segunda-feira, março 30, 2009

Dar tempo para saber aprender

«Como espelho que são da Sociedade, as nossas salas de aula assistem diariamente a verdadeiros contra-relógios cuja meta é cumprir o programa. Em nome deste frondoso mas gasto argumento privamos os nossos alunos do tempo que necessitam para aprender verdadeiramente, fazendo deles meros depositários de saberes memorizadamente espartilhados. Ironicamente, estamos a privar-nos a nós próprios daquele que consideramos o maior prazer de um professor, ver os seus alunos aprender verdadeiramente, ou seja, a relacionar e aplicar correcta e multidisciplinarmente os conteúdos. Não defendemos o incumprimento dos programas, apenas uma mudança na sua gestão e nas estratégias que os procuram corporizar. (...)
Para aprender verdadeiramente é preciso antes de mais saber aprender! Saber aprender exige muito do conhecimento e reflexão sobre as nossas cognições – metacognição. Inúmeras e variadas investigações têm demonstrado que o uso da metacognição por parte dos alunos é a principal causa de diferenciação nas estratégias por eles usadas, e que os indivíduos com mais rendimento em qualquer idade são os que têm a capacidade de monitorar o seu próprio desempenho em determinada tarefa. (...)
Privar de uma ou duas aulas a supracitada pressa em cumprir o programa, a favor de incutir nos alunos hábitos de trabalho e estratégias metacognitivas, não é pedir demais. (...)
A metacognição passa em muito por adquirir hábitos e processos de trabalho conformes. (...) Esta aquisição é lenta no seu florescer e no seu frutificar. Não podemos pedir aos alunos na aula de hoje que adquiram hábitos metacognitivos na aula de ontem, mas sim disponibilizar-lhes a aula de amanhã. Temos de estar descerrados à mudança e encarar com normalidade a lentidão de um processo que pode fazer lembrar a adolescência. Saibamos todos ser professores adolescentes, porque adolescente é uma forma do particípio presente "adolescens" do verbo "adolesco", que significa "crescer", "amadurecer".»

sábado, março 28, 2009

Marcha Turca a quatro mãos

Recebi do Miguel por mail. Não resisti a recorrer ao YouTube para trazer para aqui.
Obrigada, Miguel... fizeste-me interromper a minha pausa :)

sexta-feira, março 13, 2009

Para uma pausa

(Fujo à palavra fim e escrevo pausa. Vou tentar sacudir o desencanto)

Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en el mar.

Antonio Machado

________
Poema recebido da Amélia Pais

quinta-feira, março 12, 2009

Ser professor

(No âmbito do meu post anterior, eu tinha mais para 'desabafar', sobretudo depois de ouvir hoje o desabafo da minha neta à saída da escola - as crianças também têm desabafos pertinentes e justos. Mas calo os desabafos e deixo apenas algumas palavras de Rubem Alves.)

«Eu tenho uma impressão triste... a minha impressão é a seguinte: Um grande número de professores nem sequer pensa nessa questão qual é o efeito (do trabalho do professor). São como empregados públicos que têm uma rotina, uma prática burocrática, hoje eu tenho de ir à escola, a escola começa às tantas horas, e eu tenho um plano de aula, e o meu programa é esse, e a pessoa vai lá automaticamente, ano após ano fazendo a mesma coisa, sem olhar para a criança e imaginar o que ela vai ser. (...)
A grande obrigação do professor não é para com o director, nem para com o ministério, nem para com a secretaria, nem para com o programa. O verdadeiro professor é aquele que só leva a sério as coisas que têm a ver com os alunos, inclusive a si mesmo. (...)
A grande questão da educação não está no sistema escolar, está na aula do professor. Se a gente não mudar a cabeça e o coração do professor, nada acontece.»

Rubem Alves

domingo, março 08, 2009

Matemática detestada

_ Então como vai a escola?
_ Vai bem.
_ E a Matemática? Conta como vai!
_ Assim assim... é chata.
A mãe, aproveitando a oportunidade:
_ Ela tem teste para a semana...
_ Ah! Queres ajuda? Podemos fazer umas revisões...
_ Pode ser...
A I. é filha de uma amiga minha, tem 10 anos e anda no 5º ano. Comecei por pedir para ver o caderno para me "ambientar" com o professor dela. Pareceu-me muito vocacionado para treinar e treinar procedimentos e obrigar a cálculos e mais cálculos à mão, decerto para que os meninos não esqueçam as contas que aprenderam e não sofram os malefícios da calculadora, mas um bocado alheado daquela importante vertente que é a resolução de problemas. Lá fiz as revisões, mas quando quis fazer umas "variações" àquela monotonia repetitiva que vi no caderno tive algumas resistências da minha amiguinha I.: "Isso não sai no teste", "o meu professor não dá isso", "o meu professor nunca me fez perguntas dessas", "eu só tenho que saber fazer, não vou ter que explicar"...
O que será que impede um professor de perceber que está a tornar a matemática chatinha para as crianças? O que o faz perder a oportunidade de ter ele próprio mais gosto em ser professor? Motivar os alunos criando-lhes o gosto pelo 'jogo' de pensar e descobrir é uma tarefa aliciante e compensadora. É verdade que não é uma tarefa bem sucedida com todos os alunos, nem com todos se consegue até porque nenhum professor é perfeito, mas não me venham dizer que estas são questões de mérito profissional quando muitas vezes são, sim, problemas de demérito.
Voltando à minha aluna de momento, eu sei que ela gostava da matemática no 1º ciclo e a mãe agora está inquieta porque a vê perder o gosto. Mas não chega a estar na situação mais extrema do título deste post. Contudo, escrevi esse título porque, a propósito de falta ou perda de gosto pela matemática, veio-me à memória um caso que foi um dos (muitos) desafios da minha vida de professora - caso que aqui descrevi em tempos sob o título Rita e o ódio à Matemática. Esse ódio declarado da Rita foi ultrapassado, nesse empreendimento todos conseguimos ser bem sucedidos - os colegas de grupo, eu e ela (principalmente ela, como é óbvio). E confesso que esta memória não deixa de me fazer sentir alguma frustração ao observar agora a fase de perda de gosto da minha amiguinha I. pela matemática. E as suas resistências aos meus desvios às rotinas repetitivas do seu professor fizeram-me lembrar Rubem Alves numa entrevista em que a dada altura recorda quando queria ajudar a filha de 10 anos na resolução de problemas de matemática: propunha-lhe um caminho para resolver dado problema e a menina rejeitava dizendo que esse não era o caminho da professora. Pois... a minha amiguinha I. também tem que seguir os caminhos do seu professor até que mude de professor quando chegar ao 3º ciclo, e aí talvez se lhe abram outros caminhos...

P.S.
Peço desculpa se fui dura. Não pequei por personalizar pois o professor em questão é um anónimo entre outros e, se faço sempre questão de salientar uma verdade que é termos muitos e muitos bons professores, excelentes até, criativos e estimulantes, isso não quer dizer que omita que também há práticas estagnadas, monótonas e desmotivantes. Omitir tal nada contribui para mudar o que há a mudar, para melhorar o que há a melhorar. As referidas práticas levam a apelar a que os respectivos professores se tornem mais reflexivos, e essas práticas - elas sim - devem ser focadas no âmbito de uma avaliação formativa, para bem dos meninos e meninas que queremos que ganhem o gosto pelos desafios da matemática e pelo "jogo" do pensar.

sábado, março 07, 2009

Um exemplo de dedicação

O festival decorreu esta semana no Teatro da Malaposta em Odivelas.
A CEDEMA é um um centro escolar para alunos maiores de 18 anos portadores de deficiência mental.
A convite de uma amiga, mãe de um aluno dessa escola, tive oportunidade de ser testemunha do que conseguem a dedicação e o amor. Sim, porque dedicação e amor formam o selo que se sente colado à amostra que vi dos trabalhos produzidos pelos alunos da CEDEMA, todos adultos mas todos como crianças ainda - desde a peça de teatro que representaram até aos trabalhos manuais expostos. Destes segue-se abaixo uma pequenina amostra, mas o que não dá para mostrar aqui são os afectos que senti em todo aquele ambiente. Os professores são quase todos ainda jovens e quem como eu teve oportunidade de estar na maravilhosa iniciativa que foi este festival apercebe-se de imediato que para eles a profissão é também uma missão, assim como se apercebe que aqueles alunos diferentes mas integrados e felizes adoram esses seus professores. Se tivesse que escolher uma só palavra para caracterizar o que testemunhei, eu diria simplesmente: Afecto. Mas como posso usar mais palavras, acrescento: Trabalho, Dedicação, Amor, Persistência, Cuidado, Inclusão, Cidadania, Vida.

sexta-feira, março 06, 2009

No aniversário de Gabriel García Márquez



Não quero deixar de assinalar o aniversário do escritor que é, talvez, a minha maior paixão na literatura. E Cem Anos de Solidão é um dos livros mais fascinantes que já li. Aqui fica um excerto, com o agradecimento à Amélia Pais.



Apesar de o coronel Aureliano Buendía continuar a acreditar e a repetir que Remédios, a bela, era, de facto, o ser mais lúcido que jamais conhecera e que o demonstrava a todo o momento com a sua assombrosa habilidade para fazer pouco de toda a gente, abandonaram-na ao deus-dará. Remédios, a bela, ficou a vaguear pelo deserto da solidão, sem cruzes às costas, amadurecendo nos seus sonhos sem pesadelos, nos seus banhos intermináveis, nas suas refeições sem horários, nos seus profundos e prolongados silêncios sem recordações, até uma tarde de Março em que Fernanda quis dobrar no jardim os seus lençóis de barbante e pediu a ajuda das mulheres da casa. Mal tinham começado quando Amaranta reparou que Remédios, a bela, estava transparente, com uma palidez intensa.
—Sentes-te mal?—perguntou-lhe.
Remédios, a bela, que segurava o lençol pela outra ponta, fez um sorriso magoado.
—Pelo contrário—disse—, nunca me senti tão bem.
Palavras não eram ditas e Fernanda sentiu que um delicado vento de luz lhe arrancou os lençóis das mãos e desdobrou-os em toda a sua amplitude. Amaranta sentiu um tremor misterioso nas rendas dos seus saiotes e tentou agarrar-se ao lençol para não cair, no momento em que Remédios, a bela, começava a elevar-se. Úrsula, já quase cega, foi a única que teve a serenidade para identificar a natureza daquele vento irreparável e deixou os lençóis à mercê da luz ao ver Remédios, a bela, que lhe dizia adeus com a mão, entre o deslumbrante adejo dos lençóis que subiam com ela, que abandonavam com ela o ar dos escaravelhos e das dálias, e passavam com ela através do ar onde acabavam as quatro da tarde e se perderam com ela para sempre nos altos ares onde não podiam alcançá-la nem os mais altos pássaros da memória.

(Gabriel García Márquez, in Cem Anos de Solidão, traduzido por Margarida Santiago)

quarta-feira, março 04, 2009

Sentindo o poema

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.



Fernando Pessoa

segunda-feira, março 02, 2009

Dificuldades de aprendizagem, idade e bloqueios do raciocínio

Quando encontro um ex-aluno, logo me vêm memórias. Foi o que aconteceu há poucos dias: encontrei a A., até recordámos as duas o seu caso das "preocupações" (ela já está na faculdade, mas ainda se lembrava muito bem), por isso o trago hoje para aqui.

A A. foi minha aluna do 7º ao 9º ano. Vinha do 6º ano com nível 5 em Matemática, pelo que, no 7º, andava muito decepcionada pois o seu desempenho apenas se situava no nível 3. No entanto, era muito trabalhadora e responsável e até dizia que a Matemática era a sua disciplina preferida.
A dada altura, a DT disse-me que os pais tinham pedido para falar comigo, ao que, naturalmente, acedi. Vinham expor a sua preocupaçãp porque a A. andava excessivamente ansiosa, a ponto de, nos dias em que tinha aula de Matemática, nem conseguir comer ao pequeno almoço. Os pais não punham qualquer questão sobre os meus critérios de avaliação nem sobre a minha relação com ela, apenas me vinham pôr a par da ansiedade da filha e pedir que falasse com ela e a ajudasse a tranquilizar-se. De imediato tive uma conversa com a menina.
Ela era muito novinha, tinha iniciado o 1º Ciclo ainda com 5 anos, pelo que comecei por lhe falar dos ritmos de desenvolvimento, explicando-lhe que era natural que a idade a obrigasse a maior esforço que colegas seus um bocadinho mais velhos, o que seria ultrapassado ao fim de um pouco mais de tempo.
No entanto, eu apercebia-me que esse não era o principal problema, mas sim a sua excessiva preocupação sempre que na aula ou em casa tinha que resolver exercícios ou problemas para ela mais difíceis. Ela reconhecia a preocupação e ansiedade, só que vai uma distância entre o aluno reconhecer isso e ser capaz de analisar os reflexos na sua actividade cognitiva ao querer executar uma tarefa que requer investimento no raciocínio. Perante um problema de matemática diferente dos já resolvidos e estudados, a A. (como, aliás, muitos alunos) preocupava-se em encontrar a resolução na memória - dizendo "não me lembro, não me lembro" - em vez de soltar o raciocínio para descobrir a estratégia adequada. Mas, além disso, encarava o problema com preocupação ansiosa, receando ser mais uma vez mal sucedida na tarefa. Em suma, o que a bloqueava podia chamar-se simplesmente preocupação - excessiva preocupação.
Assim, na aula recorri a uma 'estratégia metacognitiva', pedindo à A., logo a seguir a alguma tentativa de resolver um problema mais difícil para ela, que procurasse lembrar-se e descrever tudo o que pensara ou se passara na sua cabeça ao tentar a resolução. Fiz isso em duas ou três aulas, até ela conseguir corresponder ao que eu pretendia.
E resultou mesmo. Os progressos da A. a partir daí não aconteceram de um dia para o outro, mas foi de um dia para o outro que ela consciencializou até que ponto as referidas preocupações a impediam de soltar o raciocínio para interpretar e resolver um problema. E, então, passou a descontrair, bem como a desprender-se de buscas na memória do que lá não podia estar, tornando-se até frequente, quando estava às voltas com um exercício, fazer um comentário bem humorado sobre "preocupação", sorrindo como quem me pisca o olho.
Quanto aos seus resultados, melhoraram consideravelmente e alcançou o nível 4. Mas continuei a pensar que até iria mais longe se tivesse mais um anito. Aliás, não era a primeira vez que eu sentia um bom aluno ter que fazer maior esforço que outros colegas e não conseguir ir tão longe em matemática como ia noutras disciplinas, perguntava então com que idade ingressara no 1º Ciclo, e a resposta era a que eu esperava: ainda com 5 anos. Não estou a querer dizer que essa idade é prematura em todos os casos, estou só a querer dizer que deve ser ponderada a decisão de esperar ou não mais um ano nesses casos das crianças a quem, pela data de nascimento, a lei permite o ingresso com 5 anos ainda.
E não resisto a comentar que cá pelo nosso país não se ponderam certas questões nem se interrogam certas opções de outros países - por exemplo, na Finlândia o ingresso na escolaridade propriamente dita é aos sete anos, mas isso é assunto em que por cá não se toca...

P.S.: E, já que usei com a A. isso que certos senhores "anti-eduquês" incluem nas suas caricaturas do chamado "eduquês" - a metacognição -, ainda acrescento que esses senhores às vezes me fazem perder a paciência.