Tem setenta anos a D. Florinda.
E num dia de cada mês há correspondência na sua caixa de correio.
— Vem na hora certa — diz a D. Florinda, sorrindo para o gato que anda sempre atrás dela.
D. Florinda veste roupa nova, penteia melhor o cabelo ralo, branco e curto. Calça os sapatos de pano e borracha, fecha a porta com muito cuidado, e mete a chave num saco bastante coçado.
Truc, truc, truc... lá vai ela muito direita. Lá vai ela a caminho do banco.
Quando entra, entrega a carta ao empregado, e diz baixinho:
— É a minha reforma!
Recebe o dinheiro e, truc, truc, truc..., lá vai ela muito direita.
Lá vai ela a caminho da livraria do Zé.
Depois de entrar percorre as estantes com o olhar.
Demora-se, indecisa na escolha.
E acaba por descobrir o livro, que paga e manda embrulhar.
Outra vez na rua, truc, truc, truc..., lá vai ela a caminho da casa onde mora o Rodrigo, o seu neto.
Toca à campainha, aparece o Rodrigo, e ela estende o embrulho e diz:
— É para ti, rapaz. Mais um livro para a tua biblioteca!
António Mota
Via Clube de contadores de histórias