quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Recordando o grande Piaget em duas questões primordiais e tão pouco debatidas

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(Com uma pequena mudança na data, reponho o post de há quatro dias atrás. É que, afinal, apeteceu-me não mudar de assunto, talvez para me encorajar a, mais dia, menos dia, retomar temas do ensino e da aprendizagem. Sei que a minha disposição para isso é incerta, pois estou desmotivada, mas a verdade é que fiquei com desejo de não mudar de assunto quando andei a ler por aí umas discussões sobre o "eduquês", que não sei se alguém ainda sabe o que é, mas que de vez em quando é evocado por certos "anti-eduquês" como causa de todos os males na educação, numa tal misturada de alhos com bugalhos que uma pessoa acaba por dizer a si própria: se aqueles exemplos que dão é que são o "eduquês", então um dos males na educação é serem tão raramente levados à prática! Mas já chega de preâmbulo à reposição do post que se segue)
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Jean Piaget não foi pedagogo e sempre fez questão de o salientar. No entanto, entre a sua vastíssima obra, não deixamos de encontrar um ou outro escrito dirigido directamente aos educadores. É o caso de dois ensaios pedagógicos reunidos num pequeno livro traduzido entre nós com o título Para Onde Vai a Educação?.
Vou buscar um texto tão antigo porque, ao contrário do que dizem certas vozes - a meu ver ignorantes e ridículas -, o grande Jean Piaget não está ultrapassado, e continua a ser uma enorme referência. Quanto às questões específicas que evoco, uma é a dos métodos de ensino-aprendizagem, e a outra é a da formação dos professores, que, naturalmente, não se pode alhear da primeira.
Daqui a poucos meses, na altura dos exames nacionais, ou quando da publicação dos resultados do PISA, muito se falará mais uma vez da taxa de insucesso escolar dos nossos alunos, especialmente na disciplina de Matemática. Mas, mais uma vez também, decerto ficará à margem, como causa pouco falada como se não fosse decisiva, a influência dos métodos no sucesso-insucesso escolar.
Eu pertenço a uma geração de professores, especialmente os de Matemática, que muito pugnou pela difusão e aceitação de métodos activos no processo de ensino-aprendizagem. Mas a expressão "métodos activos" tem muitas ambiguidades, quando não chega mesmo a ser caricaturada. E essa geração a que pertenci foi insuficientemente ouvida, e o que tantos desses professores defenderam e praticaram está hoje diluído no tempo, pouco disso parece ter perdurado na memória e na prática de considerável número de docentes.
Quantas e quantas aulas continuam meramente expositivas, mesmo quando sob uma aparência de actividade participativa dos alunos? Quantos e quantos métodos se mantêm anquilosados como quase reproduções dos mesmos que os professores "sofreram" no tempo dos próprios bancos da escola? E até as "novas tecnologias" não são, bastantes vezes, mais do que "enfeites" desses métodos estagnados, com umas vistosas apresentações a substituirem o giz no quadro a fim de prenderem mais a atenção de alunos talvez assim um pouco menos entediados, mas na mesma receptores pouco construtores das aprendizagens.

Volto então a Piaget e dele deixo os pequenos excertos que se seguem, extraídos de um texto especialmente dirigido aos educadores, como acima referi.

Sobre os métodos:
"A primeira dessas condições (o autor refere-se a condições imperativas na iniciação às ciências) é naturalmente o recurso aos métodos activos, conferindo-se especial relevo à pesquisa espontânea da criança ou do adolescente e exigindo-se que toda a verdade a ser adquirida seja reinventada pelo aluno, ou pelo menos reconstruída e não simplesmente transmitida. (...) O que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, em vez de se contentar com a transmissão de soluções já prontas. (...) Em resumo, o princípio fundamental dos métodos activos só se pode beneficiar com a História das Ciências e assim pode ser expresso: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir."

Sobre a formação dos professores:
"Restam-nos dois problemas de ordem geral a mencionar. O primeiro relaciona-se com a preparação dos professores, o que constitui realmente a questão primordial de todas as reformas pedagógicas em perspectiva, pois, enquanto a mesma não for resolvida de forma satisfatória, será totalmente inútil organizar belos programas ou construir bela teorias a respeito do que deveria ser realizado. (...)
É preciso ainda insistir num ponto central mas que restringe essencialmente aos níveis secundários e universitários: o aspecto cada vez mais interdisciplinar que assume necessariamente a pesquisa em todos os domínios. Ora, mesmo actualmente os futuros pesquisadores continuam sendo muito mal preparados nesse particular, devido a ensinamentos que visam à especialização e resultam, com efeito, na fragmentação, por não se compreender que todo o aprofundamento especializado leva, pelo contrário, ao encontro de múltiplas interconexões. (...) Do ponto de vista pedagógico estamos pois diante de uma situação muito complexa que comporta um belo programa para o futuro mas actualmente ainda deixa muito a desejar. Com efeito, se toda a gente se põe a falar das exigências interdisciplinares, a inércia das situações adquiridas - isto é, passadas mas ainda não ultrapassadas - tende à realização de uma simples multidisciplinaridade; trata-se, pelo contrário, de multiplicar os ensinamentos, de tal forma que cada especialidade venha a ser, ela própria, abordada dentro de um espírito permanentemente interdisciplinar, ou seja, sabendo cada qual generalizar as estruturas que emprega e redistribuí-las nos sistemas de conjunto que englobam as outras disciplinas. Trata-se, por outras palavras, de os próprios mestres estarem imbuídos de um espírito epistemológico bastante amplo a fim de que, sem para tanto negligenciarem o campo da sua especialidade, o estudante possa perceber, de forma continuada, as conexões com o conjunto do sistema das ciências. Ora, tais homens são actualmente raros. "

Em suma, 'métodos de ensino-aprendizagem' e 'formação de professores' são dois tópicos que sempre me ocorrem quando reparo no título deste meu blogue e me pergunto por que o trago tão abandonado (ao título). Confesso que estou cansada de uma blogosfera docente onde quase todos vêm batendo nas mesmas teclas, raramente tocando nas que escrevem sobre a sala de aula. E como era sobre a sala de aula que eu mais pensava vir a escrever quando iniciei este blogue e lhe dei o título, mas a atenção foi tão desviada que, ao aposentar-me, me restou abandonar as memórias dessa sala, agora dá-me de vez em quando para (re)aflorar umas questões, desistindo, logo a seguir, de continuar. Há demasiado ruído para que se consiga ouvir o âmago das escolas? Há demasiada poeira a ser deitada aos olhos de todos para que se consiga ver onde estão certas questões essenciais?
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Fonte das citações: Jean Piaget (1990). Para Onde Vai a Educação? Livros Horizonte: 2ª ed., pp 28-29, 31, 35, 37, 41 (original em fr.: 1972).

2 comentários:

Maria disse...

"compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção,..."
Assim tenho procurado fazer, ao longo de trinta anos de docência. Algumas vezes inconscientemente. No fundo, a ideia resume-se à necessidade de os alunos aplicarem, de forma criativa, os conteúdos apreendidos.
Mas cada vez é mais difícil, cada vez precisamos de mais força anímica para que alguma coisa se mova nas cabecitas cada vez mais preguiçosas. É uma constatação generalizada. Até professores de áreas que, à partida, são aliciantes, como Educação Visual e Tecnológica, manifestam a sua preocupação face a este fenómeno crescente.
Os anos de trabalho pesam, a desmotivação também nos afecta.
Para onde caminhamos?

Abraço
13A

Teresa Martinho Marques disse...

Venho respirar... inspiro e aprendo tanto. E como faz falta distribuir a nossa atenção não esquecendo o lugar especial onde o mais importante acontece...
Obrigada por esta importante partilha. Ajudou-me...
Muitos beijinhos