O Governo e o ME declararam o seu empenho em melhorar o ensino-aprendizagem da Matemática e esse empenho foi bem vindo dada a preocupação, desde há tantos anos, com as elevadas taxas de insucesso nessa disciplina. A implementação do Plano de Acção para a Matemática (PAM), por si só, teria trazido legítimas e correctas expectativas de melhoria das aprendizagens dos alunos em matemática, não fossem as pressas e as pressões para se apresentarem rapidamente estatísticas para inglês ver - melhor dizendo, para UE ver. As várias pressões da parte da Tutela foram criando dúvidas quanto a uma verdadeira melhoria na Educação Matemática das nossas crianças e jovens.
Uma das pressões, através da responsabilização dos professores (e só dos professores) pelos insucessos dos alunos, a ponto de aqueles serem penalizados na sua avaliação, não terá deixado de se reflectir numa inflação de notas por muitos deles.
Mas, a inflação indevida das notas na avaliação interna seria denunciada pelos resultados das provas nacionais, pelo que muitos professores não terão resistido a outra pressão: a de trabalharem com os alunos no treino em perguntas e problemas "do tipo que sai em exames", para o que não terá deixado de contribuir a insistência no banco de uma imensidade de itens do dito tipo, disponibilizado pelo GAVE. Ora, a Educação Matemática que se deseja para os nossos alunos não se faz por treinamento para exames.
Ainda uma terceira pressão se verificou através de uma sugestão da ministra (li-a, na altura, com os meus próprios olhos) de passarem a ser as aulas de Estudo Acompanhado e da Área de Projecto convertidas em aulas de Matemática, pelo que, em muitas escolas, essas áreas foram atribuídas tanto quanto possível a professores de Matemática a fim de passarem a ser mesmo aulas dessa disciplina. Não se tratando de reforços apenas para os alunos que de facto precisam de apoio suplementar (e muitos tiveram também aulas de apoio apesar de apenas precisarem de estar mais atentos e de se esforçarem), mas para a turma inteira, tivemos muitos alunos queixando-se de saturação com tanta matemática, o que tem efeito contrário ao desejável aumento do gosto pela mesma.
Assim, perante, por um lado, expectativas positivas quanto ao PAM, e, por outro, também interrogações sobre aspectos perniciosos, todos tínhamos direito a ter algum elemento de avaliação das medidas tomadas para essa disciplina, o país tinha direito a isso. Mas tal direito foi-nos sonegado pela significativa maior facilidade das provas, desde as de aferição dos 4º e 6º anos, ao exame do 9º. (Deixo de lado a prova do 12º porque, além de não poderem ser atribuídas melhorias nos resultados ao PAM, nunca leccionei nesse nível de ensino, há muito que estou pouco a par dos programas, pelo que só tenho visto por alto essas provas. Mas conheço os programas de Matemática do 2º e 3º ciclos como os dedos da mão e tenho analisado detalhadamente todas as provas do 9º ano desde que começaram a realizar-se, aliás cheguei a ser correctora na 1ª, de 2005)
Por muitas reservas que tenhamos quanto à leitura que se pode fazer dos resultados de uma só prova, para mais em alunos destas idades, um exame feito com critérios credíveis e fiáveis seria o elemento que teríamos para, de algum modo, avaliar efeitos das medidas tomadas quanto à Matemática. E esse elemento foi-nos recusado pela impossibilidade de comparações, pela indiscutível maior facilidade das provas em relação às dos anos anteriores.
Seria um elemento insuficiente, um exame não avalia tudo, um exame pode não avaliar verdadeiramente o essencial do que chamo Educação Matemática, mas seria o elemento possível a curto prazo, e já seria um indicador.
A Educação Matemática é muito mais do que aquisição de conhecimentos e domínio de procedimentos elaborados de que a maioria dos jovens nem irão precisar na vida adulta. Quaisquer que sejam os conteúdos dos programas (o que não quer dizer que estes sejam sempre os adequados), eles proporcionam uma coisa fundamental no ensino básico: oportunidades aos professores de fomentarem e desenvolverem cedo nos alunos gosto e hábitos de raciocinar, de iniciação no pensamento rigoroso (e na auto-exigência deste), de iniciação também na elaboração de conceitos - que se irão construindo melhor pela sua retomada cíclica -, e até de contribuição dessa educação para o próprio domínio da língua, pois rigor de pensamento e precisão de linguagem são capacidades em interacção.
Por tudo isto, são de recear efeitos perniciosos de pressões (directas e indirectas) sobre os professores, inclusive para trabalharem treinando para exames; por tudo isto, ficam receios ou dúvidas sobre a relação entre benefícios e prejuízos decorrentes das medidas e do clima criado; por tudo isto, todos os que se preocupam com educação-ensino tinham direito a começarem a ter indicadores credíveis que permitissem algum balanço. Mas o ME não teve a honestidade de se submeter a esse balanço, usou ou consentiu a facilitação das provas, o que é um insulto à nossa inteligência e lança sérias preocupações sobre o futuro quanto a uma formação de qualidade para os nossos jovens.
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Adenda (após os noticiários das 13h)
Senhora Ministra:
Ouvi-a recusar as acusações de facilidade do exame de Matemática do 9º ano com o argumento (o critério foi seu) de que um exame só seria demasiado fácil se as notas de excelente ultrapassassem os 5%. Perante 8,3% (contra 1,4% no ano passado), a senhora vai agora fazer esquecer essa sua afirmação?
Se a prova tivesse sido equilibrada e credível, ficaria muito bem à senhora e aos seus coadjuvantes vir dizer que os resultados continuam maus, pois é verdade. Mas já não lhes fica bem quando o dizem para salvar a face e iludir os pais e restante população quanto ao que seriam sem o facilitismo.
Prefere não se lembrar dessa afirmação que fez? Nunca pensa que, como Ministra da Educação, deveria dar o exemplo de honestidade intelectual?
Senhora Ministra, vá-se embora!