O título é o do último capítulo de um extenso artigo de Joaquim Azevedo, intitulado Melhor educação é possível - artigo que o JMA divulgou já há uns dias pelo Scribd, e cuja leitura integral sugiro vivamente: Aqui. Como o artigo é extenso, destaco este seu último capítulo.
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«Precisamos muito mais de mudar de políticas educativas do que de ministros da educação! Temos de trazer a educação para a praça pública. O Presidente da República, a Assembleia da República e o Primeiro-Ministro (que tão afastados andam de uma intervenção capaz e concertada no terreno das políticas de educação e formação) têm de se entender sobre algumas prioridades básicas e colocar o pé no acelerador, anos a fio, sem hesitações e tibiezas. Temos de estabelecer compromissos políticos e compromissos sociais concretos (não consensos balofos!), desde o plano nacional ao plano local, valorizando sobretudo uma imensidade de pequenos compromissos (de preferência assinados), que possam fazer da melhoria da educação uma efectiva e concreta grande causa nacional.
O tempo da retórica devia ser encerrado. Não são necessárias mais leis encantadoras, não mais discursos encantatórios, mas sim mais compromissos concretos, mais empenhamento e envolvimento, mais trabalho, muito trabalho e ainda mais trabalho, unidos neste objectivo comum de melhorar a educação das novas gerações e de todos os portugueses, ao longo de toda a vida e com a vida.
Repito: a melhoria da educação escolar não é uma questão técnica é uma questão política. E isto mesmo há muito boa gente que ainda não percebeu. E “ocupa” a 5 de Outubro ocupando o tempo a criar mais uma disciplina, a colocar mais uns computadores, a meter mais TIC nas escolas, a descobrir mais uma circular interpretativa, a desfazer planos de estudos e a criar outros que ninguém sabe de onde brotam, tão caudalosos, a criar “a martelo” agrupamentos verticais e horizontais onde poderiam existir apenas redes de cooperação, a mudar horas lectivas de 45 para 90 minutos, a…inventar soluções técnicas para problemas que não existem e a ignorar soluções políticas que a todo o momento urgem, passando todos os dias atestados de ignorância profissional aos professores e de irresponsabilidade social aos directores das escolas. “Até quando abusarão da nossa paciência?”. Até quando vai persistir toda esta esquizofrenia, sob o encantamento das vozes populistas do “ bando do eduquês”, que dizem que tudo está mal e que o bem só pode ser alcançado com mais uns requintados retoques técnicos, esses sim, os definitivos, sempre “de uma vez para sempre”!
Vivemos num tempo novo. O paradigma da educação de todos ao longo de toda a vida irá iluminar e condicionar o desenvolvimento da educação nas próximas décadas, num contexto de mudança contínua e de incerteza. Temos de esclarecer o novo lugar da educação na “sociedade do conhecimento”, desde a educação escolar à educação social, e discernir o lugar da “nova” escola em cada comunidade: é um enclave, um contentor que ali foi colocado e face ao qual a comunidade local pouco ou nada tem a dizer? Ou é uma instituição social nuclear para pensarmos e construirmos um desenvolvimento social sustentável? Como se articula esta instituição com outras instituições locais, com papéis educativos também relevantes ? Qual deve ser aí o lugar e o papel dos professores, o que espera a sociedade deles e como é que se cruzam os seus horizontes profissionais e a sua acção com a dos pais, das associações e agentes culturais, dos empregadores…? Ficou muito claro, no Debate Nacional sobre a Educação, que muitas escolas continuam dramaticamente isoladas, seja porque se fecham sobre si mesmas seja porque a sociedade desvaloriza a educação escolar e não se compromete (para lá de uma retórica gongórica e enfadonha) na melhoria da educação.
Pergunto: queremos que o sistema de educação seja regulado exclusivamente a partir do centro (dos vários centros, tipo DRE), de um Estado que irresponsabiliza ou um sistema multiregulado, que valoriza também a participação dos docentes e a acção dos pais, das autarquias, dos interesses culturais, socioeconómicos? Até onde estamos dispostos a ir, como sociedade aberta, num novo Modelo de Governação de Educação (MGE) assente na multiregulação, na intervenção renovada, personalista, subsidiária e inteligente do Estado e valorizando a participação sociocomunitária, para atingirmos, com outra serenidade e persistência (sem andarmos aos solavancos, num “stop and go” permanente), uma educação de maior qualidade para todos os portugueses? Sem redefinirmos as prioridades, os níveis de responsabilidade e os responsáveis, continuaremos, por exemplo, como já acontece há vinte anos, a falar e a decretar a autonomia das escolas quando, efectivamente, as escolas não têm autonomia real nenhuma, simplesmente porque nada mudou no modelo de regulação ao dizermos que mudou a autonomia da escolas. Por outras palavras, que lugar é que queremos que tenha a autonomia das escolas neste novo MGE? Que atribuições, competência e responsabilidades devem ficar concentradas nos agrupamentos escolares e escolas? E que lugar é reservado para a comunidade local e para os serviços regionais e centrais? E para os directores das escolas, e para os professores e as equipas interprofissionais, a cooperar em prol da melhoria da educação? E para os pais? E para as autarquias? E para a administração central? E…Não podemos prosseguir a política do simulacro, da retórica balofa, do faz de conta e… do caos subsequente!
No processo de melhoria gradual, contínua e persistente da educação em Portugal, um imperativo social de primeira grandeza, é preciso reconstruir, por um processo de concertação e de acção-reflexão permanentes, o lugar e a função dos professores como profissionais, das equipas de professores dentro das escolas, da cooperação destes com outros profissionais, da articulação com os pais, da ligação a outros actores sociais locais. O que queremos dos professores e das equipas docentes? São correias de transmissão, são funcionários que apenas repetem matérias ou são profissionais autónomos, num novo e clarificado quadro de responsabilidades profissionais e sociais? Há ou não lugar para o desenvolvimento e aprofundamento de uma cultura escolar e para a sua valorização social? Sabemos que só uma pertinente, cuidada e persistente reflexão pedagógica sobre as situações-problema concretas, pode gerar melhorias na educação, turma a turma, escola a escola, em contextos comunitários de incentivo à educação de todos. Que dinâmicas de governação educacional devem exercer as escolas e que controlo social querem o Estado e a sociedade instituir para credibilizar e apoiar as escolas e os professores e os seus projectos de melhoria gradual da educação?
Temos de definir se queremos que o MGE seja centrado no Diário da República, como até aqui, governo após governo, ou em actores sociais e em compromissos sociais concretos em prol de mais e melhor educação, construídos com a activa e responsável participação dos portugueses, desde o nível local ao nacional (como já se teima em querer fazer em tantos locais e com a participação de alguns parceiros sociais)? Que novos compromissos sociais concretos queremos vir a estabelecer? Uma coisa parece certa: só num clima de liberdade e de confiança entre os parceiros e de responsabilização das partes será possível edificar um novo MGE.
Uma educação de qualidade para todos os portugueses, sem excepção, é demasiado importante para o nosso futuro para continuarmos a deixar de lado as questões centrais, persistindo em seguir um MGE que teima em ser centralista, uniforme, burocrático, tecnocrático, desresponsabilizante, quando não desnorteado, em contínuos solavancos, sob o signo do improviso e da inspiração do momento (de cada equipa ministerial, mesmo dentro de um mesmo governo!). Este modelo de governação gera mediocridade e desresponsabilização social. Todos os dias. Há muitos anos que precisamos de mais liberdade e de mais política, não precisamos de mais tralha técnica a cair ciclicamente dentro de um sistema fechado.
Políticas de equidade impostas pelo Diário da República, central e uniformemente, constituem atentados à liberdade e à responsabilidade e só podem gerar mediocridade. Precisamos de plataformas cívicas de participação para a reconstrução do bem público educacional, como ficou tão claro no Debate Nacional. Precisamos de política, não precisaremos tanto de “comissões técnicas de sábios”, que se nomeiam para desatar pequenos nós, quando estes pequenos nós apenas escondem os grandes nós, que, esses sim, continuam atados e bem atados. Somos nós, todos nós, em todo o país, que podemos e temos de desatar estes nós.
Precisamos de um regresso à esperança e estou certo de que nós somos bem capazes de o fazer.
À profecia decretada da incapacidade dos portugueses, temos de opor a profecia da construção social de mais e melhor educação, num renovado quadro de cooperação e de esperança.»
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Adenda
Não resisto a acrescenter uns breves excertos do capítulo, do mesmo artigo, intitulado Os professores, bodes expiatórios ou construtores do futuro?
«A ética do cuidado é o seu modo de proceder. Cuidam de cada um como se fosse único. Cuidam de cada turma como se fosse um jardim, onde a variedade das flores é o seu encanto, não o seu problema. Onde é preciso regar e nutrir todos os dias as raízes, indicar caminhos e ser luz para que os botões de cada pessoa de cada aluno despontem e as suas flores abram, únicas, humanamente resplandecentes, frutos da convocação humilde do jardineiro. Diante de tanta beleza, que é o desabrochar humano que ocorre diante dos olhos e das mãos dos professores, o professor realiza-se e é impelido a partilhar e cooperar com os seus colegas essa mesma beleza e as diversas formas de que se reveste.
Não, os botões não hão-de ficar amordaçados dentro do peito, eles têm de rebentar, de abrir, de ser gente, de amar e ser amados, de dar e de receber, de construir e ser construídos em sociedade e em comunidade. O professor é o profissional que cuida de cada flor (em cada geração) e esse é um trabalho imenso (regar, adubar, podar,..), que requer toda a atenção, carinho e rigor, que implica um trabalho imenso, muita dedicação e dádiva e a formação de equipas educativas (Boavida, 2002; Formosinho e Machado, 2008). Não perceber isto é não perceber o essencial da educação e também da educação escolar.
Este cuidado requer níveis sofisticados de atenção. Não basta o trabalho individual de cada professor, porque cada jardim conta com dez jardineiros, que têm de fazer equipa (...)
Faz falta, no entanto, entre os professores, a construção de dinâmicas de auto-formação, rotinas de trabalho semanal em equipa de docentes, de reflexão assente na acção concreta, nas dificuldades e nos êxitos alcançados, uma acção lenta e persistente, colectiva e de equipa de profissionais, de melhoria contínua. Este (árduo e apaixonante) caminho é, a meu ver, o que pode conduzir a uma real redignificação profissional dos professores, num novo quadro institucional e profissional. (...)»