sexta-feira, agosto 26, 2011

Os livros... Outrora?

Ontem tive pinturas na minha casa. O pintor, que é meu conhecido e amigo, às tantas perguntou-me:
_ Não quer fazer mudanças? Esta estante podia sair daqui!
Isto porque tenho a estante a ocupar toda uma parede da minha sala de trabalho e estar, e o televisor que uso é o mais pequeno cá de casa, pois só cabe mesmo à medida num espaço mais alto da dita estante. Ora, estou em vias de substituir um outro pelo que era da minha mãe, bem grande e mais moderno, que poderia pôr ao pé de mim na parede, se tivesse espaço.
Respondi:
_Ah, isso nem pensar! Os livros são uma companhia, gosto muito de os ter aqui ao meu lado.
E perguntou ele:
_Leu estes livros todos?
_ Alguns são para consulta, os outros li, sim, e boa parte quando era adolescente e jovem adulta (respondi eu, que tenho os livros menos antigos e os recentes no quarto, uns arrumados, outros empilhados à espera de prateleiras).
Seria difícil explicar ao meu amigo pintor por que é que os livros da minha salinha de estar são uma companhia, como que viva, quando a minha memória de galinha não consegue descrever os seus conteúdos. Mas, aqui, posso explicar...
Não é por já não conseguir descrever os conteúdos que os livros me são menos familiares. Conheço-os todos, seja por ideias essenciais - algumas marcantes -, seja por emoções, seja pela memória de encantamentos. Todos fazem parte da minha vida, e são sobretudo os de leitura mais longínqua que são companhia mais viva. Porque eu sei que, sem os ter lido, seria uma pessoa diferente, uma pessoa mais pobre interiormente - sem dúvida.

Naquele tempo, quando casei, para mobília o dinheiro só dava para aquela estritamente indispensável, mas a estante não era dispensável e, então, era improvisada com uns cubos  abertos e sobrepostos. E o valor do recheio da casa era criado só pelos livros para os quais os salários tinham que esticar (no meu caso, também com a coleção de clássicos do meu avô paterno, que não conheci).
Hoje, os netos não lhes atribuem o valor que lhes dávamos (e que as minhas filhas ainda deram também). Não estou a pensar que os jovens de hoje vão ser interiormente mais pobres - eles têm agora outros meios de formação e comunicação. Nem penso que isso tenha a ver com serem criados com grandes estantes em casa e com estímulos à leitura, pois conheço bem um parzinho querido de irmãos - ele (17 anos) pouco mais leu que os livros obrigados pela escola, e ela (13 anos) é mais receptiva ao estímulo mas, mesmo assim, demora a ler um livro o tempo que a mãe (e a avó) levava a devorar vários.

Isto não é um escrito saudosista, é só uma constatação de tempos tão aceleradamente novos, embora sem deixar de conter um ponto de interrogação. De qualquer modo, este é um blogue de memórias...

Contraste numa casa do 'antigamente'

domingo, agosto 21, 2011

Poema...

GACELA DEL AMOR DESESPERADO

La noche no quiere venir
para que tú no vengas,
ni yo pueda ir.

Pero yo iré,
aunque un sol de alacranes me coma la sien.

Pero tú vendrás
con la lengua quemada por la lluvia de sal.

El día no quiere venir
para que tú no vengas,
ni yo pueda ir.

Pero yo iré
entregando a los sapos mi mordido clavel.

Pero tú vendrás
por las turbias cloacas de la oscuridad.

Ni la noche ni el día quieren venir
para que por ti muera
y tú mueras por mí.



-1898-1936


Com o agradecimento à Amélia Pais

quinta-feira, agosto 11, 2011

Será o consumismo produto da inveja?

(Moral desta estória: Afinal, todos seríamos mais felizes seguindo os conselhos da Grande Coruja!)



Os esquilos Diogo e Diego moravam perto um do outro. Eram como irmãos gémeos, embora Diogo tivesse uma cauda totalmente ruiva e a cauda de Diego tivesse alguns pêlos brancos. Diogo tinha construído a sua casa no buraco de uma nogueira e Diego tinha escolhido uma aveleira. Cada um tinha decorado o ninho a seu gosto e ambos gostavam muito de cozinhar. Um dia, Diego levou um frasco de compota de avelãs a Diogo e este ofereceu-lhe licor de noz. Foi um comportamento gentil, não foi? E, contudo, nenhum deles pensou nisso. Enquanto provava a compota, Diogo ia pensando: "Estas compotas de avelã têm um sabor delicioso de madeira recém-cortada, de manteiga e de trigo." E a inveja apoderou-se dele. Enquanto sorvia o seu licor de noz, Diego resmungava: "Realmente, há quem tenha tudo. Este licor de noz é verdadeiramente suculento! Quando penso que o Diogo pode bebê-lo todas as noites." E o seu coração encheu-se de amargura.
A partir desse dia, cada um olhava o outro com inveja. Quando Diego pensava no ninho soberbo de Diogo, com uma cobertura mole de penas de avestruz, tinha vontade de amuar até ao raiar do sol. Quando Diogo pensava na cama de rede que Diego tinha fabricado, tinha vontade de lhe morder o nariz até fazer sangue.
Um dia, Diego cheirou um odor delicioso de Pinhão nº 5.
— Cheira tão bem em tua casa — disse, sem conseguir esconder o descontentamento.
— Foi uma prenda da minha tia — respondeu Diogo, que semicerrou os olhos para ver melhor o boné de Diego, feito de plumas de avestruz cosidas à mão. "Trá-lo de propósito para me fazer inveja", pensou logo Diogo.
— Que boné! — exclamou, fazendo uma careta.
— Oh, é uma coisinha de nada — respondeu Diego, que era muito vaidoso. — Uma prenda da minha tia costureira.
Nessa mesma noite, Diego pensou na despensa de Diogo e Diogo pensou no guarda-roupa de Diego. Quanto mais o tempo passava, mais eles pensavam no que não tinham: uma colecção de conchas de noz, um bocado de vaso encontrado num campo, uma espiga de milho para decorar a casa… A menor quinquilharia punha-os verdes de inveja. Tudo o que um deles tinha, o outro também
queria ter. Chegavam a brigar duramente para arrancar das mãos do outro uma casca de noz ou um pedacinho de castanha.
Um dia, quando Diego encontrou um trevo de quatro folhas, Diogo pôs-se a choramingar: o trevo era seu, fazia parte do seu território. E quando Diogo apanhou um ramo de papoilas, Diego bateu à porta do amigo para lhe pedir metade do ramo. Diego teve ciúmes do aniversário de Diogo e Diogo teve ciúmes da tosse convulsa de Diego. Diogo teve ciúmes da varicela de Diego e Diego teve ciúmes da constipação de Diogo.
Os ciúmes e a inveja davam-lhes dores de barriga. "Alguém me quer mal", pensava Diego, "a floresta já não gosta tanto de mim, já não me dá tantas coisas como outrora". Acabaram por fazer tanta algazarra que todos os vizinhos do bosque (as rolas, as andorinhas, as pombas e os ratos) se reuniram para trocar impressões.
— Não estamos para aturar as vossas disputas!
— Falem mais baixo!
— Já ninguém se entende!
Toda esta barulheira acabou por chegar aos ouvidos da Grande Coruja, que se deslocou pessoalmente para avaliar a disputa.
Ouviu então as queixas dos dois esquilos.
— O ninho dele é mais macio do que o meu!
— O dele é maior do que o meu!
— Até teve a varicela!
— E ele teve a tosse convulsa!
— Pois, mas a varicela é melhor do que a tosse convulsa! Faz comichão, mas não dói tanto!
A Grande Coruja ria-se por detrás dos seus óculos.
— Daqui a pouco quem tem ciúmes de vocês sou eu. Têm tantas coisas! E, no entanto, nunca estão contentes. Isso é pena! Se fosse a ti, Diego, teria orgulho em ter um amigo como o Diogo. E tu, Diogo, devias estar contente por teres um amigo que faz compota de avelãs tão bem! Vou ensinar-vos como uma pessoa aprende a gostar ainda mais de outra. Diego, tu vais dar compota de avelãs ao Diogo e vais fazer para ele um boné de plumas. Quanto a ti, Diogo, vais fazer licor de noz para o Diego e algumas almofadas para ele decorar o seu pequeno ninho. Sugiro ainda que, de vez em quando, troquem de casa. Terão assim a impressão de ir de férias.
E foi o que aconteceu.
Diego fez um boné de plumas soberbo para o seu amigo Diogo usar no Inverno e Diogo fez pequenas almofadas cheias de lasquinhas de avelã trituradas para Diego. De vez em quando, durante o fim-de-semana, trocavam de casa, só para sentirem como as suas próprias casas eram confortáveis. E Diogo e Diego tornaram-se os melhores amigos do mundo!

Cent histoires du soir
Paris, Ed. Marabout, 2000
Sophie Carquain
(Tradução e adaptação via Clube das Histórias)

domingo, agosto 07, 2011

Tenho esperança nos jovens...

NOTA PRÉVIA: Não pretendo reproduzir com precisão palavras de Eduardo Lourenço na última parte da entrevista ontem na SIC (não as anotei), nem sequer traduzir fielmente pensamento seu; a nossa mente receptora reinterpreta subjectivamente de acordo com a sua disponibilidade ou até necessidade.

De súbito, vem-me esperança renovada - esperança nos jovens, nas novas gerações de jovens.
"Cada geração só transmite à outra aquilo que ela não é"
Sim, parece-me que cada geração 'velha' já não é transmissora: A nova geração recebe (ou adopta?) não o que foi ou é da de seus pais, mas o que não é.

Os jovens de hoje juntam-se, fazem 'ajuntamentos', para estarem acompanhados - uma juventude que não sabe o que a espera. Vazios de  um sentido...? Ou despojados de um sentido? Ou carentes de um sentido? Ou para encontrarem um sentido colectivo?
Não sei.  Eduardo Lourenço ontem falou de triunfo do niilismo e definiu a crise ocidental como essencialmente crise de sentido civilizacional. O meu pedido de desculpa por eu não ter tido tempo para apreender (e o entrevistador não lhe deu mais tempo) se deixou uma mensagem de esperança... de esperança nos jovens, mas falou de um talvez nostalgia de qualquer coisa, ou talvez simplesmente um recomeço. De qualquer modo, fez-me ficar a pensar neles - nos jovens de hoje -, e não acredito que os jovens deixem de procurar um sentido, não acredito que deixem ou desistam de (re)construir um sentido para a humanidade. 

Não me detenho a explicar (ou a explicar-me) porquê. Fiquei, de súbito, com uma nova esperança.

segunda-feira, agosto 01, 2011

Em férias... humor faz bem

Anedota Búlgara

Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade.

Carlos Drummond de Andrade
(Via Amélia Pais)