuns a várias disciplinas (dou os exemplos da Matemática com a Física-Quimica e da Matemática com a Educação Visual), havendo desfasamentos que impedem (ou dificultam muito) que os respectivos professores reforcem e complementem simultaneamente o trabalho de cada um. E isso seria importante, pois sobejamente a investigação refere o problema da transferência, isto é, os alunos têm muita dificuldade em transferir os conhecimentoa aprendidos num contexto para outro contexto (neste caso, de uma disciplina para outra). E, por exemplo, professores de FQ e de EV queixam-se por vezes de que os alunos não sabem o que era preciso saberem da Mat quando afinal se trata de conteúdos que o programa de Mat só prevê para mais tarde. Claro que isto poderia ser resolvido se houvesse interesse e tempo para reuniões de trabalho.
2- Os conselhos de turma intercalares, sempre com uma calendarização apertada que dá pouco tempo a cada um, são na maioria dos casos gastos a dar informações (avaliação) ao dt, a fazer queixas também ao dt de problemas de indisciplina, e não me lembro de nenhum em que tenha participado em que se falasse de alguma coisa a ver com articulação curricular, a não ser umas generalidades, mas mais em termos de estratégias para prevenir ou resolver problemas de indisciplina. Só me lembro de algum trabalho (além de breves e esporádicas conversas com outros professores) entre mim (coordenadora de mat do 3º ciclo) com a colega de Física (tb coordenadora), mas um tanto apressadamente quando os nossos horários faziam que nos encontrássemos no intervalo na sala de professores.
Quanto aos ditos projectos curriculares de turma, são pouco mais do que meros papéis.
3- A falta de trabalho em termos de articulação curricular vem de há muito tempo. Mas MLR, se percebesse alguma coisa de pedagogia e didáctica e estivesse verdadeiramente interessada em medidas que efectivamente melhorem o ensino em vez de só estar interessada em estatísticas e propaganda, e em que a escola guarde meninos nas salas, teria pensado bem na melhor utilização a dar à componente não lectiva de estabelecimento, que introduziu. Lembro-me de uma mesa redonda promovida pelo SPGL em que uma colega e minha amiga às tantas apelava à senhora ministra por "um só papelinho, um papelinho apenas" a determinar que prioritariamente fosse pensada essa componente não lectiva para possibilitar reuniões de trabalho. Mas o que a ministra fez foi atulhar, sim, os professores com reuniões para papelada e mais papelada, muitas vezes feitas para além do seus horários.
4- Uma nota sobre a articulação entre o Português e a Matemática. Pode parecer que estas disciplinas não têm a ver uma com a outra, mas têm, e muito. Todos sabemos que há uma interacção entre o desenvolvimento do rigor do pensamento e o desenvolvimento da precisão na linguagem. Além de que um dos maiores problemas dos alunos na resolução de problemas está na dificuldade de leitura atenta, compreensão e interpretação dos enunciados. Em que escolas vemos professores das duas disciplinas e com turmas em comum considerarem a necessidade de falar disso e traçarem estratégias convergentes?
5- As tão faladas competências transversais são inscritas naqueles papéis que o CP aprova sem ler, respeitantes aos objectivos/competências de cada disciplina, para serem arquivados nos dossiês de cada departamento, mas cada departamento continua a ser um compartimento fechado.
Termino com três perguntas:
- Como sensibilizar os professores para esta questão? (Só falei de algumas disciplinas, mas a questão põe-se a todas e, como disse no início, não só em termos de conteúdos a ensinar)
- Como aproveitar as reuniões existentes para que se concretize uma verdadeira articulação curricular?
- Como pode a chamada (e falsa) autonomia das escolas inserir esse trabalho nos seus projectos?
1 comentário:
Isabel
acho que as questões que colocas são fundamentais. Primeiro, o exemplo deveria vir de cima. Verifica-se que a nível dos currículos há desarticulação. Isso seria um problema a resolver numa instância superior se os nossos governantes estivessem virados para aí e ouvissem os professores que são capazes de lhes dizer isso. Segundo, acho que os professores devem tomar em mãos essas questões. Só que isso demora tempo e como ele é desviado para coisas pouco produtivas não sobra para o essencial. Faz-se o acessório que é aquilo que é pedido com carácter obrigatório.
Outra questão que considero fundamental e que vai piorar nos próximos tempos devido a decisões ministeriais é a da formação dos professores, inicial e contínua, específica e geral. Os professores devem ser tratados, formados com um nível elevado, como pessoas e profissionais capazes de ler a realidade, tomar decisões, etc. Ora ao Ministério interessa, pelo que vemos, formar mão-de-obra barata, inculta, submissa que por sua vez forme uma massa explorável de baixo nível que são a maioria os nossos alunos das escolas públicas. Eles não confessam isso mas é isso que eles pretendem e estão a conseguir fazer. Quanto a currículos o professor é, deve ser um produtor de currículo e de articulações curriculares. Se for tratado como aplicador de programas o problema está logo aí: como vai educar/formar verdadeiramente pessoas capazes de pensamento próprio se ele não o tem, nem lho reconhecem?
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