quarta-feira, outubro 14, 2009

Para reflexão, com Rubem Alves

O texto que se segue é um pequeníssimo extracto de uma conferência(*) de Rubem Alves que reproduzo por escrito ouvindo o DVD(**), pelo que há uns pequenos intervalos.

«O que nós temos nas nossas escolas é que as nossas escolas se parecem mais com linhas de montagem. (...). Quando a criança é aprovada por causa das notas, os burocratas assumem que elas aprenderam. Vocês sabem que elas não aprenderam. E porque é que vocês sabem que elas não aprenderam? Porque vocês mesmos as esqueceram. (...) Se os professores que preparam os alunos para os vestibulares forem fazer o exame, eles serão reprovados, porque cada um só será aprovado na sua própria disciplina. É duvidoso que o professor de Português vá resolver problemas de Física ou de Química. Então façam a seguinte pergunta: Se todos serão reprovados, por que é que os nossos pobres adolescentes têm que saber tantas coisas que serão totalmente esquecidas? Mas os burocratas não percebem isso. Eles pensam que se você passar no exame, você sabe. Não sabe, é mentira.
E pela burocracia o aluno é uma coisa vazia dentro da qual você tem que colocar um saber. Fico pensando na situação de vocês, que são professores de uma única disciplina. Eu sinto que vocês são como aqueles guias turísticos que todos os dias repetem... (...). E o que está acontecendo então é que os pobres professores são colocados num canal de repetições no qual desaparece toda a alegria de aprender as coisas novas. (...)

Um amigo meu (...) me contou que uma vez resolveu fazer uma brincadeira com os alunos. Ele pediu aos alunos que escrevessem numa folha de papel a pergunta que mais provocava a sua curiosidade. As perguntas eram do tipo: por que é que a água fervendo endurece o ovo e amolece a cenoura? (Vocês já pensaram nisso?); por que é que a chuva cai em gotas e não cai toda de uma vez? (Eu sempre tive terror de que a chuva caísse toda de uma vez); o que é que veio primeiro, o ovo ou a galinha? (... Esse é um problema racional muito sério, um problema lógico que estava colocado na pergunta da criança. As crianças são extremamente inteligentes); por que é que as pessoas boas morrem mais cedo?; por que é que há pessoas que não gostam de árvores?.
Perguntas das crianças. Aí ele pensou: se as crianças fazem perguntas tão maravilhosas, os professores, que já se formaram, alguns têm mestrado, eles terão perguntas muito mais maravilhosas do que essas. Então ele sugeriu aos professores que fizessem perguntas, as perguntas que perturbavam os professores. Aí, o professor de Geografia perguntou: onde fica o cabo...? (não consegui perceber o nome); o professor de História perguntou: qual é a data da batalha de Gualdalquivir?; (...) Ou seja, os professores, por causa do seu costume, feito pela burocracia, de andarem sempre nos mesmos caminhos, estavam cegos, eles haviam perdido a capacidade de ver porque eles só viam o programa que a burocracia havia colocado em cima deles. Então não é possível que a gente se sinta feliz. (...)
Queria sugerir a vocês que vocês tratassem de raspar as tintas com que a burocracia pintou vocês, que raspassem as tintas para recuperarem a coisa maravilhosa que é a experiência de ensinar.»

Rubem Alves termina assim esta conferência (da qual o extracto acima é quase no início):

«Há coisas úteis que precisam
de ser ensinadas. Mas todas as coisas úteis só têm um objectivo: tornar possível a beleza, a arte. E quando nós como professores nos descobrimos como aqueles que tornam possível o aparecimento da beleza, então nós nos sentimos bonitos, e então a gente funda a nossa banda de jazz(Destaque meu)
_______
* Conferência promovida pela Asa pela mão do JMA (Maio de 2003).
** DVD que é para mim uma preciosidade que o JMA teve a grande gentileza de me oferecer.

1 comentário:

Isabel Preto disse...

Dá que pensar...de facto!
Simplesmente maravilhosa, esta reflexão! Há que ensinar a amar, criar, inventar e imaginar...a beleza que nos rodeia.
Beijinhos Isabel