sábado, dezembro 13, 2008

A estrada morta (Momentos com os 'meus' escritores)

Assim começa um dos livros de Mia Couto...

A estrada morta
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.
A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir.
Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. (...)
(*)

(Talvez tenha sido só o título que se cruzou com a minha memória de uma estrada que já não percorro mas que olho afigurando-se-me a soterrar. Oxalá seja perturbação da minha visão. Meus pensamentos andam a fugir-me para o lado triste da(s) realidade(s), o melhor é libertá-los para dar espaço ao optimismo, que anda um tanto apertadinho, e a uma visão para além do 'hoje')
________
(*) Mia Couto (1992). Terra Sonâmbula. Editorial Caminho

3 comentários:

Existente Instante disse...

Ai é Isabel, ai é?

Então de castigo deixo-lhe isto e não digo de quem é ( gostava de o ter escrito, lá isso gostava)e os últimos versos são "Isabelinos Campeoníssimos", aposto!

Alegria

De passadas tristezas, desenganos
amarguras colhidas em trinta anos,
de velhas ilusões,
de pequenas traições
que achei no meu caminho...,
de cada injusto mal, de cada espinho
que me deixou no peito a nódoa escura

duma nova amargura...
De cada crueldade
que pôs de luto a minha mocidade...
De cada injusta pena
que um dia envenenou e ainda envenena
a minha alma que foi tranquila e forte...
De cada morte
que anda a viver comigo, a minha vida,
de cada cicatriz,
eu fiz
nem tristeza, nem dor, nem nostalgia
mas heróica alegria.

Alegria sem causa, alegria animal
que nenhum mal
pode vencer.
Doido prazer
de respirar!
Volúpia de encontrar
a terra honesta sob os pés descalços.

Prazer de abandonar os gestos falsos,
prazer de regressar,
de respirar
honestamente e sem caprichos,
como as ervas e os bichos.
Alegria voluptuosa de trincar
frutos e de cheirar rosas.

Alegria brutal e primitiva
de estar viva,
feliz ou infeliz
mas bem presa à raíz.

Volúpia de sentir na minha mão,
a côdea do meu pão.
Volúpia de sentir-me ágil e forte
e de saber enfim que só a morte
é triste e sem remédio.
Prazer de renegar e de destruir
o tédio,

Esse estranho cilício,
e de entregar-me à vida como a
um vício.

Alegria!
Alegria!
Volúpia de sentir-me em cada dia
mais cansada, mais triste, mais dorida
mas cada vez mais agarrada à Vida!

IC disse...

Caro Existente Instante
Obrigada pelo castigo, estou de facto a precisar de alimentar a Alegria.
Mas os últimos versos da poetisa (pronto, também não digo quem é ;) ), melhor dizendo, o último verso... ná... "isabelino" não me parece. No entanto, se o último verso, em vez de dizer "mas cada vez mais agarrada à Vida!", dissesse 'mas cada vez mais agarrada à teimosa esperança', isso sim. Porque eu vejo a vida para além da minha vida, sou mãe e sou avó, as esperanças que já tive foram esperanças e lutas, e não desisto delas, a esperança e a luta nunca são em vão.

E, pensando melhor... já que aposta que os últimos versos têm a ver comigo, vou interrogar-me e pensar neles.
:))

Teresa Martinho Marques disse...

O segundo livro que li do Mia... paixão. No primeiro (contos, não me recordo o nome) havia uma Tristeresa... nunca me esqueci... e sacudo-a de mim o mais que posso nestes tempos estranhos...
Muitos beijinhos