quinta-feira, julho 07, 2011

Carta Aberta de Á.G. à Moody's

Nota prévia:
Agradeço ao Professor Álvaro Gomes a simpatia com que respondeu ao meu pedido de autorização para trazer para aqui a brilhante e reconfortante Carta Aberta à Moody's que deixou na caixa de comentários deste post do fsantos.
Foi ontem e, inesperadamente, o "augúrio", o "vaticínio" e o "oráculo" expressados nessa Carta começaram a indiciar-se já hoje. Que essa pequenininha luz hoje vislumbrada lá no fundo do túnel não se extinga e anime os povos da Europa a exigirem "ratings" criteriosos e isentos.

Carta Aberta à
Moody’s

Caros sábios da sábia Moody’s.
Eu já tinha muita consideração pelo vosso centenário crânio (tendes, sensivelmente, a mesma idade do nosso Manoel de Oliveira – em rigor, ele tem um aninho mais). Mas, enquanto este cineasta é mestre e antigo, vossências são discípulos velhos e caducos. Sem engenho e sem arte, vosselências (perdoar-me-ão, mas) vão de tombo em tombo. E é meu pio dever em vosso socorro vir.
Ainda há pouco garantiam ser investimento de primeira água um banco que, dias depois, mergulhava na (des)dita e os banqueiros Irmãos Lehman afogaram-se nas bóias da vossa segura garantia… Vossas insolências garantiam ser investimento do mais alto quilate o país de ouro que a Islândia é e quase em bancarrota entrou, logo a seguir.
Com tais acertos e tais rigores, é uma bênção para nós vê-los fal(h)ar assim, pois que melhor garantia do nosso vigor poderíamos nós buscar?
Apesar de tantos e tão sábios oráculos, estão vosselências mui prudentes. É sabido que não conhecem Portugal, nem este piccolo país lhes diz seja o que for. Mas, justamente por isso, sentem-se legitimados para oracular, augurar, vaticinar, pitonisar…
Só que eu, generoso que sou, graciosamente os informo: Portugal é um rectângulo quase (im)perfeito; mas daí a vossas insolências o tomarem por “bola” de trapo, vai um abismo lógico. Têm-na pontapeado a vosso bel-prazer e acabam, agora, de a chutar para lixo. Por nós, ficámos muito gratos ao vosso augúrio, pois, ao entrarmos na lixeira, fomos lá encontrar, justamente, não apenas a vossa bela terra (sim, os states e os united ), mas também os nipões e, paradoxo dos paradoxos!, a sábia Moody’s… Conhecem?
Este meu país, sabem?, vive há quase mil anos. Eu sei que não sabiam, mas eu informo-os de bom grado. Nós, lusos, veremos passar muitas moddy’s, muitas fitch’s… e muitas poor’s… nas passerelles da rapina! Vossências passarão, nós fi(n)caremos.
Numa irrepreensível lógica, vossências vaticinam e pitonisam segundo elementares forças, pois tudo delas depende. Se não, vejamos:

Sol e Chuva
Vai chover? Descem o ranking, pois inundações haver pode. E, se houver míngua, podem secar as albufeiras.
Vai fazer sol? Descem o ranking, não vá haver fogos. Há nuvens? Baixam o ranking, pois a atmosfera será sombria. Não há nuvens? Baixam o ranking, por haver luz em excesso, o que exige óculos da mafia…

Eclipses
Vai haver eclipse? Descem o ranking, porque é sinal de mau agoiro. Não vai haver eclipse? Descem o ranking, porque, não havendo astral, haverá eclipse financeiro.

Vento
Não há vento? Baixam o ranking, que as eólicas não produzem. Há vento? Baixam o ranking, não venha aí algum tornado.

Mar
O mar está encapelado? Baixam o ranking, não vá naufragar algum petroleiro. Está calmo, baixam o ranking, pois não haverá campeonato de windsurf.

Petróleo
Sobe o preço do petróleo? Descem o ranking, porque isso agravará a nossa balança. Desce o petróleo? Descem o ranking, porque isso afectará o vosso balanço.

Europa
A Europa diz que acredita em nós? Descem o ranking, porque suspeitam de mentirola diplomática. A Europa diz que não acredita em nós? Descem o ranking, porque a Europa é credível.

Ouro
Sobe o ouro? Descem o ranking, pois desce o euro. Sobe o euro? Descem o ranking, pois baixa o ouro…

Espirro
Espirra a Grécia? Baixam o ranking, não venha aí o H5N1. Aprova o parlamento o programa da troika? Baixam o ranking, pois “quem mais jura mais mente”. Portugal elegeu novo governo? Baixam o ranking, porque é inexperiente. No governo anterior baixavam o ranking, porque eram experientes de mais.

Ora, com critérios tão lineares e tão cientóides como os vossos, doer, só me dói que os terreiros dos passos (perdão, dos paços) ou os presépios de belém, perante vossências, andem a imodium e se ponham de giolhos. Mas eu, que nutro profundérrima simpatia por tudo quanto me cheire a moddy’s e a blues, há um augúrio, um vaticínio, um oráculo que quero, em português suave, reservar para vossências: “Vão… passear (à Lua. Far-lhes-á bem uma mudança “d’ares”… E por lá fiquem, sem oxigénio, que nós ficaremos bem, graças a vós!)”!
Á. G.

5 comentários:

Á. G. disse...

Cara Professora I.C.

Já tentei vir aqui, algumas vezes, com o objectivo de lhe agradecer a simpatia das suas palavras e do seu gesto. Algo tem dificultado a inserção deste meu comentário. Espero que, desta vez, resulte.

Como pude lembrar, recuso-me a chamar "rating" a procedimentos tão nebulosos como os destas agências.

Entretanto,, como "represália" pela simpatia demonstrada, aqui deixo mais um pequeno documento, inicialmente colocado no youtube, em francês; tendo sido bloqueado por alguma "inteligência", ali o recoloquei, desta feita em português.

Uma saudação cordial.

Á. G.

http://www.youtube.com/watch?v=SzHKOxwEZso

SoftFred disse...

Foi um “muudis” no estômago, como diria um fanhoso. Provocou algum bem moral, no meio do enorme prejuízo material, digo eu para comigo. É que já não me lembro quando foi a última vez que este meu país esteve tão unânime à volta de um acontecimento. Talvez tenha sido, por Timor. Mas será que hoje temos tanta razão como tivemos naquela altura?
Temos de reconhecer que andamos já há uns largos anos a pedir dinheiro emprestado para pagar dívidas; e trocamos empréstimos de juro baixo por empréstimos de juro cada vez mais alto, a um ritmo tal que é óbvio para todos que não vamos conseguir pagá-las quando os credores pararem de nos emprestar.
Isto faz-me lembrar aqueles “amigos” que nos vão cravando uma e outra vez até que nós dizemos basta e, nessa altura, perdemos o amigo e o dinheiro; e ele ainda vai espalhar como traímos uma amizade tão antiga, com a negação de um pequeno favor que, dizem, nada nos custaria prestar. É a vida.
Eu acho que os governos do “arco do poder” têm que jurar por tudo quanto lhes é mais sagrado que vamos cumprir os compromissos com a troika. É evidente que no dia em que dissessem o contrário não só desacreditariam o país como se desacreditariam perante os que os elegeram; e todos tememos isto, quase tanto como tememos mudar para algo que não conhecemos bem e pode correr mal.
Eu sei que a verdade, quando é cruel, custa a aceitar; mas, de um lado temos o PC e o BE, (pelo menos), que nos dizem com verdade, que vamos ter de renegociar a dívida; pelo outro lado temos o “arco do poder” que nos garante que com mais um sacrificiozinho, conseguiremos dar a volta por cima. Pelo lado do PC e do BE sabemos que, anunciada a necessidade de renegociação, param os financiamentos e o país receia não conseguir viver sem empréstimos; pelo outro lado, embora seja falaciosa, temos uma esperança de não cair de vez, de adiar a queda; e escolhemos entre dois males o que nos parece o menor. (O máximo são 4096 caracteres. Parece que falei demais. Por isso, continua…)

SoftFred disse...

(…continuação)
Mas já todos estamos convencidos de que estamos mal e, como não é tempo de julgar os culpados, (nós nunca procuramos saber onde errámos e porque errámos), vamos aceitando de boa mente descer salários, aumentar impostos, facilitar despedimentos, deteriorarem-se a saúde, a justiça e a educação, (tudo já com letra pequena), aliviar a fiscalidade dos patrões diminuindo o apoio social a desempregados, doentes, inválidos, crianças e reformados. Isto vai ser um verdadeiro paraíso capitalista. Talvez seja até o fim do capitalismo porque, quando estivermos exangues, sem produzir, ganhar e consumir, como vão os capitalistas multiplicar o seu dinheiro?
A única maneira de gerar riqueza é com trabalho. O Dinheiro, por si só, é macho e só se reproduz depois de, com uma pequena contribuição, passar a responsabilidade ao Trabalho, que é fêmea. Ora se cada vez há menos de nós a trabalhar, como é que vamos criar riqueza suficiente para tapar o sorvedoiro da dívida? Mas alguém ainda duvida que por este andar, de sacrifício em sacrifício, estaremos cada vez pior e nada do que consigamos fazer será suficiente para aplacar a ganância dos agiotas?
O mal foi terem-nos metido na boca do lobo, estes sucessivos desgovernos que temos vindo a eleger e que, tal como o que está agora em vigor, temendo o descrédito interno e externo, vão descendo a corrente, de costas para jusante para que pareça que estão a subi-la; e nós, os que viajamos no bojo da canoa, receando que os credores parem de nos emprestar dinheiro, erguemos as mãos para rezar, quando deveríamos lançar-nos à água e usar as mãos para nadar até à margem.
Este barco vai desgovernado. Este barco vai naufragar. Precisamos de voltar à floresta, cortar uns paus e fazer outra canoa. Uma canoa nova onde não caibam estes maus timoneiros. E estando nós em tal perigo, podemos censurar quem, nas margens nos grita que estamos prestes a submergir? Honestamente, acho que não. Honestamente, acho que a Moodys tem razão quando diz que é perigoso navegar na nossa canoa.
Agora: lá por eu ser marreco, não vou sorrir para quem me chamar marreco. Vou refilar, vou reclamar, vou pintar a manta, que diabo! Vem um Inglomanhês qualquer lá dum país que está quase como o meu, apontar-me o dedo acusador para ver se distrai as atenções do resto do mundo e eu fico-me? Nada, não! Não me fico, que sou pobre mas tenho dignidade!
Como o leão moribundo da fábula, que aceita agressões de todos os animais mas se levanta para lutar quando vê chegar o burro, assim está este meu povo: ferido, desarmado, cambaleante, fraco, desnorteado, mas rosnando eriçado com os olhos injetados de sangue. Só por isto eu estou agradecido aos mafiosos da Moodys; mas para onde vamos canalizar tanta raiva é que eu não consigo prever; e receio que, em breve, se dissipe em calor e fumo.

IC disse...

Caro Professor Á.G.
Muito obrigada pelo vídeo, que é uma verdadeira preciosidade. Lamentável que tenha sido retirado na versão em francês. Se me permite a sugestão, caso ainda tenha essa versão, seria de tentar voltar a colocá-la no YouTube. E pena é que não seja também em alemão, mas, já que o inglês foi tornado 'língua universal', ao menos em inglês.
Vou pô-lo também no FaceBook.
As mais cordiais saudações.
I.C.

IC disse...

Amigo SFred
Obrigada por esta tua excelente análise. Dela destaco uma frase: "Talvez seja até o fim do capitalismo (...)". Não que eu pense que esse fim está próximo, mas este capitalismo começa a estrebuchar, e eu penso sempre na História e nas condições históricas a longo prazo. Como já tenho dito, a nossa vida é curta para longos prazos, mas a nossa vida perpetua-se nos filhos, nos netos, nos bisnetos... E até me vejo a ter esperança no facto de a História ter começado a "andar" muito mais depressa.
Um abraço