terça-feira, janeiro 06, 2009

Os ciscos na minha vista dos três últimos anos na Educação

a) No que respeita à Ministra da Educação

b) No que respeita à reacção de boa parte dos professores


a)

- Petulância

MLR considerou que a sua pessoa conseguiria fazer as reformas que todos os anteriores ministros da educação juntos não conseguiram fazer. Pior ainda, prescindindo de aconselhamento de personalidades prestigiadas do nosso país, de estudiosos da investigação em educação e dos sucessos e insucessos de experiências noutros países, e prescindindo também de qualquer estudo avaliador das nossas experiências.

- Precipitação

Foi uma correria de medidas legislativas de fundo, na pressa de cumprir os seus desígnios no tempo de um mandato eleitoral. Num governo embriagado pelo poder de maioria absoluta, não se viu qualquer preocupação em obter primeiro um consenso mínimo nacional - preocupação que houve quando tivemos a nossa Lei de Bases do Sistema Educativo. Pior ainda, desconsiderou e desprezou aqueles que aplicariam as reformas - os próprios professores.
Cito Reijo Laukkannen (perito e conselheiro do Ministério da Educação da Finlândia), embora não devesse ser preciso citar ninguém para ver o que se mete pelos olhos dentro: "É crucial compreender que em educação não é possível reformar de um momento para o outro. Leva tempo, muita paciência e coerência. (...) Temos vindo a trabalhar nisto desde finais dos anos 60 e desde o início tomamos a direcção que hoje seguimos. Um rumo que mantivemos apesar da mudança de sucessivos governos".

- Ignorância

MLR mostrou grande desconhecimento das realidades das escolas e dos principais problemas que estas enfrentam. Nomeadamente, ignorou um dos maiores problemas desde a década de 90 do anterior século - o problema da indisciplina -, agravando-o até pelo desrespeito pelos professores que instilou e permitiu que outros instilassem no público em geral.

- Mentira

Em nome da defesa da Escola Pública e da qualidade da Educação para todos, não só tomou medidas cujos reais objectivos eram meramente economicistas, como quis a todo o custo apresentar resultados estatísticos de progressos de duvidosa credibilidade, escamoteando a qualidade sob a demagogia de números que muito ocultam. Também nas simplificações do seu teimoso e prepotente modelo da ADD, continua a mentir ao país sobre o que chama uma verdadeira e feita pela primeira vez avaliação dos professores, apesar de a ter tornado afinal mera avaliação administrativa que poderá atribuir um Bom a todos os que prescindam de concorrer a mais elevada classificação, sem que o principal, que é a actividade docente com as suas componentes científica e pedagógica, seja avaliado.

- Falta de sentido do interesse nacional

Perante o caos em que lançou as escolas e a profunda desmotivação que causou nos professores, MLR não teve a humildade e o sentido de necessidade de pedir a sua demissão quando esta se impunha a tempo de não deixar o governo de Sócrates entalado.

b) (Saliento que me refiro a boa parte dos professores, não a todos de modo nenhum)

- Falta de hábito e de diligência de/na análise e estudo da legislação que lhes diz respeito

Boa parte dos professores mantém um conhecimento muito superficial, por vezes vago mesmo, sobre a legislação que lhes diz respeito directa ou indirectamente, desde as fases de ante-projectos até ao momento que lhes caia mesmo sobre a cabeça.

- Conformismo (até a ADD lhes ter caído sobre a cabeça)

Desde o início da acção de MLR até ao momento em que o seu modelo de ADD claramente se revelou inexequível e injusto, tudo foi cumprido zelosamente (por vezes com excesso de zelo, numa atitude 'mais papista que o Papa'), apesar de muitas lamentações pelos cantos das salas de professores - lamentações que, na altura, não significaram disposição para a luta nem consciência de que muito poder estava (poderia estar) nas mãos dos docentes.

- Criticismo

Culpabilização dos sindicatos, como se estes fossem apenas as suas direcções e não o conjunto de todos os associados - como se não fossem necessárias a participação nas decisões e a iniciativa das escolas e dos seus conselhos pedagógicos nas questões directamente ligadas à Educação.

- Acordar tardio

Foi preciso o caos da ADD para que boa parte dos professores se desse conta da gravidade de disposições do ECD.

- Outras desatenções

Relevo a desatenção à gravidade do novo Modelo de Gestão e do Novo Modelo de Formação para a Docência (a este último talvez por não tocar directamente os que já estão na docência, apesar de todos proclamarem que se preocupam com o futuro da Educação)
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P.S.:
Não sei para que interrompi a minha pausa. Não foi para fazer um balanço, pois num balanço não entram só as coisas negativas, por muito negativo que seja o saldo. Acho que foi só mesmo para fazer uma síntese dos principais "ciscos" que andaram nos meus olhos nestes três anos. Não deixei de os ir referindo, mas precisei de os juntar assim num só post, a ver se os tiro da vista todos de uma vez para a aclarar com umas centelhas de esperança.

5 comentários:

henrique santos disse...

Gostei muito desta tua análise. Acho que foi bem a aspectos essenciais em relação a quem te referias. Se continuares a análise não te esqueças de apontar o outro lado - o do desejável, o do possível, e do que, afinal, ainda se vai construindo, em ilhas, por aí fora no nosso sistema educativo. Gostava de ver uma sistematização dessas feita por ti.

IC disse...

Henrique
Sobre o que ainda se vai construindo por aí fora, actualmente não posso falar pois perdi os meios/fontes de conhecimento que tinha (e na blogosfera pouco se fala das práticas e dos alunos - mas ressalta o exemplo da 3za, e outras '3zas' há pelo país). Mas talvez qualquer dia fale do que sei que se fazia, pelo país fora, anonimamente, sem que nenhum ME tenha tido o interesse de recolher, divulgar ou apoiar e incentivar.
Para o caso de voltares a esta caixa de comentários, procurei, sobre o que se fazia, dois testemunhos de Álvaro Gomes que tenho num post de há uns tempos: um, citei de um livro dele; o outro, ele mesmo me deixou em comentário ao dar-me a honra de visitar o meu cantinho. Aqui ficam:

«No terreno, ao percorrermos, durante décadas, centenas de escolas de Portugal, encontrámos incógnitos heróis, espalhados por essas salas de aula; falámos com educadores que nada pedem e tudo dão. E, a par de alguma (inevitável) poluição (Onde está a "Etar"?), encontrámos oceanos povoados de humanismo e de fascínio.»

"(..)Vi! Vi educadores esforçados, que tudo davam, sem nada pedir. Sem o menor cálculo! Vi crianças inebriadas acolhidas no seio do conhecimento e da felicidade. Vi milhares de jovens que, umas décadas atrás, não teriam (como os meus amigos de infância não tiveram) a menor possibilidade de acesso à (e sucesso na) palavra.(...)"

MLR não só ignorou completamente tudo isto, como desmoralizou e desincentivou. Mas eu acredito que esses professores (os que não debandaram), passada esta desestabilização da vida das escolas, não desistirão de muito e muito fazer pela formação das nossas crianças e jovens.

Pedro disse...

Um bom artigo digno de aparecer nas páginas do Público. Gostei de ler, pois corresponde à verdade do que temos vindo a assistir. Um conselho: envie o artigo para a coluna do leitor no Público. Eles certamente que o irão publicar...
Abraço

IC disse...

Obrigada, Pedro.
Quanto a enviar para qualquer jornal, isso não. Não só porque não está no meu feitio, mas sobretudo porque não seria nada justo, já que também fiz alguma crítica a boa parte dos professores, contribuir, minimamente que fosse, para alimentar o que já vai na cabeça da opinião pública devido ao veneno instilado por certos comentadores, com iognorância e até mentiras, sobretudo na 1ª parte do mandato de MLR (todos nos lembramos de MST e outros). Este meu post foi só sobre os meus "ciscos", falta-lhe a outra face da moeda, falta-lhe por exemplo o que seria bem justo para muitos e muitos professores divulgar e que referi no comentário acima usando os testemunhos de Álvaro Gomes - pessoa bem conhecedora disso.
Aliás, eu mesma critico este meu post por focar só aspectos negativos, foi um desabafo, não estou é com cabeça para balanços exaustvos ou, ao menos, equilibrados.
Um abraço, Pedro.

henrique santos disse...

É verdade Isabel. Alguns como o Álvaro Gomes que conheci primeiramente de uma obra e que depois tive a curiosidade e o gosto de ler toda a obra publicada que apanhei, tiveram uma visão panorâmica dessas ilhotas que por aí existem disseminadas de dedicaçãe e de excelência pedagógica e humana. Não penso ter sido coincidência ele também ter andado por aqui. Aqui na blogosfera temos a oportunidade de observar indirectamente mas com segurança, o universo de alguns professores: o caso da 3za,o teu e o de muitos outros, por exemplo, quando vos leio sobre temáticas pedagógicas e não só, logo me tornaram evidências dessa excelência.
E também sei que quem provou o travo da importância do ser professor não desistirá por causa de períodos negros, embora tão dilatados como este consulado de MLR.