terça-feira, janeiro 15, 2008

Só o tempo dirá...

O ar que se respira no interior das escolas públicas já não é o que respiro no meu quotidiano, mas parece que ele me entra pela casa dentro quando leio mais e mais legislação que vai surgindo, projectos desta e regulamentações. E o que pressinto é uma atmosfera que gera desgastes, que empurra para inversões das prioridades que seriam desejáveis, que sufoca o gosto por educar e ensinar e que até torna impossíveis objectivos necessários (basta pensar no decreto da avaliação do desempenho dos professores e nos prazos absurdos determinados no respectivo decreto regulamentar).

Se outros vêem no que está a acontecer uma "reforma", eu talvez esteja com perda de visão, pois só consigo ver uma correria de decretos, lançados com a precipitação que decorre sempre das pressas, alguns cerceando objectivos expressos noutros (veja-se a questão da autonomia), mais uns tornando a sua operacionalização e a sua prática séria num quebra-cabeças (veja-se a já referida avaliação de desempenho), e mais uns ainda requerendo debate para que não há tempo (veja-se a mudança de modelo de gestão, e até o novo programa de Matemática do Ensino Básico homologado sem que quase ninguém se tenha dado conta). E uma imensa papelada a ter que se elaborar para que a inspecção veja, mesmo que só dê para ler e arquivar.

Porque tempo é preciso, e tempo é o que cada vez menos anda a restar nas escolas para ponderar, discutir, pensar nos que deveriam ser os destinatários de tantas medidas cujas justificações nem sequer começam por ser claras - não é preciso dizer que nada fará sentido se os destinatários não forem os alunos, a bem de um sistema de educação-ensino de efectiva qualidade para todas as crianças e todos os adolescentes do nosso país.

E só o tempo dirá qual o saldo de tudo isto que está a acontecer em nome da, e na, nossa escola pública.


Entretanto, qualquer gosto meu por este cantinho tem vindo a eclipsar-se. Porque o que eu gostaria de falar (ou recordar) nele seria principalmente e directamente sobre ensinar, educar, formar crianças e adolescentes, discutir sobre como encorajar, motivar, envolver, disciplinar e incutir hábitos de trabalho e esforço, enfim, sobre coisas destas que a sociedade tem parecido andar a assumir tão pouco. Mas agora instila-se nessa mesma sociedade pouco respeito pelos professores ao mesmo tempo que se desmoralizam os melhores deles e se tomam medidas que, ao invés de estimularem o trabalho colaborativo e formativo, ameaçam punições esvaziadas de conteúdo formativo ou de condições para a vertente formativa sem a qual nenhuma avaliação de professores, por si, melhorará o trabalho de ninguém.


Termino repetindo o que já disse acima: Só o tempo dirá qual o saldo de tudo isto que está a acontecer em nome da, e na, nossa escola pública.


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W.G.Barry (1864-1941). Time Flies


8 comentários:

Anónimo disse...

IC, são as loucuras dum sistema que quer mostrar reformas mas que não sei para onde vai.Se a papelada que divulgam é reveladora de trabalho, então não haja dúvidas que são muito trabalhadores. O que se questiona é se existe fundamento nesta pilha de papeis. Para eles sim..para quem apanha com eles não. Passei por aqui e concordo totalmente com o que dizes, porque também fiz o mesmo no meu.Quantas mais vozes se levantarem contra esta paspalhice mais eles recearão a voz dos que discordam.
Força.Bjs

Teresa Martinho Marques disse...

Como entendo, como entendo... vamos erguendo a voz, vamos, não baixando os braços, mas confesso eu própria começar a sentir um desgaste e desencanto que não queria sentir... (a ponto de ponderar abandono... escolar... um dia... quanto mais breve melhor... não sei trabalhar com esta falta de seriedade e dignidade e começa a ser difícil - agora com esta coisa ignóbil da avaliação, não dá como recusar escrever umas parvoíces em papéis com nome de objectivos individuais, não dá como não reunir com coordenador, CE e etc... e isso é um tempo gasto criminosamente, porque se acrescenta aos outros absurdos e nos tira tempo para o essencial... como dar a volta? Recusar? Ser suspenso? Ter um processo disciplinar? É que recusar ser titular foi simples... mas isto... isto vai consumir tempo inglório e estúpido - desculpa o linguajar). Beijinhos

matilde disse...

[Parabéns... =D

e muitos Bjinhos]

Luís Maia disse...

Interessante ponto de vista de quem está por dentro

Luís Maia

Pedro disse...

O actual Ministério da Educação mais parece uma versão do Ministério das Finanças dirigido aos professores que apenas se preocupa em legislar, no sentido de fazer com que o peso dos vencimentos dos professores e dos gastos com os alunos diminuam. Ao mesmo tempo, especializou-se na área da estatística e tudo faz para que os números do sucesso escolar melhorem.
Quanto a questões como ensinar, instruir ou educar, parecem estar a milhas de distância dos gabientes da 5 de Outubro.
O atentado legislativo com que nos deparamos todos os dias vindo do ME é absurdo e apenas fará com que os professores passem a ser gente preocupada com a forma de ficar bem vista aos olhos do futuro Director da escola. Ensinar? Quem quer saber disso???

IC disse...

Obrigada a todos pelas vossas visitas.
Penso no Agostinho - =arte por um canudo - em cujo blog sempre vi o trabalho com os alunos e o trabalho que tem a expor os trabalhos deles, o que é sempre um estímulo para os miúdos; penso na
3za, no seu entusiasmo, dedicação e amor pelos alunos e nas suas inúmeras iniciativas para estes e com estes, verdadeiramente formativas e fazendo-os crescer, e penso no efeito desmoralizador que nela tem tido a actual política educativa, apesar da sua determinação, persistência e coragem - tudo isto bem visível no seu blog; penso no Pedro e detenho-me num exemplo de uma sua iniciativa, de que me lembro bem quando criou um blog com uma sua turma de Geografia, cujos objectivos eram um bom exemplo de objectivos verdadeiramente formativos, além de ser motivador para os alunos. Será um pequeno exemplo entre muitos, mas tomo-o para dizer que essas iniciativas requerem trabalho e tempo e o que inevitavelmente acontece na situação actual é que, ao invés de motivarem outros para também irem além do trabalho de rotina na sala de aula, a actual situação desmoraliza os próprios que as tinham e a todos é quase impossível disponibilidade de tempo e disponibilidade mental ou psicológica para manterem iniciativas tão importantes para os alunos.
Talvez algumas das medidas deste ME pudessem ter sido correctas, mas só a forma como foram impostas já foi agressiva para com os professores, e esse foi um enormíssimo erro (Considero que várias medidas foram também, em si, graves erros, mas disso muita gente tem outra opinião; mas pelo menos extenuar e desmotivar os professores, isso não acredito que não se meta pelos olhos dentro de todos, mais cedo ou mais tarde, a grave... insensatez (para não chamar outra coisa)

Anónimo disse...

E cada vez está pior IC.Agora com estas fichas quase nem se respira..Boa semana.

Anónimo disse...

Corrijo o endereço. Desculpa