Até há pouco tempo, não me imaginaria a escrever o que vou mesmo escrever. Mas começo por esclarecer duas coisas:
1. Tenho o mesmo direito de expressar o que ando pensando que têm todos os que pensem o contrário - direito que respeito e defendo para todos.
2. Nunca gostei, nem gosto de José Sócrates (como político/governante), nem nunca votei no Partido Socialista - nem penso votar, pois mesmo 'voto útil' para mim não é esse - porque meteu na gaveta bastantes dos princípios (ou ideais, ou utopias, se assim lhes quiserem chamar) que tenciono manter até morrer, dado que o mundo continuará, mesmo que a mudança para a justiça e o humanismo seja longínqua - ficarão cá por mim os netos, depois os bisnetos, e os bisnetos dos bisnetos...
O ódio cega. E a comunicação social nada nos diz de verdades (seleciona meias verdades, omite verdades que no momento não são (ou já não são) convenientes, ajusta-se às suas conveniências futuras mais previsíveis; comentadores e mais comentadores... são ardilosos; e, pior que tudo, nunca como agora o poder político foi tão inexistente, não só cá mas por toda a União Europeia (para falar só desta), nunca como agora foi tão impotente perante o verdadeiro poder que está governando o mundo (sempre esteve, mas hoje muito mais ainda) nos meandros subterrâneos e tentaculares dos interesses económicos gananciosos e indiferentes ao mundo do futuro dos próprios netos ou bisnetos.
De repente, desde há não muito tempo, fiquei mais do que assustada, quase que diria aterrorizada. Não por causa da dita "crise". Porque, como já disse, o ódio cega, e são ardilosas as campanhas veladas para fomentar ódio no povo português (o povo, mesmo povo, em que não é genuino esse sentimento), bem como para manter e alimentar, alimentar, alimentar ódios individuais e ódios de corporações (sim, corporações, chamemos as coisas pelos seus nomes). E até a classe política à esquerda do PS parece ter ficado cega!!
Jamais me imaginei a escrever o que vou continuar a escrever, nem há uns tempos acreditaria que alguma vez o fizesse, pois não gosto do PS, muito menos de Sócrates. Mas, desde que o líder do único partido que, sozinho ou de braço dado com seu apêndice, realisticamente poderá ser alternativa de governo, desde que esse líder, dizia, se revela sem grande pudor ideologicamente bem enraizado no mais acérrimo neoliberalismo, as tendências do pé direito de Sócrates para escorregar para esse lado (que tanto foram salientadas criticamente nesta blogosfera, inclusive por mim própria) não têm comparação - perante um perigo que não é mortal e um perigo de morte, hoje não hesito em dizer que o ódio cegou os que não querem a morte, e pode ser inculcado (ou já está a ser) no povo português que não quer essa morte de que falo. Falo da morte do Estado Social (o possível neste momento, mas acho que ninguém vai chegar ao extremo de acusar o PS, ou mesmo Sócrates, de também o querer abater); falo da morte da Escola Pública, que, é verdade, está doente e Sócrates bem contribuiu cretinamente para a doença (pelo menos por consentimento), mas não pretendeu assassiná-la; e falo até da morte ou da profunda mutilação do bem mais precioso que temos como garante do Abril que tivemos e que é a nossa Constituição - revista, com algumas alterações provavelmente adequadas, mas sempre garantia das nossas esperanças, ainda que com alguns desrespeitos (é verdade) dos governos de Sócrates, todavia com a condescendência de quem tem o supremo dever de garantir o seu respeito.
Não, não gosto de Sócrates. Sim, considero que cometeu bastantes erros graves e que se preocupa demais com as suas propagandas e de menos com o país. Mas não vou ao ponto de cegar, e pergunto-me como é que a própria esquerda parlamentar parece ter cegado, parece não ver os perigos de morte acima dos perigos da ala direita mais a ala silenciosa do Partido Socialista, perigos que, apesar de tudo, comparativamente, se tornam perigositos.
Até porque ninguém na comunicação social lembra ao povo português que Sócrates não fez só disparates. É preciso ir fora do país para se ser lembrado de que também fez coisas bem prestigiadas no exterior e até apontadas como exemplos a seguir por entidades insuspeitas, como me dizia hoje um amigo.
Não, nunca me passara pela cabeça até há pouco tempo vir chamar a atenção, como quem defende o nosso actual Governo, para que, se entre todos os governos presentemente tão manietados como o nosso, vários não gostam do jugo, o nosso também não, apesar de tudo. Enquanto que o líder da alternativa não sentirá como jugo aquilo de que visceralmente gosta e que defenderá e praticará tanto quanto lhe dêem oportunidade para isso.
Bolas, até a classe política à esquerda do PS cegou?!
Sinto-me quase aterrorizada, e apetece-me gritar a pergunta a todos os ventos. Mas só me restam os ouvidos das paredes deste meu cantinho.
Não tenho poder para gritar um alerta. Mas sim, estou sim a escrever o que ainda há um ou dois meses não acreditaria vir a escrever. Sim, estou sim a desejar que, entre as duas alternativas realisticamente possíveis, ganhe as eleições legislativas, sejam lá quando forem, este PS que até detesto - detesto, mas não perco a lucidez. Sim, estou sim a temer que a percam, por ódios ou ressentimentos, os que, como eu, afinal também temem uma possível maioria absoluta de um acérrimo neoliberalismo à solta.
Disse.