Um exercício metacognitivo sobre a atenção
Tem-se estudado muito mais a psicologia da atenção do que a sua pedagogia. Há que procurar os caminhos para ajudar os alunos a gerirem mentalmente esse acto primordial na aprendizagem - o acto de atenção.
Embora o interesse seja uma condição necessária para a atenção, há, no entanto, alunos em que aquele é manifesto sem que esta seja bem conseguida. Muitos alunos têm formas inadequadas de atenção, tais como atenção impulsiva (só parte da informação é focada, e a outra ignorada) e atenção superficial ("passar" pela informação sem verdadeiramente a processar e compreender).
O primeiro passo para que o aluno possa corrigir esses hábitos deficientes é a tomada de consciência deles mediante uma auto-observação. Esta poderá ser conduzida pelo professor dando oportunidades aos alunos de aprenderem a interrogar-se sobre a existência ou não de dificuldades pessoais de atenção e sobre a necessidade de utilizarem estratégias de concentração.
O exercício que se segue pretende conduzir os alunos a auto-observarem a sua capacidade de persistência na atenção, a detectarem dificuldades pessoais de concentração, a identificarem formas deficientes de estar atento, a reconhecerem a necessidade de utilizarem estratégias de concentração e a enumerarem algumas estratégias que influenciem positivamente o processo de atenção.
Na primeira parte do exercício utiliza-se o método de auto-observação [segundo proposta de Hallahan, D. et al ( 1979), self-monitoring of attention: a play with one actor]; na segunda parte segue-se o método de discussão.
Começa-se por distribuir aos alunos um texto de estudo pedindo-se que o leiam atentamente durante alguns minutos. Com pequenos intervalos de tempo o professor faz soar uma campaínha e os alunos interrompem a leitura, interrogam-se sobre se estavam verdadeiramente atentos e assinalam num pequeno conjunto de itens o que corresponde à atenção com que estavam no momento do toque da campaínha. No final, cada aluno conta as falhas de atenção detectadas.
Passa-se então a uma discussão subordinada ao tema "às vezes parece que estou atento, mas não estou". Os alunos comentam os resultados que obtiveram e dão testemunhos espontâneos que revelam uma atenção deficiente. Discutida a situação aplicada, o debate generariza-se a outras. Finalmente, surgem - espontaneamente ou por solicitação do professor - testemunhos de estratégias de concentração (por exemplo, relativas ao ambiente de estudo - há alunos que precisam de silêncio, outros precisam de música de fundo, outros de certas características do local de estudo, etc.).
Um dos testemunhos de que me lembro quando da realização deste exercício (ainda hoje o recordo) foi: "pois... eu acho que às vezes estou tão preocupada em estar atenta que acabo por estar a pensar mais que tenho que estar atenta do que estar a ouvir mesmo a professora". Também me lembro que vários alunos contaram as suas estratégias de concentração, sobretudo no ambiente de estudo em casa, mas a memória já não me permite relatá-las.
Em suma: A questão da atenção e das dificuldades com ela é primordial, sendo muito importante que o professor observe e compreenda essas dificuldades dos alunos (mesmo que calados e parecendo atentos) e procure ajudá-los a superá-las levando-os, antes de mais, a tomarem consciência delas, bem como fazendo-os constantemente participar e mantendo-se ele próprio atento a todos. Lembro-me de um texto de La Garanderie em que este colocava na boca dos alunos: "Professor, em vez de nos dizer para estarmos atentos, diga-nos como devemos fazer para conseguirmos estar atentos".
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Adenda
Eu sei que actualmente há turmas muito indisciplinadas em que é verdadeiramente difícil gerir a atenção dos alunos. Mas as turmas não deixam de ser receptivas a um debate sobre questões da aprendizagem - neste caso, sobre a atenção. Nem em todas o professor conseguirá ser bem sucedido, mas... há que não desistir, não é?
6 comentários:
Com a minha direcção de turma deste ano que têm "problemas" de atenção, acho que este trabalho metacognitivo faz todo o sentido.
Desistir nunca, jamáis.
No dia que voçes, docentes desistirem, então nosso mundo fica sem rumo.
Nunca apague o seu blog, o seu trabalho, a sua confiança, pois isso seria apagar tudo que ensinou aos seus alunos.
Seria desistir deles, e mesmo que eles não saibam, eles vão um dia dizer; valeu a pena aprender.
Admirável IC:
Vale a pena nunca desistir da "coisa" começada, sobretudo porque a alma não é pequena.
Agora tenho de fazer umas compritas, visitas, mas logo volto.
Beijocas.
Gostei da adenda, IC, essencialmente da parte final.
O texto é bastante didáctico, muito actualizado,caracteriza bem os alunos com défice de atenção e apresenta estratégias.
Vale a pena não desistir e retomar textos desta natureza ou de outra.
Bem, isto é o que eu penso.
E mais - se não há leitores um dia, certamente que existirão no dia seguinte.
Uma boa-noite e sempre em frente, caríssima IC, continuar é próprio dos vivos.
E viva a Vida...
Obrigada pelas vossas visitas e comentários.
Sim, Rabina, continuar é próprio dos vivos, a questão está em quê continuar. Há coisas de que temos que desistir, e a porta da escola já se me fechou - faz-me muita falta para poder falar de ensino... aulas.... Continuar a vida, sim, mas "blogar"... não sei, não...
E voltar à Escola para fazer umas visitinhas, fazer voluntariado para apoiar alunos com dificuldades a Matemática, formar um grupo com as colegas mais amigas, pertencer a um clube, dar uns passeios, viajar?
Estamos sempre a inventar coisas novas.
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