A liberdade é isto?
Carlos, um rapaz das Honduras, é uma das cerca de quarenta milhões de crianças que, por não terem lar, vivem abandonadas à sua sorte nas ruas das cidades latino--americanas. Muitas delas ainda têm pais, mas estes são tão pobres que não podem tomar conta dos filhos. Há cinco anos que Carlos ganha o sustento como engraxador de sapatos. Não é nada fácil sobreviver.
O meu maior problema é dormir. Não é nada fácil encontrar um lugar seguro onde não seja incomodado. Eu não quero juntar-me a nenhum bando e começar a roubar. Isso não é futuro. Mas como não estou em nenhum bando, também não tenho ninguém que me proteja. Às vezes é horrível não ter ninguém no mundo que goste de mim. É preciso ser-se muito forte para aguentar.
Há dias em que tenho a impressão de que toda a gente me detesta. Alguns olham-me, furiosos, quando pergunto: “Quer engraxar os sapatos?” Outros insultam-me porque estou sujo. Mas já me habituei a ser insultado só por ser pobre. A vida na rua é difícil. Quando comecei a trabalhar, havia rapazes mais velhos e mais fortes que me tiravam o dinheiro todo e até me batiam. Os polícias também me bateram várias vezes. Uma vez, meteram-me num lar, mas era como estar numa prisão. Ao fim de algumas semanas, fugi. A maioria das pessoas não fala comigo quando me manda engraxar os sapatos. Lê o jornal ou olha em frente. Mas também há quem me diga: “Dá-te por feliz por poderes viver em liberdade, por ninguém te dar ordens”, ou coisas parecidas. Isto põe-me furioso.
É liberdade ter fome?
É liberdade não poder ir à escola por ter de trabalhar?
É liberdade não poder aprender uma profissão e ser talvez condenado a passar a vida inteira na rua?
Hannelore Bürstmayr
Grün wie die Regenzeit
Mödling, Verlag St. Gabriel, 1986
(Tradução e adaptação)
Via Clube das Histórias
Sem comentários:
Enviar um comentário