Pretende-se que cada vez mais os alunos passam mais tempo na escola, porque cada vez menos muitos pais têm tempo para eles.
E na escola? Horários dos alunos sobrecarregados, incompatibilidade (não coincidência) entre os nossos tempos livres e os deles, rodeados de professores que pensam neles, se preocupam com eles, mas a quem pouco mais resta que conversar na aula com toda a turma e conversar individualmente em situações que justificam roubar-lhes recreio ou até mandá-los chamar a uma aula. Mas o espaço para conversar socegadamente em privado, sem o aluno estar com a cabeça no recreio a que tem direito e de que precisa? O espaço para conversar ou ouvir, não porque o aluno se portou mal, mas porque está desistente nesta ou naquela disciplina em que o insucesso lhe instalou a falta de auto-confiança, ou (e sobretudo) porque espera que alguém repare que precisa de conversar, não sobre determinada disciplina, mas do que o anda a afastar do trabalho escolar?
Certo que o director de turma assume o papel de pai ou mãe da turma, mas não me refiro à turma, refiro-me a cada um, que não é igual a nenhum outro.
O projecto a decorrer na minha escola este ano, não original pois muitas escolas têm o gabinete de atendimento ao aluno (com diversas designações), no entanto com objectivos mais largos (acredito eu e, pelo menos para mim, assim é) do que dialogar de imediato com (e apenas com) alunos mandados sair da sala de aula, tem-me feito pensar mais nesta questão dos espaços/tempos para o conversar individual e diferenciado.
Este gabinete não decorreu do alargamento da componente não lectiva na escola, ele foi pensado (na sequência de outras iniciativas já havidas como a tutoria) antes dessa medida, por professores interessados e vocacionados para tal projecto. Não é um gabinete para o sermão, é um gabinete para o diálogo, o que é bem diferente. E nada impede que seja aproveitado como espaço para conversar com um nosso próprio aluno sem que tenha tido qualquer "mau comportamento".
Tive a feliz coincidência de duas das minhas três turmas (e logo aquelas em que mais alunos tenho para quem um diálogo privado e com tempo pode eliminar equívocos e/ou criar alianças) estarem já livres nalgum dos tempos que tenho no gabinete ao fim da tarde. Gosto da tarefa de atender alunos punidos, até porque me dá alguma segurança uma formação que tive oportunidade de ter, não apenas teórica (o que por si só seria inútil), mas prática, em técnicas de entrevista vulgarmente designada por não directiva, centrada no aluno - técnicas que conduzem a uma entrevista mais em profundidade. Mas, o que tenho gostado mais nesta tarefa, é da oportunidade de espaço/tempo para diálogo com alguns dos meus próprios alunos, combinados sem serem motivados por problemas do tal mau comportamento.
E, subitamente, agudizou-se-me a consciência, o reparo, desta incongruência que referi acima: rodeados de professores que pensam neles e se preocupam com eles, que pensam não só numa turma, mas em cada um, e no entanto por vezes sozinhos - como acontece às vezes connosco, adultos, que rodeados de gente, sentimos solidão.
7 comentários:
Temos discutido muito, diversificado as temáticas, normalmente a reboque das agendas mediáticas. Contudo, este tema que aqui se levanta é de uma centralidade inquestionável. Este tema não decorre das medidas anunciadas ou prenunciadas. É um tema que decorre de uma preocupação dos professores em aprofundar a relação pedagógica: A personalização do processo educativo. Tarefa cada vez mais difícil na conjuntura actual porque para ser concretizada o professor terá de quebrar vezes sem conta as “regras protocolares”. Interromper uma aula para conversar particularmente com um aluno é algo que a administração escolar só percebe se o assunto for inadiável [configuram os casos de violência, saúde, segurança, por exemplo]. A obrigatoriedade do cumprimento do programa oficial não se compadece com justificações dúbias. Ou não?
Vejo uma possibilidade, cada vez mais distante, para o professor aprofundar a relação educativa. Estou a pensar no espaço dedicado aos clubes escolares…
Miguel, julgo que, neste contexto, estarás a pensar em clubes ou espaços para actividades não curriculares, mas a funcionarem a tempo inteiro. Afinal, os tais espaços TAMBÉM para ocupação válida de alunos sem aula por falta do professor, que o tal ano zero que a ministra recusa (porque o importante é o tempo do seu mandato!!) poderia permitir estruturar, mesmo assim só com apoios financeiros em tantas escolas como a minha, na qual até para conseguir o pequeno gabinete de atendimento ao aluno foi preciso dividir em dois o já pequeno espaço e único de sobra onde os dts recebem os pais.
Os tradicionais clubes há muito que funcionam na minha escola, e continuam este ano, mas cada um é um projecto de cerca de 2 professores, com horário muito reduzido, a encaixar nas poucas horas em que há uma sala de aula livre, com inscrição voluntária de alunos que consigam ter livre alguma dessas horas.
Mas já nem vale a pena teimar mais na tecla das "visões" dos ministérios da educação e governos, muito menos na da Milu)
P.S. Quanto à obrigatoriedade do cumprimento do programa oficial, isso é desculpa - estou a lembrar-me das vezes em que se interrompe o trabalho para ter uma conversa "séria" com a turma sobre o dito trabalho ou sobre algo acontecido em que fica mais importante falar do que preocupar com a matéria atrasada meia ou uma hora. Mas isso é dentro da aula, onde ainda vamos sendo soberanos para gerir o programa e o tempo.
Profissão altamente meritória a vossa. Mas também tão mal compreendida ultimamente.
Gosto sempre de te ver pelo meu canto.
Boa semana.
Que vergonha... fiz um desafio e não fui capaz de abrir caminho :(
Não serve de desculpa... mas os acontecimentos ultrapassam-me de tal forma que para os acompanhar... nem com sapatilhas :))
Não respondi ao teu comentário [lá no meu cantinho]... preferi deixar uma nova entrada...
Lumife: Obrigada por também te ver pelo meu canto. Boa semana e bom feriado :)
Miguel, já lá fui, já decidi ir comprar umas sapatilhas, mas... nem com sapatilhas voadoras aguento a tua pedalada ;) [riso]... mas olha que é verdade!!!
O problema Cara Isabel, é que falta o trabalho na rectaguarda, que pode e deve ser feito por várias tutelas: a do trabalho deve encontrar forma de facilitar a vida dos pais que querem, mas não podem ir à escola; a nossa que deve proporcionar as condiçºoes que nos permita estar na escola com gosto (este ano sou o único DT que tenho atendimento aos pais em hora pór-laboral, mas a minha família reclama...pois).
O trabalho do Gabinete é meritório. Esse mérito ninguém tira
Miguel, falas (e bem, a meu ver) em tutelas, o Miguel Pinto fala em autonomia (também bem, a meu ver), e como não gosto da expressão meio termo, pergunto-vos onde é o ponto de equilíbrio... (Confesso que já não sei nada :) )
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