No início de novo ano é costume fazerem-se balanços sobre o ano findo. Não me meto a tentar fazer um sobre a política educativa, pois seria exaustivo e repetitivo do muito que foi escrito na blogosfera "docente". Limito-me a umas considerações simples e somente sobre alguns dos aspectos dessa política.
Todos sabemos que a prioridade de Maria de Lurdes Rodrigues como ministra da Educação foi de natureza economicista, o que, por muito que se compreenda o problema do deficit, se afigurou desde logo muito pouco conciliável com uma verdadeira prioridade à Educação no sentido de uma efectiva melhoria do nosso sistema de ensino público, tão necessária ao progresso do país. Mas, até é possível que Maria de Lurdes Rodrigues também tenha tido algumas boas intenções com vista a essa melhoria. De qualquer modo, boas intenções não bastam, elas precisariam de ser baseadas quer num profundo conhecimento das questões em causa - o que não consigo vislumbrar que esta ministra tenha - e das realidades das escolas, quer numa visão de futuro a médio prazo e respectivo planeamento, em vez de uma precipitação em medidas avulsas, numa pressa de mostrar trabalho e de propagandear resultados mediante números obtidos a quase qualquer preço e de significados pouco claros.
Como diz Reijo Laukkannen (perito e conselheiro do Ministério da Educação da Finlândia, citado no artigo que podem ler aqui): "É crucial compreender que em educação não é possível reformar de um momento para o outro. Leva tempo, muita paciência e coerência. Primeiro que nada é preciso decidir aonde se quer ir". E diz também: "Temos vindo a trabalhar nisto desde finais dos anos 60 e desde o início tomamos a direcção que hoje seguimos. Um rumo que mantivemos apesar da mudança de sucessivos governos". (Destaques meus)
Do montão de decretos, despachos e ofícios emanados do nosso actual Ministério da Educação, vou referir-me apenas a duas medidas tomadas. Escolho-as porque, para elas, os professores estariam totalmente disponíveis e receptivos em princípio, não tivesse Maria de Lurdes Rodrigues uma enorme falta de noção de quanto é incompatível com um trabalho docente preparado e exercido com a competência, a iniciativa, a criatividade e a dedicação que a profissão requer para ser bem sucedida, de quanto isso é incompatível, dizia, com, por um lado, a burocracia, a papelada em resmas, por outro lado, com a falta de convicção dos professores em medidas tomadas arrogantemente no desprezo pela sua opinião fundada no conhecimento das realidades das escolas e na experiência, e, por outro lado ainda, com pressões ameaçadoras como se a baixa do insucesso e do abandono escolar apenas dependesse dos docentes e devessem estes (e só estes) ser punidos pelo não alcance dos objectivos desejados.
A primeira medida que quero referir é a da avaliação de desempenho. A generalidade dos professores já reconhecia a necessidade de implementação de uma avaliação de verdade; mas também sabia que não é fácil instituir um sistema de avaliação sério e justo, garantindo a isenção e sendo exequível nas condições de trabalho das escolas. Além de que uma avaliação que não tenha condições para ser essencialmente formativa não será, decerteza, uma avaliação útil ao próprio sistema de ensino.
Mas, Maria de Lurdes Rodrigues achou que tinha a chave na mão. E não parece ter qualquer noção lúcida do que contribui para um factor muito importante, que é o de um bom "clima" de escola, e do que, ao contrário, pode gerar "climas" insuportáveis e perniciosos.
E não vale a pena dizer mais sobre o decreto da avaliação de desempenho, pois todos conhecem e têm já descrito os erros e as dificuldades de cumprimento sério desse decreto.
A outra medida que refiro é a do plano de acção para a Matemática. Ela abrange directamente apenas os professores dessa disciplina, mas todos os outros reconhecem quer a necessidade de um reforço de investimento nela, quer o facto de o insucesso em Matemática não ter a ver apenas com essa disciplina nem ter só consequências no âmbito dos respectivos conhecimentos propriamente ditos.
Também aqui não vale a pena lembrar a questão da formação de professores - todos se recordam decerto do novo regime de formação para a docência. (Mas voltarei ao assunto noutro post). Detenho-me agora apenas no plano de cada escola para a Matemática.
Um aspecto, embora talvez menos relevante, foi o das minúcias tão ao gosto deste ME - que muito passou a falar de autonomia das escolas depois de as ter enchido de imposições e sugestões pormenorizadas. Estou a lembrar-me de um pequeno exemplo, uma sugestão que pressionou muitos professores e escolas a encherem os alunos, até à saturação, de matemática e mais matemática nas horas destinadas ao Estudo Acompanhado e à Área de Projecto, mais aulas de apoio mesmo que os alunos só precisem de se esforçar um bocadinho, mais salas de estudo de frequência obrigatória, enfim, um contributozito para aumentar a já alargada aversão àquela disciplina em vez de serem os professores estimulados a, com autonomia e condições de trabalho colaborativo, investirem em métodos e estratégias que criem nos alunos gosto pela mesma e gosto pelo 'pensar'.
Outro aspecto, que considero de efeitos muito perniciosos, foi o da pressão sempre ameaçadora àcerca dos resultados de exames e provas de aferição, como se a aquisição de competências pelos alunos fosse uma questão de treino para exames. Pressionados e muitos não conseguindo escapar ao medo dos efeitos desses resultados na sua própria avaliação e na opinião pública, dificilmente os (bons) professores mantêm com segurança e firmeza os objectivos que sabem serem primordiais no processo de ensino-aprendizagem daquela disciplina, a importância que atribuem à avaliação formativa e até os critérios de avaliação que consideram correctos. Acresce que não vi preocupação do ME ou dos seus colaboradores em que sejam estudados (porque não junto dos alunos?) o comportamento dos nossos estudantes em situação de exame, nas idades do Ensino Básico, e os múltiplos factores que possivelmente contribuem para desempenhos nessa situação inferiores aos habituais, já que tantos obtêm nas provas de exame classificações inferiores às que habitualmente obtêm na avaliação interna.
Quanto a tudo o mais nas medidas de Maria de Lurdes Rodrigues, limito-me a repetir que (na minha opinião) o mais crasso e profundo erro desta ministra foi o de ignorar arrogantemente que nenhuma reforma pode ser bem sucedida sem se ganhar uma convicção mínima nessa reforma por parte dos professores, e muito menos impondo-a contra eles. E, se é verdade que não há só professores muito bons ou bons, se é verdade que também há os assim assim e até maus mesmo, se é ainda verdade que não sabemos contabilizar isso, outra verdade se constatou já - a maioria dos melhores professores foram desmoralizados, assoberbados de acréscimos de trabalho de utilidade duvidosa, e bastantes foram injustiçados na sua carreira. O sistema educativo não se podia dar ao luxo de perder o entusiasmo e empenho de muitos dos seus melhores docentes, mas nem cuidado houve para que tal não acontecesse ou não aconteça a curto prazo.
Termino voltando ao artigo sobre a Finlândia acima indicado, não porque não saiba que a diferença abissal entre as condições desse país e as do nosso não se ultrapassam do pé para a mão nem pouco mais ou menos, mas porque as medidas viáveis a curto prazo não deveriam deixar de se inserir numa visão de futuro para a qual se procure caminhar a passo e passo (mas essa visão é ideologicamente variável, claro... - infelizmente para os que nascem em condições desfavorecidas):
"O ano de 1985 regista um importante marco na reforma da educação finlandesa. Naquele ano o Governo decidiu eliminar o sistema conhecido como 'streaming', muito expandido na Europa, segundo o qual as crianças de idade mais avançada são classificadas em diferentes níveis e tipos de educação de acordo com o seu rendimento. (...) Mas simultaneamente decidimos concentrar o grosso do nosso orçamento da educação nos primeiros anos da secundária (nos estudantes de 12 a 15 anos). Cancelar o 'streaming' sem aumentar os recursos para contar com mais professores e organizar turmas com menos alunos (...). Teríamos obtido um sistema de oportunidades iguais, mas de duvidosa qualidade." (destaque meu)
Dispenso-me de comentar - acho que não é preciso...
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Adenda
E, para (mau) começo do Novo Ano, temos o projecto de Novo Modelo de Gestão das Escolas. Por agora, remeto os meus eventuais leitores para
aqui e para
aqui, sugerindo veementemente que acompanhem os
posts do
Paulo Guinote que se seguirão a esses.
Adenda 2
Ainda sobre a Gestão das Escolas, destaco também os
posts de
JMA -
aqui - e o debate no
Aragem.